O caos visto em Manaus (AM), entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, tem pelo menos uma explicação: uma nova variante do coronavírus. Isto levou a um número elevado de casos, gerando um colapso no sistema de saúde. Mas a situação não para por aí. Com a sua disseminação para outras regiões do país, a nova variante do coronavírus preocupa por suas possíveis características de maior transmissibilidade, de “burlar” o sistema imune que já tem proteção à variante anterior, ou ainda de causar infecções mais graves.
Para evitar que ela cause um estrago ainda maior, autoridades de saúde e a própria população precisam estar preparadas. “Tudo o que fazemos hoje pode não ser suficiente para manter o controle”, alerta o médico infectologista Bernardo Montesanti Machado de Almeida, que atua no serviço de epidemiologia do Hospital de Clínicas, vinculado à Universidade Federal do Paraná (UFPR).
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Ele explica que ainda não é possível determinar quais as características da nova variante do coronavírus encontrada no Amazonas. Em função do que aconteceu em Manaus, estima-se que, pelo menos, ela possa driblar o sistema imune das pessoas que já haviam adquirido resistência ao coronavírus.
Isto porque Manaus já tinha registrado um grande número de casos de Covid-19 no ano passado, quando pelo menos 75% da população teve a doença ou contato com o vírus. De acordo com Almeida, provavelmente a capital amazonense havia atingido a chamada imunidade de rebanho, ou seja, uma imunidade coletiva.
“(A primeira onda) em Manaus foi tão intensa que provavelmente a população atingiu imunidade de rebanho e voltou a ter vida normal. Isso é evidente pelos dados de mobilidade. Em agosto, a mobilidade na cidade já havia normalizado, comparado ao período pré-pandemia. Depois, até mesmo houve aumento desta mobilidade e o vírus não tinha ‘ressurgido’. E todos estavam confiantes de que isso não seria mais um problema no local. Até que apareceu uma nova variante, que mudou o equilíbrio que se tinha anteriormente”, explica.
O médico infectologista ressalta que a nova variante do coronavírus encontrada em Manaus também pode ser mais transmissível e gerar infecções mais graves. No entanto, isto ainda é uma incógnita em função da pouca quantidade de sequenciamento genético nas amostras coletadas de pacientes no país. Situação diferente da Inglaterra, onde há um sequenciamento de rotina. Por isso, já existem evidências mais fortes de que a nova variante do coronavírus encontrada na Inglaterra seja mais transmissível e também mais grave.
A variante identificada na África do Sul, neste momento, indica a capacidade de escapar do sistema imune. “Nesse caso, pessoas infectadas pela cepa anterior podem se reinfectar com esta nova variante. Ainda não está claro se esta cepa é de maior transmissibilidade, mas pode ser que sim. Fato é que ainda não temos tantas evidências, a exemplo da britânica”, afirma.
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Por que a nova variante do coronavírus preocupa?
Em função das características que as novas variantes têm e da falta de dados, o monitoramento sobre o comportamento destas “novas versões” do coronavírus fica prejudicada. Com isto, há um maior risco de comprometimento do sistema de saúde ou de mais casos entre a população.
Para Almeida, o que aconteceu em Manaus e até mesmo na Europa – onde vários países já adotaram mais medidas restritivas em 2021 -, deve servir de lição para as autoridades de saúde e para a própria população. “No Brasil, cronificamos a dinâmica epidemiológica. Alguns locais conseguiram atrasar a entrada do vírus, mas não conseguimos reduzir de forma significativa, como a Europa fez em um primeiro momento. Aqui, fica entre altos e baixos, em uma situação muito influenciada pela taxa de ocupação hospitalar, buscando evitar o colapso do sistema de saúde”, analisa.
O infectologista acredita ser essencial reforçar o sistema de vigilância epidemiológica no Brasil e monitorar de forma mais precisa possível todas as variáveis e fatores relacionados à transmissibilidade do vírus. Tudo para não ser pego de surpresa. “Para não perceber que o problema existe somente depois do colapso do sistema de saúde. Isso deve ser feito em tempo real e integrado, que municípios e estados se conversem, para avaliar essa dinâmica e de certa forma monitorar o trânsito das pessoas, se possível”, indica.
Almeida sugere, por exemplo, uma política de testes em viajantes em deslocamentos internos, como acontece com viagens ao exterior. Ou mesmo uma proposta de quarentena para este público. “Essa possibilidade nem mesmo foi discutida. Isso nos deixa vulneráveis, para surgimento de novas cepas. Além de percebê-las de forma tardia, deixando não só o Brasil, mas todo o mundo frágeis”, comenta.
O médico lembra que a nova variante do coronavírus encontrada em Manaus ainda não se disseminou pelo país, mas isso vai acontecendo aos poucos. E isso pode entrar em “colisão” com a “tolerância” atual da circulação, com as características de transmissibilidade existentes hoje.
“Se for uma variante mais transmissível, essa lógica que conhecemos hoje vai mudar. Se continuarmos na mesma linha de prevenção que estamos agora, com cepa mais transmissível, o que estamos fazendo hoje não será suficiente para manter o controle, pelo menos dos internamentos e da capacidade do sistema de saúde. Até verificar se são necessárias mais medidas restritivas, como a Europa fez”, aponta Almeida.
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