Junho Vermelho: Doar sangue é ato humano e deve ser realizado o ano todo

Mais do que um ato de cidadania, a doação de sangue representa uma necessidade social que deve ser constantemente repensada e refletida por todos, globalmente. Simbolizando altruísmo e benevolência, se resume em uma ação que reflete ética e responsabilidade individuais e coletivas.

O círculo virtuoso da doação de sangue gera satisfação pessoal, sensação de utilidade, bem-estar social, dever cumprido, aumento de autoestima, reconhecimento, evolução emocional, entre muitas outras oportunidades de bem-estar psíquico. E torna-se muito frágil diante das mais variadas interferências, tanto externas (como clima, período de férias, pandemias, crises sociais e econômicas), quanto internas (revoltas temporárias, perdas, compromissos inadiáveis ou adiáveis, astenia, entre outras).

Porém, tal necessidade existe sempre, constantemente, imensamente e intensamente, e o contingente de pessoas impelidas a doar, tão necessário, se mostra insuficiente, globalmente e localmente. São recorrentes e verídicas as informações de que os estoques de sangue de qualquer hemocentro estejam abaixo do ideal ou até do mínimo necessário para garantir a sobrevivência de pacientes em situações de necessidade transfusional, tanto agudas (como traumas, acidentes, cirurgias, sangramentos), quanto dos que dependem de transfusões regulares para sobreviver, como anêmicos, talassêmicos, falciformes, aplásicos, displásicos, oncológicos, dentre outros.

Mas vamos deixar de apontar os já saturados argumentos que corroboram a necessidade de um maior contingente de doadores de sangue para refletir sobre o doador ideal, ou “o melhor” doador, para se garantir quantitativamente esse recurso de tratamento, até o momento, indissociável do ser humano, como fonte de matéria-prima e como compromisso consigo mesmo e com a sociedade em que está inserido.

Infelizmente, tanto no Brasil como na maioria dos países, grande parte dos doadores são recrutados como repositores de sangue, utilizados por familiares ou amigos, quando agentes do Serviço de Hemoterapia utilizam o recurso de abordá-los para se recompor o estoque utilizado, logicamente pleiteando um número suficiente para suprir um balanço positivo em virtude da provável ineficiência de resultados em grande parte dessas abordagens. Esse tipo de ferramenta, apesar de necessária, é insuficiente, por não resultar em quantidade adequada e, principalmente, por não contemplar pacientes agudos, acidentados, óbitos em pouco tempo de internação etc. quando as transfusões já foram realizadas, além de que esses doadores não são necessariamente voluntários, mas impelidos por uma necessidade nem sempre concordante com o princípio da benevolência. Em outras palavras, são doadores por obrigação ou até por coação.

Outro tipo de contingente de doadores são os voluntários por imposição. Não só parece uma situação antagônica, como o é! Muito mais utilizada até há pouco tempo, mas ainda preocupante, são representados por patrões, superiores hierárquicos, provedores etc., que impõem tal condição, muitas vezes para ganhos indiretos ou para se evitar perdas diretas. Logicamente, um despropósito que deve ser combatido e denunciado. Essa última situação, igualmente à anterior, pode comprometer a qualidade do sangue doado, pois o doador, na obrigação ou na condição de não poder se esquivar, pode suprimir informações extremamente importantes para a qualificação e segurança do sangue.

Assim, chegamos ao doador ideal. Aquele que detém as características de vontade incondicional de ajudar uma pessoa desconhecida, pelo simples fato de ajudar. Aquele que se sente na obrigação de tornar esse ato constante, periódico, perene! Aquele que sempre está pronto e estimulado a ceder um pouco do seu tempo para se doar, simplesmente! É nesse intuito que surgem, antes temporariamente, agora mais constantemente, as campanhas de doação de sangue nas mídias de largo alcance e nas redes sociais e corporativas. A identificação, a conscientização e a percepção induzidas por essas campanhas para despertar potenciais doadores latentes vêm conquistando resultados surpreendentes, principalmente entre jovens com essa vontade, específica ou não, ainda em ritmo de espera… É o que estamos observando nos nossos contingentes de doadores, por meio do aumento progressivo dos doadores voluntários. Mas, como dito anteriormente, esse trabalho deve ser constante e perene.

(Foto: Matheus Campos)

* José Francisco Comenalli Marques Júnior é hematologista do Vera Cruz Hospital e atual vice-presidente da ABHH (Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e Terapia Celular)

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