Mais de 74% dos brasileiros relatam problemas com o sono na pandemia, relata pesquisa

É consenso para a grande maioria da população de que a pandemia trouxe novas preocupações para o cotidiano das famílias. Medo, ansiedade, problemas financeiros e emocionais permeiam a rotina de todos.

Pesquisa realizada pela Royal Philips (Em busca de soluções: como a Covid-19 mudou o sono pelo mundo) indicou que mais de 74% dos entrevistados enfrentam problemas de sono, dos quais 50% acreditam que a pandemia afetou diretamente a possibilidade de dormir bem e 47% relatam que acordam no meio da noite. Foram ouvidos 13 mil adultos em 13 países, incluindo o Brasil. As porcentagens acima se referem ao quadro encontrado no país.

As noites mal dormidas causaram outro cenário preocupante: o aumento da venda e do consumo de remédios hipnóticos que ajudam a regular o sono. Segundo o Conselho Federal de Farmácia, houve crescimento de 20% no consumo desses medicamentos em 2020.

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Outro estudo (Sleep problems during the Covid-19 pandemic by population: a systematic review and meta-analysis (‘Problemas do sono durante a pandemia de Covid-19 por população: estudo sistemático e meta análise’, em tradução livre), publicado no site do National Center for Biotechnology of Information, da Blblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos) revelou que, entre os profissionais da saúde, o índice dos que informaram sofrer de problemas para dormir ao longo da pandemia foi de 36%; na população em geral, foi de 32%. A meta-análise considerou 44 outros estudos, envolvendo mais de 54 mil participantes em 13 países.

 

“Nós estamos de fato mais preocupados devido à pandemia da Covid-19”, explica o dr. Fernando César Mariano, otorrino do Hospital IPO. “Estamos preocupados com o risco de morte, com problemas financeiros, trabalho, familiares, e isso nos deixa em um estado ‘hiperalerta’, que é uma reação de estresse e que acaba fragmentando o sono, causando mais despertares e pesadelos, interferindo na quantidade e na qualidade do sono”, informa.

 

Ainda que não exista comprovação científica de que o vírus cause algum tipo de déficit neurológico que afete o sono, o que a medicina já identificou são as interferências indiretas, sobretudo ligadas a questões emocionais, de transtornos pós-traumáticos, como o aumento de índices de depressão e ansiedade e casos de Burnout potencializados pela Covid-19.

 

“Detalhe importante: o sono ruim piora a imunidade”, acrescenta o dr. Fernando. “No paciente que está com Covid, se ele tem um sono pior, acaba por criar um ciclo vicioso, porque essa deficiência vai piorar a doença. Há uma grande quantidade de citocinas produzidas durante a Covid, e uma das funções do sono é justamente abrandar as citocinas”, detalha.

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O que interfere na qualidade do sono

Para o médico otorrinolaringologista e coordenador de residência do Hospital Universitário Cajuru de Curitiba (PR), Marco César, o estado emocional tem um papel importante na qualidade do sono. Outros fatores que também podem impactar o momento de dormir são: a má alimentação, o uso de bebidas alcoólicas e os distúrbios metabólicos, como alterações hormonais. Estudos já mostram que a qualidade da alimentação e a moderação no consumo de álcool foram justamente dois hábitos que mudaram durante a pandemia. 

“Quando pensamos em um corpo saudável precisamos pensar em três grandes pilares: o primeiro é a alimentação saudável, o segundo é atividade física e, por fim, o descanso. Então, o sono é o momento de recuperação do organismo, com a eliminação de alguns hormônios que permitem a regeneração dos grupos musculares. E no sono profundo descansamos nossa mente e recuperamos nosso estado emocional”, afirma o médico. Insônia, ronco, apneia do sono, narcolepsia, sonambulismo e síndrome das pernas inquietas são alguns dos distúrbios de sono mais comuns entre a população. 

