Saiba mais sobre autonomia médica

Saúde Debate ouviu entidades médicas sobre o assunto

autonomia médica
Autonomia Médica é tema de reportagem do Saúde Debate

O que é a autonomia médica e como ela influencia nos tratamentos e na relação médico e paciente? O Saúde Debate ouviu representantes de três entidades médicas para esclarecer o assunto, ajudando tanto pacientes quanto profissionais. 

O presidente em exercício do Sindicato dos Médicos no Estado do Paraná (Simepar), Marlus Volney de Morais, explica que a autonomia deve ser vista sob dois aspectos. O primeiro deles é a autonomia técnica, baseada no conhecimento e na ciência que o médico adquire na sua formação e aprimoramento durante a carreira. A segunda trata da autonomia “administrativa”, que corresponde aos vínculos que o médico tem em sua atividade diária. 

Leia também – Médico: uma profissão em constante transformação

Leia também – Desafios do autocuidado e o papel das operadoras de saúde são temas do podcast Saúde Debate

“Há confusão de terminologia em relação ao que se convencionou chamar profissional liberal em relação ao médico. Muita gente acha que ser liberal é não estar vinculado a nenhum emprego ou instituição e trabalhar por conta própria. Mas o conceito de profissional liberal está ligado à liberdade que ele tem, baseado na sua consciência, no seu conhecimento, de formatar prescrições e fazer as orientações que julgar adequadas no exercício da profissão”, declara. 

De acordo com Morais, a formação técnica, desde os primórdios da Medicina, tem fundamento científico. “É ciência: começa por observação, formulação de hipóteses para explicar o fenômeno observado, testar hipótese e aplicar a hipótese testada. Quando o médico tem, dentro do seu conhecimento médico e científico, segurança para prescrever tanto medicamentos quanto orientações, ele precisa colocar essa ciência a serviço de quem está atendendo. É fundamental para o exercício digno da profissão médica, usar a base de conhecimento que tem e a experiência profissional para fazer as prescrições e orientações para os pacientes”, salienta. 

O 1º vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM) e integrante do Departamento de Fiscalização do Exercício Profissional do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), Donizetti Giamberardino Filho, conta que a autonomia do médico deve estar em equilíbrio com a autonomia do paciente, que precisa de informações para exercer este seu direito e tomar a sua melhor decisão. “A autonomia do médico está no limite do benefício do outro. Ela só existe para ajudar o outro. Não existe uma autonomia irrestrita. Isto está fora de cogitação. A autonomia médica está prevista no nosso Código de Ética de uma forma bem clara”, afirma. 

Segundo Giamberardino Filho, existe um conceito clássico relacionado à Medicina, chamado de Ciência e Arte. Nele, a ciência é a própria atualização do conhecimento. E a arte trata da relação médico – paciente. “É preciso essa interpessoalidade para gerar a confiança necessária. Isto é fundamental para sucesso de qualquer tratamento médico. Com essas bases, posso dizer que o médico vai exercer sua autonomia em benefício do doente. Tudo isto vale para uma questão individualizada”, cita.

O 1º vice-presidente do CFM cita como exemplo a variabilidade de drogas não reconhecidas, ou “off label”, para determinada situação. Para ele, isto deve estar definitivamente ligado a questões individuais, nas quais médico e seu paciente decidem sobre isto, sabendo dos limites, benefícios e riscos. Sobre o que classifica como “protocolo de consenso”, ou seja, ações e medidas que afetam mais pessoas, elas precisam estar calcadas em evidências científicas mais robustas. “Ao mesmo tempo em que o médico não deve tirar uma esperança, ele também não pode iludir. Essa é uma linha tênue”, frisa.

