No último ano, o mundo se dividiu em discussões sobre a solução para o combate a pandemia. A existência ou não de tratamento precoce, a eficácia ou não do lockdown, medidas assertivas ou não dos governantes. O fato é, que o Brasil supera 11 milhões de casos e mais de 270 mil mortes por conta da Covid-19.
Os brasileiros que estão conseguindo vencer o vírus, acabam com sequelas permanentes irreversíveis. É o caso da dentista, e idealizadora do Projeto Com.Vida, Raquel Trevisi, que teve Covid-19 de forma grave, necessitando de 30 dias de internação e 20 dias de UTI. “Tive 85% de comprometimento nos pulmões, duas intubações, trombose no braço e perna, infeção no sangue. Tive alta hospitalar apenas movimentando o pescoço, posso até dizer que saí com um quadro de tetraplegia temporária”, relembra.
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Presenciando e sentindo os custos de arcar com as sequelas deixadas pela Covid, e nada sendo falado a respeito, em nenhuma cidade, Raquel criou o Projeto Com.Vida, onde diversos voluntários “adotam” pacientes que saem de hospitais públicos para o tratamento pós hospitalização. “No projeto fornecemos todos os atendimentos que o paciente necessita, como fisioterapia, fonoaudiólogo, psicólogo, médico, enfermeiro, nutricionista, medicamentos, exames, tudo sem custos e de forma voluntária”, enaltece.
A ideia de Raquel veio após presenciar a desassistência de muitas pessoas, por não terem condições financeiras para a plena recuperação. “Desde que estava internada na UTI, em estado grave, pensava sobre os tratamentos após alta. E a partir de uma conversa com a chefe de enfermagem da UTI, em casa, a questionei e constatei que muitas pessoas realmente não recebem a assistência necessária pós Covid”, reforça. Com o projeto não são apenas os pacientes ajudados, mas sim as famílias. “Pois uma situação como essa adoece a família inteira, desestabiliza e desestrutura a todos. Hoje já temos 12 famílias adotadas”, pontua.
A psicóloga clínica Luciana Deutscher é uma das voluntárias do Projeto Com.Vida. Segundo ela, é uma oportunidade de poder contribuir com a saúde emocional de cada paciente assistido e de seus familiares, pois as sequelas psicológicas e neurológicas são bem significativas. “O sistema de saúde está muito esgotado, e nem sempre o paciente consegue o atendimento de uma psicóloga logo após a alta. E a espera se torna muito desgastante”, reforça. “Existem estudos em universidades de renome no Brasil, onde estão observando que as sequelas neurológicas vão acarretar sequelas emocionais e psicológicas, e já temos pacientes que estão apresentando síndrome do pânico, alucinações, perda de memória recente, dificuldade de concentração para leitura, cálculo e dificuldade na escrita, não apenas motora como a lembrança de como se escreve as palavras”, conta Luciana.
Um dos grandes desafios, segundo Luciana, é conseguir atender os pacientes e diferenciar aqueles sintomas e angústias que faziam parte do histórico anterior a Covid, e o que foi desenvolvido pela doença em si. “No Projeto Com.Vida oferecemos a orientação psicológica, que consiste no apoio e acompanhamento pós Covid, por meio de vários profissionais de diferentes linhas terapêuticas”, explica Luciana.
Esse trabalho de orientação, já é uma das linhas que Luciana exerce em seu consultório, principalmente o apoio aos pacientes que necessitam realizar uma cirurgia de grande porte, desafios profissionais, entre outros. “Com a Covid não é diferente, pois o paciente passa a ter uma mudança radical na vida, alguns ficam meses no hospital, outros intubados, e quando retornam às suas casas, a realidade é outra, e a vida não é mais a mesma que ele tinha. O medo se torna presente, as dificuldades motoras, respiratórias, de fala e as adaptações em todos os sentidos”, ressalta. Com isso, segundo Luciana, a orientação psicológica é fundamental. “É uma readaptação de vida e um novo aprendizado”, salienta.
Para Raquel, a dor da Covid é dobrada. Além de ficar internada e ter inúmeras sequelas, a dentista também perdeu o pai em janeiro desse ano. “Consigo então, pela dor, enxergar os dois lados. O lado de quem passa pela forma grave de luta para viver, e daquele que sofre a angústia em ver a pessoa que ama em uma luta constante e a perda de um ente querido”, desabafa. “A Covid é algo inimaginável. Somente quem passa por essa doença, e dessa forma sabe a angústia e sofrimento. O quão é preciso, além de todo respaldo para recuperação, o acolhimento, amor e esperança de que um dia tudo ficará bem”, reforça Raquel.
O protocolo de atendimento psicológico dos pacientes do Projeto Com.Vida foi realizado pela psicóloga Luciana Deutscher, no qual é realizado um primeiro contato telefônico para saber as principais queixas e comparadas com a ficha de anamnese feita pela equipe médica e de enfermagem, bem como a descrição e parecer a respeito das sequelas apresentadas.
Os atendimentos são realizados semanalmente em uma sessão de 50 minutos, respeitando a exaustão do paciente, o nível de ansiedade e estresse. “É fundamental que o paciente esteja disposto a ser ajudado”, reforça Luciana. “Tomamos cuidado para que ao agendamento seja realizado em datas alternativas, que não coincidam com outros tratamentos, como de fisioterapia e fonoaudiologia. O paciente pós covid tem a necessidade do acolhimento, precisamos, enquanto profissionais da saúde, estarmos dispostos a ouvir cada paciente”, finaliza Luciana.
Para os interessados no atendimento do Projeto Com.Vida, ou em ser voluntário dessas ações, as informações para adesão estão na página do instagram da Raquel Trevisi (@raqueltrevisi). Para informações e atendimento da Luciana Deutscher basta acessar o site .
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