Efeitos da pandemia: Covid-19 e depressão

    Covid-19 e depressão: seria esse um dos efeitos da pandemia? O medo do vírus desconhecido, o tédio do isolamento, a incerteza quanto ao futuro e as dificuldades financeiras causadas pela pandemia de Covid-19 podem gerar uma nova epidemia, durante ou mesmo após o período de enfrentamento do coronavírus: a epidemia da depressão.

    Pesquisa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) realizada no mês de junho apontou que, mesmo com todas as regras de distanciamento, com a suspensão de alguns serviços e a fuga de pacientes de consultórios médicos em geral, 47,9% dos médicos psiquiatras tiveram aumento no número de consultas.

    Nos mais de três meses de rotina alterada por conta das medidas de enfrentamento à pandemia, é natural que toda a população sofra com alterações de humor, como picos de ansiedade, estresse, irritabilidade ou tristeza por conta da situação a que está sendo exposta: desde as crianças, sem aulas e entediadas em casa, passando pelos adultos, preocupados com o distanciamento físico, o abalo na economia e a incerteza do futuro; e chegando aos idosos, principal grupo de risco da doença, que, além da preocupação com o risco à saúde ainda estão, muitas vezes, distantes dos próprios filhos e netos por conta das medidas de prevenção.

    A pesquisa da ABP mostrou, ainda, que 89,2% dos psiquiatras identificaram que seus pacientes tiveram sintomas agravados no período de quarentena e que 70% dos profissionais afirmaram ter recebido novos pacientes após o início da pandemia, pessoas que nunca tinham apresentado sintomas psiquiátricos anteriormente.

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    Covid-19 e depressão

    Além de todas essas situações comportamentais provocadas pela mudança drástica na rotina, um fator natural também tem influência direta no aumento dos registros de depressão: a luz solar. “A luz solar é extremamente importante para o funcionamento do nosso organismo. Lugares onde existe menos exposição à luz você tem mais casos de transtornos de humor. Com o isolamento, as pessoas estão se expondo menos à luz solar. E, como agravante, estamos entrando no inverno, uma época do ano que essa exposição já é historicamente menor”, explica o psiquiatra Sivan Mauer, mestre pela Universidade de Boston.

    Gatilhos

    O médico que revisou a literatura sobre os impactos na saúde mental de quarentenas adotadas em outras epidemias pelo mundo cita que os maiores gatilhos para os transtornos de humor, como a depressão, são a duração da quarentena, medo da infecção, frustração, tédio, falta de suprimentos, falta de informação, perdas financeiras e estigma. “Uma questão já clara nas evidências que analisamos é que que quanto maior a duração da quarentena, você tem mais impacto sobre a saúde mental. A falta de informação e a ausência de previsão de quando a situação anormal vai passar, também são agravantes, e se tornam mais preocupantes ainda quando se tem governantes inábeis, falta de transparência e decisões políticas atrapalhadas”, diz.

    “Mas existe também a relação do tédio que a quarentena causa e a frustração de muitas coisas, principalmente você não ter a sua rotina anterior, não ter os contatos físicos e sociais com outras pessoas, não poder fazer as práticas diárias de atividade física”, complementa. “O medo da morte, o tédio, a crise financeira e a falta de rotina são fatores de risco. É um conjunto. A gente não consegue quantificar. Um desses problemas pode ser o mais grave para mim, outro para você”, conclui.

    Mauer reconhece que as oscilações de humor são normais e mais frequentes em “tempos difíceis” e orienta para que as pessoas se atentem à duração de suas crises e à frequência para avaliar a necessidade de se buscar ajuda. “A diferença é o tempo. Você tem um dia que você não está bem, que você acha que tua vida não vai voltar ao normal, que não vai ficar bem. Mas, no dia seguinte você acorda melhor e pensa: ‘tudo bem, vamos seguir em frente e vamos tocar do jeito que der’. Agora, quando isso se torna um episódio frequente ou prolongado, que dura mais de um dia, que persiste e é recorrente e, principalmente, se já há histórico anterior ou familiar de transtorno de humor, daí é sinal de que precisa de ajuda médica”, diz, citando que, em menor proporção, a situação atípica da quarentena também pode ser o gatilho para o primeiro quadro de transtorno emocional. “Se a pessoa tiver qualquer ideação suicida durante a quarentena ela deve procurar ajuda imediata”, alerta.

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    Sivan Mauer também cita que o pós-pandemia também apresenta fatores sérios de risco à saúde mental, principalmente, por conta das perdas financeiras e do estigma em relação a outras pessoas. “As pessoas perdem o emprego, fecham seu pequeno comércio, recorrem a empréstimos, adiam dívidas e, quando a quarentena acaba e vão tentar se reorganizar, podem, ao tomar ciência da gravidade da situação em que se encontrarem, desencadear sintomas psiquiátricos”, diz o médico.   

    Para cuidar da saúde mental durante a quarentena, o psiquiatra destaca que é fundamental se criar uma nova rotina. “E fazê-la funcionar. Coordenar uma rotina caseira com o parceiro ou a parceira, com os filhos, fazer com que eles tenham os horários certos para estudar, para as refeições. Tudo isso é importante que aconteça. Se for possível, sair e tomar sol, é muito importante. Dar uma volta na quadra ou ir até a varanda e se expor a luz solar, por 30 minutos”.

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