Efeito da pandemia: cuidados com o excesso de reuniões online e videochamadas

Um efeito da pandemia de Covid-19 foi a alteração na maneira de trabalhar, de estudar e de se relacionar. O isolamento social forçou a adoção das metodologias a distância e, com isso, vieram as reuniões online e videochamadas, tanto para sanar as questões profissionais quanto as pessoais. Mas, e quando esse tipo de rotina se torna um excesso? Quando a sequência de reuniões online, aulas a distância e chamadas de vídeo deixam a pessoa cansada?

 

Isto pode ser reflexo de um desequilíbrio, segundo Tito Lívio Ferreira Vieira, professor da Estácio Curitiba, psicólogo junguiano e Doutor e Mestre em História da Ciência. De acordo com ele, um efeito da pandemia que pode explicar o cansaço e o desgaste com o excesso de reuniões online e videochamadas é o fato de não conseguirmos nos “desligar”. A vida a distância, pelo trabalho, estudo ou atividades pessoais, gerou até mesmo um aumento nos compromissos ao longo do dia. 

 

“A saúde psíquica tende estar mais próxima da pluralidade do que da unilateralidade. É uma característica do olhar junguiano sobre o comportamento humano. Fazendo uma brincadeira com um jogo de palavras: a conjugação dos verbos ligar e desligar ficou bastante hipertrofiada nesse momento, em detrimento de outros verbos, como visitar, ver (amigos), caminhar, passear, praticar, dançar, viajar, abraçar. Essa hipertrofia não faz bem para a alma, de fato”, considera. 

 

Hoje em dia, ainda mais com a pandemia, o trabalho e o estudo estão nas telas dos computadores e dos aparelhos celulares. Mas as relações sociais e o lazer – muitas opções, pelo menos – também estão. Por isso, as pessoas estão ligadas o tempo todo por meio das telas. O professor salienta que o excesso de exposição gera excesso de estímulos também, causando dificuldades para dormir, por exemplo. E o sono é o “alimento” do sistema nervoso central.

 

Mais do que isso, esse tipo de rotina restringe a expressão motora, causando tensão. “O campo tenso, para a maioria das pessoas, diminui a produtividade. Ninguém funciona em campo tenso. Uma minoria das pessoas que consegue manter ou aumentar a produtividade sob tensão. A expressão motora é muito restringida atualmente e isso aumenta a tensão”, afirma Vieira. 

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Excesso de reuniões online e videochamadas de trabalho na pandemia: culpa da empresa?

 

Independentemente da área, os encontros virtuais se tornaram essenciais para a sequência do trabalho em isolamento social durante a pandemia. As reuniões online e as videochamadas dão vazão às demandas das atividades e podem facilitar a realização das tarefas e o contato com todos os integrantes da equipe. No entanto, há muitos relatos de que a rotina ficou preenchida com esse tipo de conexão, causando não apenas cansaço, mas gerando a sensação de se estar conectado o tempo todo, sem descanso.

 

A presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos – seção Paraná (ABRH-PR), Andréa Gauté, afirma que a pandemia apenas exacerbou algo que já vinha acontecendo dentro das empresas: muitas reuniões na rotina de trabalho, sem analisar a produtividade desses encontros. “Essa mesma sensação, antes da pandemia, eu já tinha percebido em algumas organizações. Muitas e muitas reuniões e pessoas se sentindo exauridas porque passavam praticamente o dia em reunião. E essa é uma questão de rever, de administração mesmo de agenda e de projetos: preciso estar de fato nessa reunião? Posso delegar para alguém e não estar nessa reunião?”, questiona. 

 

De acordo com a Andréa, também deve acontecer uma mudança de pensamento do gestor e do próprio trabalhador, pois há pessoas que querem estar em todos os locais e ocasiões, e desejam saber de tudo o que ocorre. Esse já era um comportamento pré-pandemia, mas que pode ser acentuado agora. “Há pessoas trabalhando compulsivamente, às vezes sem os líderes demandarem, porque é um momento de instabilidade, não se sabe o que vai acontecer. Existe o medo do desemprego por conta da pandemia e a instabilidade financeira. Com isso, pessoas querendo prestar serviço e dar muito mais do que é capaz e do que pode. Deixam de fazer atividade física, de cuidar da casa, e se doam intensamente para o trabalho. Por um período será ok, mas o corpo vai falar e a pessoa vai ficar doente”, relata. 

