Os cerca de 4 mil brasileiros que se submetem a um transplante de medula óssea por ano estão no início de uma longa jornada. O pós-transplante é um processo delicado, em que hábitos do dia a dia precisam ser reformulados. Essa fase da vida do transplantado de medula óssea, com cuidados que devem ser tomados por ele, por seus cuidadores e pela equipe de saúde que o atende, foi tema de uma dissertação do Mestrado Profissional em Enfermagem da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
O trabalho, que sugere vídeos educativos para o paciente, as pessoas no seu entorno e os profissionais de saúde, foi premiado pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) durante o 22º Congresso Brasileiro dos Conselhos de Enfermagem (CBCEnf), ocorrido em novembro de 2019.
Durante a dissertação, foram criados 15 vídeos, disponibilizados na internet, com orientações fundamentadas em literatura científica. São recomendações centradas na situação de vulnerabilidade imunológica com que o transplantado precisa lidar depois da alta: como limpar a casa, escovar os dentes e organizar os medicamentos.
A ideia da pesquisadora, a enfermeira Ana Paula Lima, foi atualizar o material impresso com orientações usado pela equipe multidisciplinar do Serviço de Transplantação de Medula Óssea (STMO) do Hospital de Clínicas (HC) da UFPR, em Curitiba, onde ela atua desde o início da carreira. Pelo serviço, que é referência nacional por ter feito o primeiro transplante de medula do Brasil, já passaram 2,8 mil transplantados desde 1979. “Senti a necessidade de utilizar algum material de apoio mais dinâmico do que o material impresso que utilizávamos no setor”, conta a pesquisadora, que defendeu a dissertação em 2018.
Pesquisa
Para garantir a qualidade das informações em cada animação, Ana Paula foi além da revisão bibliográfica, buscando o ponto de vista de profissionais da área, que informaram as situações e dúvidas mais recorrentes no dia a dia. O conteúdo abrange situações específicas, como a Doença do Enxerto contra o Hospedeiro (DECH), em que as células da medula recebida atacam o organismo por considerá-lo “inimigo”, e o uso de cateter de Hickman, usado para facilitar a coleta de sangue frequente e a administração de certos medicamentos e hemocomponentes, como sangue e plaquetas.
O material ajuda a minimizar uma preocupação das equipes, que decorre da alta do paciente depois do transplante, que é quando eles saem de uma assistência de saúde constante para o cuidado ambulatorial, com consultas marcadas. Nessa fase, o transplantado divide a responsabilidade pelos seus cuidados com a equipe do ambulatório.
Nesse sentido, a dissertação ajuda na chamada “alta responsável” – na qual os pacientes são conscientizados sobre os cuidados necessários após a alta -, prevista na Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHosp) do Sistema Único de Saúde (SUS).
“Surgem inúmeras dúvidas devido ao volume de informações que passamos a eles. Algumas vezes acontecem falhas de comunicação que geram alguns equívocos. Mas, acredito que o que mais contribui para a reinternação dos pacientes é quando eles apresentam pouca instrução. Nesses casos a orientação sobre os cuidados após a alta deve ser muito cuidadosa e individualizada. Os ‘mitos’ surgem de conversas com outros pacientes ou até mesmo de consultas a informações sem procedência na internet”, conta Ana Paula.
YouTube
Os vídeos já estão disponíveis no canal “Uma nova chance TMO” no YouTube. O processo de elaboração deles é descrito na dissertação: as animações foram criadas por meio do aplicativo “Animaker” e de narração, escolhas que significaram um custo bastante baixo de produção. Segundo a dissertação, o custo total dos 15 vídeos foi de R$ 503,22, ou seja, R$ 33,54 por vídeo.
A professora Letícia Pontes, do Departamento de Enfermagem da UFPR, que orientou o trabalho, avalia que as recomendações levantadas por ele, assim como o material didático produzido, devem servir de referência para outros centros de transplante brasileiros – não só pelo referencial do STMO do HC, mas também por suprir uma lacuna bibliográfica.
Isso porque uma situação particular que mostra a relevância da dissertação é a escassez de literatura científica em vários cuidados e fases do pós-transplante de medula. “Nessa modalidade terapêutica [transplante de medula], ainda que utilizada cada vez mais em todo o mundo, o número de profissionais especializados é pequeno em relação à demanda dos centros transplantadores, especialmente na área de enfermagem. Acreditamos que isso possa ser um fator limitador, mas, com o aumento de profissionais envolvidos nesse processo, a produção científica na área terá expansão”, avalia.
A dissertação “Alta responsável: tecnologia educacional para pacientes e cuidadores”, de Ana Paula Lima, pode ser conferida clicando aqui.