Custo saúde

Em um cenário de crise sanitária mundial, discutir alternativas para redução do custo saúde é essencial para a sustentabilidade do sistema

Uma pesquisa feita pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) mostra que, só no estado paulista, as ações judiciais contra planos de saúde aumentaram mais de 631% no período entre 2011 e 2016. Os excessos em recorrer à justiça estão entre os fatores propulsores do custo saúde, em especial no caso brasileiro. As despesas médico-hospitalares per capita e o comportamento dos custos das operadoras de planos de saúde com consultas, exames, terapias e internações também influenciam diretamente na questão. Para combater o desperdício, é necessário investir em ações de saúde que são custo-efetivas, como atenção primária e racionalizar o uso do recurso (tratar o paciente certo, na hora certa, no local certo).

O relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), reforça o cenário preocupante e mostra que entre 2014 e 2016, o total de ações judiciais envolvendo a saúde teve incremento de 243%. Em 2016, foram 109,1 milhões de processos no total. Desse montante, cerca de 1,4 milhão são na área da saúde, ou seja, 1,5% de todos os processos em tramitação no judiciário no país. Já na saúde suplementar, estimativa da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) aponta que as despesas com ordens judiciais passaram de R$ 558 milhões, em 2013, para R$ 1,2 bilhão, em 2015. Ou seja, mais do que dobrou no período.

Conforme analisa Luiz Augusto Carneiro, superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), em um cenário de crise sanitária mundial surge o fenômeno conhecido como “medicalização da vida” e a judicialização das diferentes questões de saúde, com os mais diversos pedidos de acesso a medicamentos e terapias não-cobertos pelos planos de saúde ou sequer aprovados pelo órgão regulador no país, a Anvisa.

Segundo Carneiro, na saúde esse fenômeno traz custos adicionais a toda a coletividade, seja na saúde suplementar ou na pública, enquanto traz benefícios apenas para uma parcela pequena de indivíduos. “Quando a judicialização ocorre, há um impacto nocivo sobre os custos da assistência à saúde, com riscos para a coletividade de beneficiários e para o setor como um todo”, diz ele, que defende importância da judicialização sempre que o direito de alguém é violado. “No entanto, sabemos que há excesso de intervenções no setor de saúde. O litígio faz parte das relações em uma sociedade, mas o excesso de ações judiciais faz com que o direito individual seja colocado acima do direito coletivo, gerando prejuízos tanto para a sociedade quanto para o sistema de saúde”, ressaltou.

Segundo conta Denizar Vianna Araújo, professor associado da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a área acadêmica também tem dedicado bastante atenção para entender o fenômeno da judicialização, suas causas e determinantes, e auxiliar na busca por soluções que garantam o direito do indivíduo à saúde, mas que permita manter o atendimento da coletividade, isto é, a sustentabilidade do sistema de saúde, seja público ou suplementar.

“A judicialização compromete o planejamento das ações em saúde, pois a demanda judicial não era prevista e não estava contemplada no orçamento. Como o orçamento é finito, torna-se necessário retirar recurso de outra demanda de saúde para atender a judicialização”, reforça. Além disso, de acordo com Araújo, quando ocorre liminar e obrigatoriedade de ofertar a tecnologia demandada em curto espaço de tempo, é necessária a compra urgente do insumo, muitas vezes sem o desconto habitual das compras realizadas por meio de licitação, gerando um aumento de custos para os cofres governamentais ou para a operadora de plano de saúde. “A judicialização deveria ser exceção, mas virou regra para alguns tipos de tecnologia, por exemplo, na provisão de medicamentos para doenças raras”, analisa ele, lembrando que, em geral, os medicamentos de alto custo para tratamento de doenças raras e câncer são os mais requisitados em ações judiciais.

Como reduzir?