 

Além disso, a presidente da ABRH-PR declara que outro equívoco também é percebido nesse momento de pandemia. “Pessoas estão marcando reuniões desrespeitando o horário formal de trabalho. O pensamento é: ‘já que estamos em home office’… Isso ultrapassa a privacidade e exige do colaborador que ele esteja online às vezes desde muito cedo, e às vezes marcando reuniões até muito tarde. É preciso muito bom senso”, enfatiza. 

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Medo

 

Para o professor da Estácio Curitiba, Tito Lívio Ferreira Vieira, não adianta também temer a tecnologia. O cansaço com esta nova rotina pode ter um outro motivo: o medo. “Não é a questão do home office em si, mas o fator medo da pandemia. Não é o fator medo da ferramenta comunicativa, mas o medo como uma consequência da pandemia. E o medo mobiliza energias de fechamento psicológico. Na bioenergética, um dos ramos da psicologia, o medo é o oposto do amor. O amor é uma energia agregadora; enquanto o medo é desagregador, tanto em nível pessoal como social. Não podemos negar que as pessoas têm medo, inclusive de morrer, e isso não é uma fantasia. O fato de não saber do futuro e as incertezas geram mais tensão ainda do que a própria ferramenta mediadora”, ressalta.

 

Vieira considera a conexão pelo computador e pelo aparelho celular como um “mal necessário”. “Ela pode trazer benefícios nesse momento: se já está caótico com essas ferramentas de comunicação, imagine sem elas. O ser humano sempre começa abusando do que é novo e depois vai se organizando. Se não existisse, as pessoas estariam em pânico total”, afirma. 

 

Além disso, a tecnologia está ajudando a manter as pessoas mais próximas, mesmo que fisicamente distantes. “Não podemos demonizar as ferramentas. Já não dá para pensar mais no tamanho da nossa população e na sua complexidade sem essas ferramentas. A tensão em si não vem da ferramenta midiática, mas sim da situação como um todo”, opina o professor, enfatizando que são importantes esses contatos a distância, mas que eles não substituem o “olho no olho” e aquele cafezinho com um amigo, por exemplo.

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E como lidar com este efeito da pandemia, tendo cuidado com o excesso de reuniões online e videochamadas? 

 

De acordo com o professor, colocar limites e fazer outras atividades – longe das telas – torna-se essencial, mesmo com as dificuldades em realizar isso na prática. “Se já é difícil fazer atividade física normalmente, imagina uma situação como essa. É difícil se mobilizar para isto, mas seria um caminho, mesmo em casa”, sinaliza. Outras indicações de Vieira são a meditação; ouvir música; atividades como pintura e escultura; e a leitura. 

 

A presidente da ABRH-PR, Andréa Gauté, explica que é necessário olhar para “além” da matrícula de um funcionário. “Precisamos cuidar da saúde mental, cada um cuidar da sua saúde mental, da sua saúde física e social também. E é importante verificar como está a empatia: será que as pessoas prepararam as outras para o home office ou simplesmente entregaram um laptop ou um desktop e cada profissional foi para a sua casa trabalhar? Será que tem uma preocupação em saber como está a estrutura de casa, se tem tecnologia, cadeira que suporte, um cantinho para ficar sossegado? As pessoas podem reclamar de baixa produtividade, mas você já perguntou o que está acontecendo? É um momento que ninguém viveu: tentar ajudar para que o outro lado, para que os colaboradores tenham um mínimo de conforto”, reflete Andréa, lembrando que há trabalhadores, gestores e empresários também exercendo as suas funções tendo que acompanhar ao mesmo tempo as tarefas das escolas dos filhos e até mesmo dividir os computadores em função disto, por exemplo.

 

Ela também menciona que a tecnologia pode ser parceira de todos. Se uma pessoa não pode acompanhar uma reunião online, é possível gravar a mesma e posteriormente acompanhá-la. “É necessário trabalhar de forma mais colaborativa”, indica. 

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