Sentimentos de nervosismo, ansiedade, tensão e dificuldade no relaxamento são apontados como os principais impactos provocados pela pandemia. Além disso, a maior exposição às telas de computadores e celulares, devido à necessidade de adaptação do trabalho ao modelo remoto, também pode ser um dos causadores do crescimento de relatos de noites mal dormidas. “O celular, a televisão, os tablets acabaram se tornando uma extensão do nosso próprio corpo. A luz azul emitida pelos aparelhos acaba inibindo a eliminação da melatonina, que é o hormônio liberado para induzir e manter o sono”, enfatiza.

Outro problema que deve ser levado em conta diz respeito aos distúrbios do sono e outros agravantes que eles podem acarretar. “Esses problemas do sono podem acabar levando a doenças degenerativas do sistema nervoso central. O paciente pode começar com alterações de memória, distúrbios de relacionamentos e de comportamento, com crises de ira, por exemplo”, afirma o otorrinolaringologista.

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Saúde mental

Para melhorar a qualidade de sono, o psicólogo do Hospital Universitário Cajuru, Sidnei Evangelista aposta no fortalecimento da saúde mental. “É o estado de bem-estar que faz o indivíduo conseguir ser produtivo, realizar as suas habilidades e se recuperar do estresse causado pela rotina. Agora, na pandemia, é importante se atentar ainda mais a isso. A procura de um profissional de saúde que possa escutar e sugerir pontos importantes de análise que irão aliviar de certa forma a tensão, ou minimizar os danos, é fundamental”, explica.

Esse acompanhamento profissional também é destacado pelo médico Marco César para evitar casos de automedicação e receber as orientações indicadas a cada pessoa. “Dentro da possibilidade de cada um, é necessário tentar manter uma alimentação mais saudável, fazer algum tipo de atividade física, dando preferência às atividades matinais, e evitar bebidas alcoólicas perto do horário de dormir”. A moderação também vale no que se refere aos perigos das telas de celulares, computadores e televisões. “Nunca leve o celular, nem assista à televisão na cama. O seu corpo tem que entender que ao se deitar, você vai dormir”. O especialista ainda alerta que, se mesmo seguindo essas orientações, os distúrbios do sono persistirem, é essencial procurar ajuda médica.

Apneia do sono e falta de ar à noite

 

O problema pode se agravar em quem já sofre de apneia do sono. Isso porque a apneia diminui a oxigenação noturna, e pacientes que tiveram Covid-19 com um maior comprometimento pulmonar podem ter um quadro mais intenso de problemas respiratórios à noite, o que pode afetar a qualidade do sono.

 

Pacientes que passaram pela doença relatam certo cansaço em pequenos esforços, o que revela certa fragilidade na respiração, e pode resultar em fragmentação do sono à noite. Para o dr. Fernando, a Covid-19 precipitou problemas de sono, porque as queixas vieram também de pacientes que nunca haviam apresentado quadros de insônia. Já em casos de pessoas que eventualmente enfrentavam noites em claro, o caso se agravou. A orientação do otorrino é, caso o problema se torne frequente, procurar um especialista que possa aplicar ferramentas da terapia cognitivo-comportamental, incluindo a higiene do sono, antes de optar por medicações.

 

“Se o paciente está disfuncional, não consegue boa concentração e tem percebido dificuldades de memorização e de humor durante o dia por um sono prejudicado, tendo pesadelos frequentes ou acordando várias vezes sem conseguir retomar o sono, o ideal é iniciar com uma revisão comportamental de alívio de estresse”, orienta. Assim, rituais de relaxamento como meditação podem ajudar na preparação para uma noite reparadora.

 

“Em último caso, solicitamos exames, como a polissonografia, para avaliar a saturação, a arquitetura do sono – a quantidade do sono superficial e profundo – além de descartar outros distúrbios do sono. Isto nos permite fazer o acompanhamento completo do paciente. E essa é uma estratégia não apenas para pacientes que enfrentaram a Covid-19, mas para pacientes em geral, que estão enfrentando problemas de sono”, conclui.

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