Sobre a pandemia e as discussões relacionadas à autonomia médica e possíveis tratamentos contra a Covid-19, Giamberardino Filho lembrou que todos estavam diante de uma doença com diagnóstico, mas sem conhecimento de como se comportaria e de um tratamento. “Neste momento surgem especulações e indagações na tentativa de buscar tratamentos usando tratamentos fora da bula. Isso pode ser feito, mas sob responsabilidade. Preciso olhar o paciente, ver aquela droga, verificar os efeitos colaterais, se existe artigo que coincide com o que estou pensando. E se for usar, falar com o paciente e ter o consentimento dele. Por que disso? Porque está colocando uma esperança de tratamento”, considera. 

Ainda sobre a pandemia, Giamberardino Filho classifica que a questão da autonomia médica está bem colocada. Mas “algumas esperanças mostraram que não tinham efeito e precisavam cessar”. “Não há cabimento do médico usar o que não faz sentido, o que se esvazia. Se março de 2020 se pensou que alguns remédios funcionariam, e depois de um, dois meses viu que não funciona, não se usa mais. Isso está em um dos princípios da não maleficiência do nosso Código de Ética, que é uma norma muito maior do que qualquer parecer”, opina. 

O presidente da Associação Médica do Paraná (AMP), Nerlan Tadeu Gonçalves de Carvalho, reiterou como os médicos estavam – e ainda estão – diante de uma doença nova, com diferentes manifestações, repercussões e evoluções. “E, diante de um fato novo, você deve se ajustar no decorrer do processo. E isso significa buscar alternativas de tratamento. E, quando não existe tratamento, fazer ‘tentativa e erro’. Logicamente, nunca chegaríamos ao consenso se o uso de determinada droga foi efetiva ou não porque existem vieses de pesquisa. Exemplo disto: como posso diante de um paciente, com a evolução de uma doença que não se conhece o desdobramento, deixar de oferecer a ele uma opção de tratamento? É uma relação médico e paciente”, diz. 

Carvalho comenta que esta é uma situação para que, em comum acordo, médico e paciente tentam uma opção. “Mesmo que isso não signifique estar embasado cientificamente. Porque não tinha embasamento. Hoje se conhece um pouco mais. A polêmica é pela falta de dados científicos que permitam essa análise”, avalia. 

Desejo do paciente x autonomia médica

O presidente em exercício do Simepar, Marlus Volney de Morais, ressalta que cada paciente tem uma experiência, um modo de vida, hábitos e crenças. E isso impacta em determinado tratamento, podendo existir “confronto de conhecimento e de experiências”. 

Como uma boa iniciativa neste contexto, Morais cita um projeto norte-americano chamado Choosing Wisely, por meio do qual são divulgados dados técnicos para os médicos e informações em linguagem mais simples e acessível para os pacientes. O objetivo é fomentar as decisões compartilhadas.

Ainda nesta iniciativa, há a orientação para o paciente fazer cinco perguntas ao médico: “preciso mesmo fazer isso?”; “o que acontece se eu não fizer?”; “o que o senhor me propõe é seguro?”; “isto pode causar dano ou efeito colateral?”; e “qual o financiamento do tratamento?”.

“A autonomia passa a ser compartilhada. O médico conta, por exemplo, como encontrou vários trabalhos que mostram determinada situação e cita que, como médico, com a sua experiência, gostaria de prescrever determinado tratamento. O paciente faz os seus questionamentos e existe uma decisão em conjunto, estabelecendo uma relação”, comenta.

Segundo Morais, o compartilhamento da decisão também é fundamental para a sequência do atendimento e tratamento, especialmente se o paciente não quiser seguir ou aderir àquilo que foi recomendado pelo médico. “Tudo bem, mas o médico tem autonomia para dizer que não acompanha mais o tratamento daquele paciente porque não quer seguir a orientação”, explica. 

O presidente em exercício do Simepar salienta que o médico deve agir conforme sua consciência e conhecimento, oferecendo o que existe de melhor, além de respeitar a autonomia do paciente.

Leia também – Inflação Médica: por que ela é diferente das demais?

Leia também – Os três P que irão impulsionar a transformação digital no setor de saúde