Ainda segundo Araújo, o custo saúde será sempre crescente em função do envelhecimento populacional e da incorporação de novas tecnologias. O que se deve fazer é combater o desperdício, investir em ações de saúde que são custo-efetivas, como atenção primária e racionalizar o uso do recurso (tratar o paciente certo, na hora certa, no local certo).
Por sua vez, Carneiro avalia que estamos em um momento fundamental para a compreensão dos fatores que têm influência direta no custo em saúde para que se crie ferramentas para a perenidade do setor. É fundamental compreender os problemas do modelo atual do sistema no país e suas deficiências estruturais que continuarão a impactar no equilíbrio econômico, financeiro e assistencial do setor. Fatores velhos conhecidos, como modelo de pagamento defasado que privilegia o desperdício, falta de melhor avaliação de custo efetividade para a incorporação de novas tecnologias e outras questões.

É necessário, portanto, um esforço em conjunto dos órgãos governamentais, como Ministérios da Saúde, Fazenda e Planejamento aliado à cadeia de saúde suplementar – agência reguladora, operadoras e prestadores de serviço – bem como dos profissionais de saúde e beneficiários de planos. A mudança no modelo assistencial é fundamental para garantir o melhor gerenciamento dos recursos disponíveis, privilegiando a qualidade e o desfecho clínico em vez de promover excesso de exames e procedimentos.

COMPOSIÇÃO DO CUSTO SAÚDE

Conforme explica Araújo, custo é definido como a quantificação dos recursos necessários para produzir um bem ou serviço. No caso da saúde, existe o custo direto que se refere aos recursos utilizados diretamente na assistência aos pacientes, por exemplo, custo dos honorários profissionais, insumos (medicamentos, exames complementares), hospitalização, etc. Há também o custo indireto que se caracteriza como o custo social da doença, como a perda de produtividade, morte prematura. “Conhecer o custo da saúde é fundamental para o planejamento das ações em saúde, tais como, promoção de saúde, rastreamento populacional, diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos, analisa o professor.

Carneiro explica que há o custo médico-hospitalar (CMH), que representa as despesas médico-hospitalares per capita de um grupo de beneficiários, da saúde pública ou suplementar, durante determinado período. Em outras palavras, isso significa quanto custa, em média, prover aos beneficiários os serviços de assistência à saúde cobertos pelo plano naquele período.

Já a VCMH/IESS, segundo Carneiro, capta o comportamento dos custos das operadoras de planos de saúde com consultas, exames, terapias e internações. O cálculo utiliza os dados de um conjunto de planos individuais de operadoras, e considera a frequência de utilização pelos beneficiários e o preço dos procedimentos, levando em conta os valores cobrados em todas as regiões do Brasil. “Dessa forma, se em determinado período os beneficiários usam, em média, mais os serviços e os preços médios aumentam, o custo apresenta uma variação maior do que isoladamente com cada um desses fatores”, analisa.

SISTEMA PÚBLICO X SUPLEMENTAR

De acordo com Carneiro, não existe diferença na composição do custo saúde nos sistemas público e suplementar, ambos são compostos pelos serviços prestados como internações, consultas e terapias. “O que existe são formas de modelo de pagamento a prestadores e de modelos de gestão”, diz. Por um lado, a saúde pública tem um modelo bem definido de Avaliação de Novas Tecnologias que possibilita verificar os custos benefícios de novas tecnologias a serem inseridas, além de possuir uma escala de compras que muitas vezes o setor privado não tem. Por outro lado, no sistema público, existem gastos que não cabem à saúde suplementar, como custos com a produção e o desenvolvimento de vacinas, com a vigilância sanitária, as zoonoses, entre outras coisas.

Por sua vez, Araújo analisa que há diferenças em alguns tipos de tributos praticados nas compras do setor público. “As práticas assistenciais são diferentes, o acesso a determinados serviços e tecnologias é diferente e o preço final de venda também difere. As próprias tabelas de reembolso dos serviços e insumos demonstram valores diferentes”, completa.