O Saúde Debate, ao longo de 2022, publicou uma série de informações importantes sobre o tratamento do alcoolismo (as matérias estão no final do texto). Isso inclui o conhecimento sobre a estrutura pública de atendimento a esses pacientes e como funcionam os Caps – Centros de Atenção Psicossocial. A coordenadora do setor de Saúde Mental da Secretaria de Saúde de Curitiba (PR), Cristiane Rasera, revelou os detalhes de como funcionam os Caps e o tratamento do alcoolismo na rede pública.
De acordo com ela, a principal porta de entrada para esses atendimentos são as unidades básicas de saúde. As equipes de atenção primária fazem avaliações sobre a situação do paciente para o encaminhamento mais adequado. Em muitas vezes, quem precisa de tratamento é levado às unidades pelas famílias. Ou até mesmo os parentes são os primeiros a buscar ajuda para orientações.
“Por vezes, o próprio usuário não se dá conta de que ele está com uma dificuldade de lidar com o uso de álcool. E, em geral, o que a gente vê muito na atenção primária é a família buscando essa ajuda. A unidade de saúde se torna a principal porta de entrada, que fica mais próxima ao acesso onde a pessoa reside. A unidade de saúde sempre vai ser essa primeira porta de entrada, até para que se possa avaliar todo o quadro. A partir dali, os profissionais da unidade que vão observar qual é esse grau de dependência: se é um uso mais inicial e, às vezes, uma orientação e uma abordagem inicial já auxiliaria; se é um abuso de substância que já coloca a pessoa em risco; se é uma dependência química”, explica.
No caso da dependência química, é necessário um suporte maior para o tratamento, segundo Cristiane. Este é um cenário de abstinência e questões graves de saúde associadas, com a necessidade de acompanhamento multidisciplinar. “Quando a unidade de saúde observa que é um caso mais grave, o paciente pode ser encaminhado para o Caps, que realmente é o local para esses casos mais agravados e mais crônicos do uso de substância”, indica.
E como funcionam os Caps após o encaminhamento? Cristiane Rasera que o paciente passa por uma nova avaliação, para saber se é possível fazer uma desintoxicação em um leito do próprio Caps. Caso seja um quadro de maior urgência, com um paciente com uso bastante abusivo de álcool, o tratamento pode incluir estabilização psiquiátrica ou internamento hospitalar.
“O álcool é uma droga socialmente aceita e, desta forma, muito mais fácil de ser encontrada. Por vezes, a pessoa não consegue identificar que o problema com o uso abusivo, se torna agressiva em algumas situações e até mesmo se expõe a situações de risco, como beber e dirigir ou ainda brigas”, explica a especialista sobre a necessidade de uma intervenção mais contundente, dependendo do caso.
Como funcionam os Caps em Curitiba
Em Curitiba existem 10 caps para atendimento adulto – sendo seis deles com leitos – e três infantis. “Se percebemos que há situação mais agravada que ele, por todo o contexto social que este usuário está inserido, então a sugestão é para que ele fique no leito de caps. Mas todos os dez territórios de Curitiba têm Caps adulto, que trabalham as questões de álcool e outras substâncias também’, conta Cristiane.
A partir do momento de acolhimento no Caps, o paciente conta com um terapeuta de referência. Esse profissional será o responsável para verificar as necessidades de quem passa pelo tratamento, rotina de atendimento individualizado e atividades terapêuticas. As indicações vão depender da gravidade e da vinculação do paciente ao serviço.
“Muitas vezes, por mais que a gente indique que um atendimento diário, o paciente ainda não está muito sensibilizado para esse tratamento. Então, inicialmente são oferecidas algumas atividades e propostas de tratamento para ele, que é o que a gente chama de PTS: plano terapêutico singular. Cada usuário do serviço terá um plano terapêutico específico, que vai depender do contexto social onde ele vive, das situações clínicas que possui, do uso da substância e como isso está envolvido em todos os cenários da sua vida. Cada paciente conta com um plano diferenciado, mas que compõe atividades individualizadas e ofertas terapêuticas também em grupo”, aponta a coordenadora da área de saúde mental da Secretaria de Saúde de Curitiba.
Para Cristiane, o maior desafio está na adesão do paciente, pois uma parcela significativa de usuários chega aos Caps por demanda da família, e não por uma vontade própria para tratamento. “A família fica muito fragilizada por toda esta questão da dependência e do que ela envolve no dia a dia. Geralmente, os pedidos de atendimento vêm primeiramente dos familiares. O grande desafio dos serviços de saúde é realmente sensibilizar este usuário para o tratamento e vinculá-lo efetivamente. O dependente químico, por vezes, terá lapsos, que é diferente de recaída. O lapso é quando ele acaba usando uma vez, se dá conta ali de que não deveria ter feito isso, e já retoma o tratamento. As recaídas são processos nos quais o paciente volta aos uso, com necessidade de retomar no início do tratamento e rever as propostas terapêuticas”, esclarece.
E como funcionam os Caps para a retomada da vida?
De acordo com Cristiane, o plano terapêutico para esses pacientes inclui a retomada de vínculos e de laços familiares, além da reabilitação e reinserção social. “Quando pensamos em um caso agravado, muitas vezes, essa pessoa já não trabalha mais e está com os vínculos familiares rompidos ou fragilizados. Ou seja, possui um vínculo mais frágil com a vida. O Caps trabalha justamente para retomar todos esses vínculos e reinserir esse usuário na comunidade. Durante o processo terapêutico no Caps, ele será estimulado a voltar a trabalhar, a repensar o grupo de amizade e de convívio dele. A família vai participar de grupos ou de atendimento familiar individualizado para que possa lidar e trabalhar junto com esse usuário a retomada de vida”, declara.
Com os sinais deste trabalho, os profissionais verificam se o paciente está em estável e controlando a dependência, para que seja trabalhado o processo de alta.
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