O impacto do novo coronavírus no transplante de órgãos

A pandemia de Covid-19 causa preocupação em diferentes setores da saúde. O impacto do novo coronavírus no transplante de órgãos já é sentido por hospitais e equipes que trabalham diretamente nesta área. O Paraná, que vinha apresentando bons índices de transplantes de órgãos no período pré-pandemia, segue com números diferenciados em relação ao restante no país, pelo menos nas estatísticas dos três primeiros meses deste ano.

Dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) divulgados em maio mostram que o Paraná manteve a liderança em doações de órgãos no primeiro trimestre de 2020. O número de doações por milhão de população (pmp) do Paraná chegou a 47,2 entre janeiro e março – um crescimento de 10,3% comparado com o último ano –, enquanto a média nacional no mesmo período é de 18,4 pmp. Ao todo foram 170 doações efetivas. Além disso, o estado também lidera o número de transplantes de rim no Brasil com 48,3 pmp. A média é de 29,0.

Os números trazem parte do reflexo da pandemia de Covid-19, que causou reflexos no Brasil especialmente a partir de março. Sobre o atual momento, relacionado ao novo coronavírus, o secretário de Saúde do Paraná, Beto Preto, declarou: “Pensando em evitar a paralisação dos serviços de transplantes e pensando na segurança dos receptores de órgãos e equipes de saúde envolvidas no processo, os potenciais doadores estão sendo testados para a Covid-19 no Paraná”.

Segundo ele, esta medida assegura que os transplantes possam acontecer com segurança. “Temos observado que muitos estados não conseguem testar grande parte da população e aqui no Paraná estamos conseguindo cada vez mais aumentar o número e a abrangência de testagem. O trabalho realizado pelo Sistema Estadual de Transplantes (SET/PR) é indispensável para que os procedimentos continuem sendo feitos com qualidade”, completou.

Leia também – Doação de órgãos: você já conversou sobre isto?

Leia também – Coronavírus: medidas que são adotadas pelos hospitais no atendimento e no combate à Covid-19

Mas há especialista alertando sobre os impactos do novo coronavírus na doação de órgãos no país. No Paraná, dados do Sistema Nacional de Transplantes (SNT) mostram que, no Paraná, apesar de não tido uma queda significativa nos doadores, caiu o número de transplantes (para todos os órgãos) entre março e abril. Enquanto no início de março eram feitos uma média de 12 a 15 transplantes por 10 milhões de população, no início de abril houve uma redução para menos de 5 transplantes por 10 milhões de população, com um aumento a partir da segunda semana do mesmo mês, para 10 transplantes por 10 milhões de população.

“Conseguir um órgão é um ato heróico; no cenário atual, os critérios para validação das doações e coleta dos órgãos ficaram mais difíceis. As equipes das Organizações de Procura de Órgãos não vão mais aos hospitais, realizando apenas abordagens telefônicas. No Brasil, o cenário de doação de órgãos teve uma melhora substancial nos últimos anos, chegando à marca de 60% de autorizações familiares em 2019. Em 2020, porém, o coronavírus impõe um panorama diferente. Certamente, com essa nova realidade, muitos pacientes irão falecer na fila de transplante, à espera de um órgão”, afirma Nertan Tefilli, responsável técnico pelo Serviço de Transplante Hepático do Hospital São Vicente, em Curitiba (PR).

Com a expansão da Covid-19, mais leitos de UTI estão sendo destinados exclusivamente para o tratamento da doença, o que representa um dos fatores complicadores para a concretização da doação. Segundo diretrizes da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, é desaconselhável que seja aceito para transplante órgãos de um doador que teve morte cerebral em uma UTI onde havia pacientes com Covid-19, pela chance de que o doador tenha contato com o vírus. Além disso, com a redução da malha aérea comercial, o transporte interestadual de órgãos para transplante foi bastante comprometido, sendo outro fator complicador. Por isso, torna-se tão importante que nos casos em que haja possibilidade de doação, exista a conscientização de que este ato de amor é, no cenário atual, ainda mais importante para salvar vidas.

O processo de doação de órgãos segue rígidos protocolos internacionais de segurança, e, a eles, foi adicionada a testagem para o novo coronavírus, sujeitando a mais uma espera para a concretização da doação. Todos esses trâmites precisam ser ágeis: quem já teve morte encefálica permanece com o coração batendo e órgãos vitais funcionando com auxílio de aparelhos e medicações. Porém, é um quadro de extrema instabilidade, com risco de parada cardíaca e inviabilização de todos os órgãos para transplante.

“É preciso que tenhamos a sabedoria de entender que transplantes de órgãos como coração, pulmão, fígado e rins não podem parar. Aos pacientes que seguem aguardando em lista, tenham a certeza de que a equipe médica considera caso a caso o risco da realização do transplante, e que a oportunidade de receber um órgão é ainda mais valiosa em tempos de pandemia, onde a escassez de doações pode retardar a oportunidade de uma nova vida”, afirma Nertan.

No caso dos transplantes de rim, há uma diferença a mais: desde o dia 11 de março, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou pandemia da infecção por Covid-19, houve orientação do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), bem como da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) de suspender os transplantes renais intervivos, mantendo apenas os transplantes dos doadores falecidos.

Como explicar o impacto do novo coronavírus no transplante de órgãos

Isto aconteceu no Paraná, conforme dados do SNT já apresentados nesta matéria. Por isto, o reflexo do novo coronavírus no transplante de órgãos mobiliza hospitais e outros agentes desta cadeia.

