Segundo os últimos dados disponíveis da UNICEF, globalmente, pelo menos uma em cada sete crianças foi diretamente afetada por lockdowns, enquanto mais de 1,6 bilhão de crianças sofreram alguma perda relacionada à educação. A ruptura com as rotinas, a educação, a recreação e a preocupação com a renda familiar e com a saúde estão deixando muitos jovens com medo, irritados e preocupados com seu futuro. Agora, existe a preocupação se os medos da infância podem se tornar um problema.
Uma pesquisa online na China, no início de 2020, citada no relatório Situação Mundial da Infância 2021, indicou que cerca de um terço dos entrevistados relatou sentir medo ou ansiedade. “A grande armadilha do sofrimento dos jovens é entender o que se passa dentro deles, principalmente crianças que, muitas vezes, não conseguem verbalizar o que sentem. Enquanto há casos em que é perceptível algum tipo de transtorno, em muitos outros a dor é silenciosa. Daí a importância de ficar atento a pequenos sinais, gestos, posturas e expressões”, diz Danielle H. Admoni, psiquiatra da Infância e Adolescência na Escola Paulista de Medicina UNIFESP e especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).
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Segundo a psiquiatra, é natural que a criança se assuste com coisas que nunca teve contato antes ou que ainda não compreende. Além disso, são medos diferentes dos adultos. “Enquanto nós, geralmente, tememos situações reais, a criança mistura o real com o fantasioso. Não à toa, a saúde mental dos pequenos foi muito afetada na pandemia, afinal, se foi (e ainda é) pavoroso para nós, imagine o que é para uma criança entender ‘como um bichinho que nem dá para ver’ conseguiu fazer esse estrago no mundo todo”, pontua Danielle.
Quando o medo vira sinal de alerta
Se os medos da infância podem se tornar um problema mobilizar a família, a especialista lembra que, até certo ponto, o medo é útil para a criança. É uma proteção instintiva que a permite decidir se pode enfrentar uma determinada situação ou fugir dela. Com o tempo e o desenvolvimento, a criança vai aprendendo a discernir quais medos são reais e o que pode ser uma ameaça ou não. Entretanto, em alguns casos, o medo infantil pode se tornar excessivo e até patológico. Segundo a psiquiatra, a distinção entre medo “normal” e medo “patológico” é muito importante para evitar interferências no desenvolvimento da criança e repercussões na vida adulta.
De acordo com Danielle, o medo patológico deve ser considerado quando há os seguintes fatores: Medo intenso e desproporcional ao risco real; Medo que não corresponde à idade da criança; Medo de coisas que fogem do comum e que não há histórico para justificar (exemplo: objeto ou situação temidos são evitados ou enfrentados com grande angústia); Medo invasivo (exemplo: medo que interfere na alimentação, no sono, nas atividades diárias ou no desenvolvimento psicológico e/ou funcional); Medo que não cede a manobras de distração ou tranquilização.
A médica ainda cita os fatores: Preocupação e ansiedade persistentes (duração superior a 6 meses); Medo associado a: tremores, batimentos cardíacos acelerados, respiração ofegante, tonturas, irritabilidade, choro inconsolável, entre outros; Comportamentos regressivos/imaturos (exemplo: criança que volta a usar a chupeta ou a mamadeira, tendo abandonado o hábito há muito tempo, ou que demanda novamente o uso da fralda); Comportamentos obsessivos e/ou compulsivos (exemplo: criança com necessidade de verificar, de forma repetitiva, se portas ou janelas estão fechadas).
(Foto de Anastasia Shuraeva no Pexels)
A psiquiatra avisa que quadros deste tipo podem acometer cerca de 10 a 30% das crianças. “Na pandemia, por não conseguirem lidar com o medo, muitas apresentaram alguns destes sinais. Podemos entender como casos pontuais, mas que precisam de observação e cuidados do mesmo jeito”, alerta.
Como a linha que separa o medo da fobia é diferente para cada criança, a principal forma de distinguir um medo extremo ou fantasioso de um medo real é pela observação do comportamento da criança. A especialista indica que mudanças bruscas podem apontar que a ajuda é necessária. Isto pode ser percebido se o medo está atrapalhando a rotina, se a criança está se isolando ou evitando situações novas, por exemplo.
Pais que identificarem esses sinais devem buscar ajuda imediatamente. Especialistas irão adentrar no mundo particular da criança, identificando o que precisa ser trabalhado. As famílias também se beneficiam com a terapia, pois saberão como agir em casa e em outros ambientes. “É fundamental trabalhar os medos incomuns. Caso contrário, a criança pode desenvolver fobias e transtornos que deixarão marcas indeléveis na vida adulta”, diz Danielle.
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p class=”ql-align-center”>Especialista dá dicas para evitar que os medos da infância se tornem um problema
O medo infantil se modifica a cada fase da vida da criança. Para evitar que os temores comuns se transformem em quadros mais sérios, Danielle Admoni listou dicas de como lidar com estes momentos:
Até 03 anos
Nesta fase, especialmente entre 02 e 03 anos, as crianças estão aprendendo a lidar melhor com suas emoções, mas costumam se assustar com escuro, barulhos estranhos, luzes fortes e pessoas fantasiadas. “Como a fantasia começa a fazer parte da vida dos pequenos, eles acabam estranhando palhaços, Papai Noel e pessoas fantasiadas de personagens”.
Como ajudar: sinta como a criança reage a lugares com estímulos intensos, muito barulho e muita movimentação. Se notar desconforto ou até ansiedade, comece a leva-la a ambientes mais tranquilos e passe para os mais agitados de forma gradativa. Diante de personagens fantasiados, mostre à criança que por trás da roupa, há uma pessoa comum, como qualquer outra. Se persistir o medo, não force a interação.
Entre 03 e 04 anos
Quando a criança começa a aprender mais sobre o mundo, a lista de medos tende a crescer, sendo alguns reais e outros imaginários. Aos quatro anos, ela pode tanto ter medo da perda do seu cachorro como temer fantasmas, dragões e criaturas sobrenaturais. Também é uma fase de repetição dos pais. Quando ela vê a mãe ou o pai reagir com medo de alguma coisa, ela entende que também deve ter medo daquilo.
Como ajudar: os pais devem orientar seus filhos sobre o que pode ser perigoso ou não. Use o bom senso para não confundir ainda mais a criança e acabar gerando (ou aumentando) a ansiedade. “Por exemplo, dizer coisas como ‘você já é grandinho para ter medo disso’ pode afetar sua confiança e o desmotivar a compartilhar seus sentimentos com os pais”, ressalta Danielle Admoni.
Entre 05 e 06 anos
Esta é a fase em que as crianças ainda não compreendem situações de causa e efeito, como vento, chuva e trovões. Também temem separação, morte e ferimentos.
Como ajudar: explique o conceito da morte de maneira delicada, mas verdadeira. Permita que a criança se expresse e exponha seus medos. Explique como eventos naturais acontecem, para que ela compreenda que são fatos da vida.
Entre 07 e 10 anos
Os medos principais englobam ser castigado pelos pais e não ser aceito pelos amigos. Também há receio de enfrentar situações novas sem a presença dos pais.
Como ajudar: explique a importância de estabelecer regras para que não haja desentendimentos entre você e a criança. Destaque a necessidade do diálogo para resolver conflitos e se mostre aberto sempre que ela quiser conversar.
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