A maioria dos países afetados pela pandemia da Covid-19 restringiu a continuidade das atividades da vida pública para controlar o contágio. Porém, alguns impactos das medidas de confinamento na saúde já vêm dando indícios. Diante disso, o docente do Programa de Mestrado e Doutorado em Fisioterapia da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), Luiz Hespanhol, e seu aluno de mestrado, Gustavo Yuki, participaram de uma pesquisa multinacional que investigou mudanças no bem-estar físico e mental das pessoas durante a primeira onda da pandemia. Participaram da pesquisa um total de 14.975 pessoas de 14 países, sendo eles Austrália, Áustria, Argentina, Brasil, Chile, França, Alemanha, Itália, Holanda, África do Sul, Cingapura, Suíça, Espanha, e os Estados Unidos.
A pesquisa foi realizada em três partes, sendo a primeira em uma escala Likert para avaliar o impacto geral das restrições da vida pública sobre o bem-estar mental e físico. Na segunda parte, o bem-estar mental foi avaliado por meio do questionário Índice de Bem-Estar da Organização Mundial da Saúde (OMS-5). Ele mediu retrospectivamente a concordância com cinco afirmações (sentir-se alegre e de bom humor, sentir-se calmo e relaxado, sentir-se ativo e vigoroso, acordar sentindo-se revigorado e relaxado, ter uma vida diária repleta de coisas de interesse).
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Já na terceira parte, o bem-estar físico foi medido usando a subescala de dor corporal do questionário SF-36 (SF-36 BPS). O instrumento faz duas perguntas que avaliam a dor musculoesquelética (escala Likert de 6 pontos de “nenhuma” a “muito grave”) e a incapacidade (escala Likert de 5 pontos de “nada” a “extrema”).
As mudanças no bem-estar mental, na escala Likert, apontaram que 73,0% dos participantes relataram redução no bem-estar mental geral, embora uma melhora tenha sido indicada por 14,2%. Já em relação a mudança no bem-estar físico, quase dois terços (64,2%) dos participantes relataram uma redução, e em contrapartida, 20,0% dos indivíduos pesquisados indicaram uma melhora.
Em relação aos itens individuais do SF-36 BPS na avaliação do bem-estar físico, as reduções de pontuação foram maiores para dor musculoesquelética (−7,1%) do que para incapacidade (−3,8%). A prevalência de dor aumentou em todas as localizações do corpo com os maiores incrementos na região da coluna lombar (+8,4%), pescoço (+8,1%) e coluna torácica (+5,3%). Diminuições clinicamente relevantes no bem-estar físico foram mais acentuadas no sexo feminino, nos países com maiores níveis de restrições à vida pública, e nos adultos mais jovens.
Análise da Pesquisa
Esta foi a primeira investigação multinacional e em grande escala do bem-estar físico e mental durante a primeira onda da pandemia do coronavírus. Embora as estratégias de confinamento serem benéficas para conter a disseminação do vírus, elas podem acarretar uma série de consequências adversas à saúde.
Mais notavelmente, o número de indivíduos em risco de depressão triplicou durante a pandemia. Quase metade da amostra do estudo em questão alcançou o limiar de triagem para depressão durante a pandemia. As reduções no bem-estar mental, observadas em 14 países, validam e expandem os achados disponíveis de outras pandemias.
As consequências foram menores para o bem-estar físico do que mental. No entanto, uma consideração cuidadosa ainda é necessária ao se tentar interpretar as diminuições aparentemente baixas na saúde física.
Os resultados do estudo representam uma chamada à ação para provedores de saúde e formuladores de políticas públicas de saúde. O bem-estar mental prejudicado pode aumentar não apenas a chance de depressão, mas também o risco de mortalidade.
Isso destaca a importância de reconhecer as consequências negativas para a saúde mental durante os confinamentos relacionados à pandemia. Os resultados do estudo se alinham com outras evidências científicas que demonstram uma maior suscetibilidade à depressão nas mulheres.
Por fim, a pesquisa fornece fortes indícios de uma diminuição subjetiva do bem-estar na grande maioria dos participantes. No entanto, é interessante notar que uma proporção substancial também apresentou melhorias: um em cada sete indivíduos relatou melhora na saúde mental e um em cada cinco relatou melhora na saúde física.
As possíveis razões para esses resultados podem incluir uma variedade de fatores, como maior quantidade de tempo gasto com a família, maior autonomia nas tarefas, redução das viagens relacionadas ao trabalho, ou reavaliação das prioridades pessoais de saúde que podem ter ocorrido durante o período de restrições sociais associadas à pandemia da Covid-19.
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