Em tempos de prolongada pandemia, recolhimento e tantas perdas, é quase impossível não sofrer algum tipo de problema mental ou emocional. Difícil passar ileso por esses quase dois anos de mudanças e tantos desafios sanitários. Publicação recente da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) examina estudos e dados de países da região, para tentar compreender o impacto da pandemia sobre a saúde mental da população. E faz uma constatação relevante: no Brasil, mais de 40% dos cidadãos tiveram problemas de ansiedade. Por isso, é importante campanhas como a do Janeiro Branco, que busca orientar e alertar sobre os problemas de saúde mental, tema que ainda envolve muito tabu, mas que precisa ser superado, dizem especialistas.
Criada em 2014, a campanha Janeiro Branco tem por objetivo chamar a atenção para a necessidade de cuidar da saúde mental como importante fator de qualidade de vida. Afinal, mesmo antes da pandemia, conforme dados da Organização Mundial da Saúde, o Brasil já era o segundo país da América com maior número de pessoas depressivas (5,8% da população) e, também, o país com maior número de ansiosos do planeta: 9,3%. E considerando a pandemia de Covid-19, aumentam exponencialmente as possibilidades de aparecimento e agravamento do estresse crônico e transtornos mentais.
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Segundo Raquel Heep, psiquiatra e professora do curso de Medicina da Universidade Positivo (UP), é preciso desmistificar o assunto. “Ainda é um tabu falar sobre saúde mental, porém, temos que lembrar que é uma doença como qualquer outra e precisa ser tratada. É muito importante estar com a saúde mental sempre em dia, senão, nada vai bem”, ressalta.
No Brasil, de acordo com pesquisa do Instituto FSB, 62% das mulheres e 43% dos homens afirmaram que a saúde emocional “piorou’” ou “piorou muito” durante a pandemia. Outro estudo, desenvolvido pelo Instituto Ipsos e encomendado pelo Fórum Econômico Mundial, concluiu que 53% dos brasileiros reconhecem que sua saúde mental piorou bastante no último ano.
A psiquiatra Monia Bresolin, do corpo clínico do Hospital Dona Helena, de Joinville (SC), entende que a indefinição sobre o fim da pandemia – com o reaparecimento de novas cepas de vírus – faz desse tempo um fator de estresse crônico, sobretudo em função das incertezas do que ainda está por vir. “Além do sofrimento pela perda de pessoas queridas, também trouxe mudanças econômicas, na forma de trabalho, estudos, relação sociais e familiares, o que exige uma adaptação a situações nunca antes vividas”, reflete a médica.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o Brasil é considerado o país mais ansioso do mundo. “Com a pandemia, isso cresceu ainda mais. Os principais diagnósticos, além da ansiedade e depressão, são as dependências químicas, principalmente o alcoolismo. O grande problema é que muitas vezes as pessoas não buscam ajuda e, consequentemente, levam uma vida de má qualidade, que acaba afetando o trabalho, a família e pode chegar ao suicídio. O ideal é não deixar a tristeza ultrapassar 15 dias, mas se isso acontecer, é hora de buscar ajuda de um profissional de saúde mental para iniciar um acompanhamento e tratamento adequados”, orienta Rachel Heep.
Em outro estudo, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz e mais seis universidades, enquanto 40% da população brasileira apresentava sentimentos frequentes de tristeza e de depressão, 50% manifestaram ansiedade e nervosismo. Em relação às faixas etárias iniciais da vida, pesquisa conduzida pelo UNICEF/Gallup mostrou que 22% dos adolescentes e jovens brasileiros de 15 a 24 anos se sentem deprimidos ou têm pouco interesse em fazer alguma atividade.
Ainda segundo a psiquiatra, a orientação para quem sofre com algum transtorno mental é buscar ajuda, seja com psicólogo ou com psiquiatra, ou, ainda, ambos, em alguns casos. “Assim como qualquer especialista é procurado quando temos algum problema, seja cardíaco, ginecológico ou qualquer outro, é preciso criar o hábito de pedir ajuda quando sentimos que algo não vai bem. Sabemos que, infelizmente, muitas pessoas adiam esse cuidado pela dificuldade de acesso à saúde, mas hoje em dia há muitos serviços gratuitos oferecidos por hospitais e universidades”, ressalta. De acordo com a especialista, atualmente, as doenças psiquiátricas estão entre as primeiras no ranking das mais frequentes.
Mas como resistir a tanta pressão? “As recomendações para manter a saúde mental não são muito diferentes quanto à saúde física”, explica Monia Bresolin, listando, entre as principais atenções que se deve ter nesses momentos difíceis, a prática de atividade física regular, alimentação equilibrada, rotina de sono adequada, manter vínculos sociais positivos, manter equilíbrio entre lazer, trabalho, família, vida social e religiosidade. E buscar auxílio profissional em caso de necessidade.
Identificar essa necessidade de ajuda, porém, nem sempre é fácil. Mas a psiquiatra dá uma boa dica para distinguir o que é considerado comportamento “normal” daquele que exige uma maior atenção profissional: “Pode-se entender como ‘normal’ o padrão habitual da pessoa, levando em consideração sua trajetória de vida. E consideramos como merecedor de tratamento quando há alguma alteração de comportamento que cause sofrimento ou prejuízo significativo à pessoa”.
Nesse contexto mundial com tantas preocupações e poucas certezas, a médica destaca a importância não apenas de manter-se atentos a eventuais transtornos decorrentes dessa situação, mas, também, de buscar promover ainda mais a saúde mental.
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