Precisamos começar pelo mais importante: não há saúde sem saúde mental. A saúde mental é a base para nossa capacidade humana de pensar, emocionar, interagir, apreciar e ganhar a vida. Cada vez mais a sociedade toma consciência de sua suprema importância. Temos que falar mais dela, especialmente em ano de pandemia em que há uma crise global de saúde.
Certamente a saúde mental é mais do que a ausência de transtornos mentais. Mas os transtornos mentais – incluindo crises emocionais ou comportamentais – corroem profundamente a saúde. As mais recentes evidências científicas apontam os transtornos mentais como causa significativa de ônus por doença no mundo, afetando mais de 1 bilhão de pessoas por ano.
O ônus por doença é medido pelo número de anos de vida perdidos para uma doença. É calculado somando-se os anos de vida perdidos por incapacidade aos anos de vida perdidos devido à mortalidade prematura para uma dada doença. Os transtornos mentais são a causa de 13% de todo o ônus por doenças no mundo e 32% dos anos perdidos por incapacidade. A depressão é associada à maioria dos anos perdidos por doença, principalmente devido à sua natureza cronicamente incapacitante.
As estatísticas colocam os transtornos mentais em um distante primeiro lugar no ônus por doença em termos de anos perdidos por incapacidade, e no nível das doenças cardiovasculares e circulatórias em termos de ônus por doença no mundo. Tais estimativas têm chamado a atenção para a importância do impacto dos transtornos mentais para a saúde. Ainda assim, é provável que o ônus dos transtornos mentais seja subestimado por causa da frequente desconsideração que é feita sobre a conexão entre transtorno mental e outras condições de saúde – juntamente com a ideia falsa de que fatores contextuais ou mentais não alteram o organismo biologicamente.
Há muitos mitos em torno da natureza dos transtornos mentais. Um deles é que atividade mental e cérebro são separáveis. Mas eles são interconectados. Erramos menos quando entendemos isso. Atividade mental tem lastro no cérebro biologicamente ativo. Os fatores externos são, portanto, gatilhos para o organismo ativar – ou não – processos biológicos que podem se converter em transtornos como depressão ou ansiedade.
Outro mito frequente: a identidade de alguém com transtorno mental é só o transtorno e nada mais. Nada mais longe da realidade. A identidade total de uma pessoa vai muito além do transtorno. É perfeitamente possível alguém ter sintomas compatíveis com um transtorno e, ao mesmo tempo, ter qualidades, capacidades positivas ou competências. Um processo terapêutico adequado leva em conta a identidade total da pessoa.
Perdemos muito com transtornos mentais não tratados. São 30% dos adultos afetados por algum transtorno mental ao longo da vida. Com informação adequada, precisamos combater o estigma que leva à falta de tratamento adequado. A saúde mental é um pilar fundamental para a saúde global.
* Petrus Raulino é médico psiquiatra pela Unicamp e responsável pelo Serviços de Interconsulta em Psiquiatria do Vera Cruz Hospital e do Vera Cruz Casa de Saúde, rede Hospital Care HUB Campinas
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