A causa deste cenário é múltipla: diminuição das atividades hospitalares (em relação aos atendimentos eletivos), isolamento social reduzindo acidentes de trânsito, pacientes possivelmente morrendo em casa por medo de ir ao hospital e falta de leitos em UTIs (UTIs exclusivas para Covid-19). A negação familiar também tem sido apontada como um fator importante, pois a recomendação do Ministério da Saúde, e apoiada pela ABTO, é de que todo potencial doador seja testado para Covid-19: em caso afirmativo, a doação não deve prosseguir. Só que o resultado dos exames tem demorado, no mínimo, 12 horas para sair, e muitas famílias não querem esperar esse tempo todo, para não retardar o velório e o funeral.

Outra situação são os pacientes que estão na fila de espera para um transplante, mas preferem não se submeter por medo de se exporem aos riscos dos imunossupressores, exposição hospitalar, da cirurgia.

“Por terem falência de um órgão já apresentam um status de imunodeficiência, e qualquer cirurgia também acaba sendo um risco em relação ao status imunológico e, no caso do transplante, ainda há a necessidade de imunossupressão. O que se deve fazer para minimizar o risco é a realização do exame excluindo a presença da Covid-19 no doador de múltiplos órgãos, não internar o paciente em ala aonde exista a Covid-19 (apesar de isso ser uma normativa do SNT/CET-PR), fazer avaliação pré-operatória bem detalhada excluindo tanto a possibilidade do contato e a presença da Covid-19 no próprio receptor (principalmente para o diagnóstico nos pacientes assintomáticos), tentar deixar a imunossupressão na menor dose possível e que controle a rejeição e o isolamento desse paciente tanto no hospital quanto for de alta hospitalar”, explica Luciana Percegona, chefe do Serviço de Nefrologia e Transplante Renal do Hospital São Vicente.

Lembrando que o transplante é uma decisão pessoal. “É importante que eles não tenham dúvidas da segurança de todo o processo. Lógico que se o risco de ficar com a insuficiência orgânica for maior que o risco do transplante nesse momento, isso deve ser explicado pela equipe médica ao paciente. Não há recomendação, pelas entidades de classe bem como Ministério da Saúde, nesse momento, em parar o transplante no Brasil. Os pacientes são avaliados caso a caso”, complementa.

2019

Segundo o levantamento anual realizado pela ABTO, o Paraná fechou o último ano como líder em transplantes de órgãos, além de ser o número um em transplante renal pelo quarto ano consecutivo. “O excelente desempenho do estado é reflexo primeiramente da solidariedade das famílias paranaenses em autorizar a doação de órgãos e tecidos dos seus entes queridos, e também da organização e estruturação do SET/PR, somados a constante capacitação dos profissionais de saúde que atuam no processo de doação e transplante em todas as regiões do Paraná”, disse a coordenadora do SET/PR, Arlene Terezinha Cagol Garcia Badoch. 

Para o desenvolvimento das atividades de doação de órgãos e tecidos para transplantes, o Paraná conta com uma Central de Transplantes localizada em Curitiba, quatro Organizações de Procura de Órgãos (OPO’s) localizadas em Curitiba, Cascavel, Londrina e Maringá e 67 Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante.

Integram também o SET/PR, 23 equipes de transplantes de órgãos, 25 centros transplantadores de córneas, três bancos de tecidos oculares e três laboratórios de histocompatibilidade, totalizando cerca de 700 profissionais envolvidos no processo.

A logística que envolve a captação e transporte de órgãos é outro fator que tem impactado nos bons resultados do Paraná. Atualmente, o SET/PR conta com quatro novos veículos para transporte terrestre, além das aeronaves do Governo do Estado que estão disponíveis e garantem agilidade. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e Batalhão de Polícia Militar de Operações Aéreas (BPMOA) também auxiliam neste processo. “A agilidade no transporte é fundamental, pois cada órgão tem um tempo máximo para ser transplantado no receptor após ser retirado do doador, um exemplo é o coração que tem no máximo quatro horas para ser transplantado”, explica Badoch.

SAIBA MAIS

Como ser doador – É bem simples: avise a sua família. Seus órgãos só poderão ser doados com autorização dos seus parentes mais próximos.

Quem pode doar – Qualquer pessoa, após a confirmação da morte e mediante autorização da família.

Quais órgãos podem ser doados – Coração, rins, pâncreas, pulmões, fígado e também tecidos, como: córneas, pele, ossos, valvas cardíacas e tendões. Ou seja, um doador pode ajudar muitas pessoas.

Doador falecido – Pacientes que foram diagnosticados em morte encefálica (ME), o que ocorre normalmente em decorrência de traumas/doenças neurológicas graves, podem ser doadores de órgãos e tecidos. Nos casos em que o falecimento decorre de parada cardiorrespiratória (PCR), podem ser doados tecidos.

Doador vivo – Qualquer pessoa saudável pode ser doadora em vida de um dos seus rins ou parte do fígado para um familiar próximo (até 4ª grau consanguíneo), porém quando a doação de um rim ou parte do fígado for para uma pessoa não aparentada é necessário autorização judicial.

Quem recebe os órgãos – Os órgãos doados são destinados a pacientes que necessitam de transplante e estão aguardando em uma lista única de espera. Esta lista é fiscalizada pelo Sistema Nacional de Transplantes do Ministério da Saúde e pelas Centrais Estaduais de Transplantes.

A seleção de um paciente que aguarda por um transplante, ocorre com base na gravidade de sua doença, tempo de espera em lista, tipo sanguíneo, compatibilidade anatômica com o órgão doado e outras informações médicas importantes. Todo o processo de seleção dos potenciais receptores é seguro, justo e transparente.

* Com informações das assessorias