Mais um efeito da pandemia: a hepatite medicamentosa

Quem não recebeu uma dica para ingerir vitamina, tomar determinado remédio ou comprar fitoterápico durante o último ano? A Covid-19 desencadeou uma busca pela prevenção e fortalecimento da imunidade. Mas esse fenômeno gerou mais um efeito da pandemia: a hepatite medicamentosa. A interação desses produtos com remédios de uso contínuo ou outros medicamentos pode causar alterações no fígado.

Um alerta de um médico pneumologista sobre a hepatite medicamentosa, por meio de um post nas redes sociais no mês de fevereiro, trouxe o assunto à tona. A publicação de Frederico Fernandes, presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia, viralizou depois de ele revelar que avaliou uma paciente jovem com problemas no fígado. Fernandes contou que ela – que teve forma leve de Covid-19 – chegou a tomar 18g de ivermectina por dia e, em função de complicações, poderia necessitar de um transplante. 

A ivermectina é um medicamento utilizado para infecções por parasitas e configurou entre as possibilidades de tratamento “precoce” para a Covid-19, mas sem comprovação científica até o momento. A farmacêutica responsável pela fabricação do medicamento informou, também em fevereiro, que não há evidências que ele gere benefícios ou seja eficaz no tratamento da Covid-19.

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Neste caso relatado pelo médico, sugere-se que a situação da paciente foi desencadeada pelo excesso na dosagem do remédio. Mas nem sempre uma hepatite medicamentosa é causada desta forma. 

A médica Fabiana Weffort Caprilhone, diretora clínica do Hospital Pilar, em Curitiba (PR), explica que a maior parte dos casos de hepatite medicamentosa não depende da quantidade de remédio ingerida, mas da suscetibilidade de cada pessoa e da interação que pode acontecer entre diferentes remédios, além do uso fora das orientações citadas na bula.

Exemplos disto são pacientes que decidiram, por conta própria, prolongar o uso de determinado medicamento. Ou ainda optaram pela automedicação, adicionando remédios à rotina. 

“O grande alerta é justamente para a automedicação. As pessoas começam a tomar medicação, às vezes até em dose correta. Mas persistem, com um tempo superior do que deveriam. E podem estar já tomando medicação de uso contínuo, também metabolizado pelo fígado. É importante saber sobre isso e, assim, evitar a automedicação. É preciso observar essa interação medicamentosa”, afirma Fabiane, que também é especialista em clínica médica e geriatria, além de ser uma das coordenadoras da UTI do Hospital Pilar. 

As pessoas que usam algum medicamento de uso contínuo podem precisar de outro remédio para algo momentâneo, como uma infecção. Por isso, a orientação médica é essencial. “Neste contexto pode aparecer uma hepatite medicamentosa transitória. A pessoa não está tomando o medicamento na dose errada ou fazendo algo errado, mas pode desenvolver hepatite medicamentosa por essa interação”, esclarece Fabiane.

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p class=”ql-align-center”>É preciso cuidado com fitoterápicos e vitaminas, por exemplo. Eles também podem interagir com outros medicamentos e causar hepatite (Foto: Pixabay)

Hepatite medicamentosa como efeito da pandemia

A médica conta que percebeu no consultório e nas conversas com os colegas um aumento nas alterações nos exames de pacientes, em check-ups realizados entre o fim de 2020 e os primeiros meses de 2021 – quando um contingente maior de pessoas decidiu retomar esses testes. Mudanças nos níveis das enzimas hepáticas indicaram que o fígado não estava bem e revelaram casos de hepatites medicamentosas. 

“Nunca peguei tantos casos assim. Atendo mais idosos, que não tinham alteração nenhuma anteriormente, mesmo sendo pacientes que chamamos de ‘polifarmácia’. Mas também verificamos isso em pacientes jovens. Depois dos exames, quando questionados, os pacientes revelam que estão tomando outros medicamentos (além dos receitados), coquetéis de vitaminas…”, relata. 

A intenção por trás disto é a prevenção em relação à Covid-19 e, por isso, a médica considera essas alterações e a hepatite medicamentosa como efeitos da pandemia. “Estamos detectando isso agora, em função do medo que surgiu da população, com tendência de buscar uma prevenção. E, com medo, toma essas atitudes que podem prejudicar o organismo. As pessoas acham que vitaminas não causam problemas, mas são medicamentos. Excesso de vitamina não é bom. Tudo deve ser dosado, avaliado, conforme a necessidade de cada um. Não existe fórmula mágica”, enfatiza Fabiane. 

A médica também chama atenção para os fitoterápicos: “Já peguei alteração de enzimas hepáticas por valeriana, um fitoterápico extremamente divulgado e com fácil acesso. Alguém se sente ansioso e começa a tomar valeriana, por exemplo. No entanto, se já toma uma medicação, faz alteração”.

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Hepatite medicamentosa: sintomas

Segundo Fabiana Weffort Caprilhone, a maioria das pessoas com esse tipo de doença não vai apresentar qualquer tipo de sintoma. Será diagnosticado apenas depois de exames, quando houver alteração no nível das enzimas hepáticas. Também para a maior parte dos pacientes bastará cessar o uso dos medicamentos que estão causando o quadro, para que haja a normalização do mesmo. “O mais comum é a resolução até demorar alguns dias ou semanas. Suspende a medicação e na semana seguinte já é possível verificar que os níveis das enzimas estão diminuindo. Não chega a ter danos”, indica. 

No entanto, a hepatite medicamentosa pode evoluir para uma situação mais grave, em especial se houver persistência na ingestão de doses elevadas de determinada medicação ou uso por tempo superior ao recomendado. Caso o paciente chegue neste ponto, podem aparecer sintomas, como mal-estar, náusea, vômito, febre e a pele amarelada, além de urina mais escura e fezes mais claras, em tom bege. Com esses sinais, deve-se buscar ajuda especializada.

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