É consenso entre os profissionais que atuam na área da saúde mental: transtornos de ansiedade e depressão são consequências da Covid-19 em todo o mundo. A China já assistiu esse filme antes: na epidemia de síndrome respiratória aguda grave (SARS), em 2003, um estudo demonstrou que as pessoas se consultaram três vezes mais com psiquiatras do que com infectologistas, e duas vezes mais do que com seus próprios médicos de família, no ano após a infecção. Esse fato demonstra a relevância de aspectos de saúde mental no pós-infecção, mesmo em episódios muito menores, classificados na escala 7.
A Covid-19 também coloca a psiquiatria em alerta: nunca enfrentamos estressores de magnitude, em escala global. E a segunda onda da pandemia que iniciou há pouco no continente Europeu, além do recorde de casos diários nos Estados Unidos e aumento considerável no Brasil sinalizam que a pandemia parece não ter fim. Já são nove meses que convivemos com um inimigo invisível. O distanciamento social alterou os padrões de comportamento em diversas faixas etárias, a mudança dos métodos e da logística de trabalho e de diversão, restringindo o contato próximo com as pessoas, algo tão importante para a saúde mental.
O convívio prolongado dentro de casa também aumentou o risco de desajustes da dinâmica familiar, sem falar no impacto econômico e no desemprego, que também são fatores de tensão nas famílias. Por fim, as mortes de entes queridos em um curto espaço de tempo e a impossibilidade de realizar os rituais de despedida – parte importante no processo de luto – aumentam o estresse para o nível 10 na escala de medição, de acordo com o Guia de Saúde Mental Pós-pandemia, elaborado e divulgado recentemente pela Pfizer. Daí a importância de olhar com mais carinho para a saúde mental em tempos de Coronavírus.
Um estudo nacional, realizado em 2020, que entrevistou 45.161 brasileiros, aponta que grande parte da população brasileira não saíra ilesa desse episódio. A pesquisa verificou que, durante a pandemia, 40,4% se sentiram frequentemente tristes ou deprimidos; 52,6% relataram se sentir ansiosos ou nervosos; 43,5% apresentaram início de problemas de sono; e 48% tiveram problema de sono preexistente agravado. Tristeza, nervosismo frequentes e alterações do sono estiveram mais presentes entre adultos jovens, mulheres e pessoas com antecedente de depressão.
Não podemos esquecer de falar sobre o consumo exagerado de álcool durante a pandemia. A pesquisa “ConVid – Pesquisa de Comportamento”, conduzida Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a UFMG e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apontou que 18% da população brasileira aumentou seu nível de consumo de álcool.
É importante prestar a atenção nessa duplicidade do álcool: a princípio, confere momentos de euforia, deixando a pessoa animada. Mas esse prazer tem curta duração: é quase imediato e, na sequência, piora os efeitos de ansiedade e depressão. Portanto: buscar refúgio na bebida nessa quarentena está longe de ser uma solução para aliviar o sintoma de tristeza, provocada pelo confinamento. A longo prazo, o consumo de álcool pode piorar quadros de ansiedade, especialmente em pessoas que possuem diagnóstico de algum transtorno deste tipo.
O abuso de remédios indutores do sono para combater a insônia também é um fenômeno observado na pandemia. Nos EUA, o número de receitas de antidepressivos e medicamentos contra ansiedade e insônia aumentou 21% entre 16 de fevereiro e 15 de março, quando a OMS (Organização Mundial da Saúde) classificou a covid-19 como pandemia. Os dados da Express Scripts informam que os populares calmantes, principalmente benzodiazepínicos, que no Brasil são “tarja preta”, foram o tipo de medicamento mais prescrito, com salto de 34% de um mês para outro. Para antidepressivos e indutores de sono, os aumentos foram de 18,6% e 15%, respectivamente. E acreditamos que, entre os brasileiros, o uso de medicamentos também cresceu.
Mas é muito importante lembrar que todos esses remédios possuem efeitos colaterais, e cada paciente reage de uma forma diferente. O melhor é mudar os hábitos antes de recorrer a terapias medicamentosas. Alguns fatores que contribuem para uma boa noite de sono são: ter um ambiente escuro, organizar o tempo, deitar sempre no mesmo horário, fazer atividade física, reservar um tempo para cuidar de si e não cochilar em outros horários do dia.
* Alessandra Diehl é médica psiquiatra
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