Você tem fome de que?

Estamos em um momento de isolamento social, devido à pandemia do Coronavírus. Tempo no qual um turbilhão de sentimentos está vindo à tona e muitos não sabem como lidar e preferem ou tentam ignorar. Nesta tentativa de tentar mascarar o que está sentindo, um dos recursos mais utilizados é o alimento: “se estou triste ou ansioso, logo preciso de algo para me sentir feliz e me acalmar, então vou comer alguma coisa para sentir prazer, independente da sensação de fome, comer apenas para tentar não sentir a tristeza”. A isto chamamos fome emocional.

Ao longo de 15 anos de trabalho, acompanho pessoas que já passaram por inúmeras tentativas e tratamentos para redução de peso (dietas restritivas, fórmulas emagrecedoras, tratamentos estéticos). A princípio, o tratamento parece funcionar, mas o indesejado com frequência ocorre – a recuperação do peso perdido.

Um dos casos que me chamou a atenção e pode exemplificar fome emocional, foi de uma mulher com excesso de peso que sempre que se sentia triste comia vorazmente um bolo tipo cuque de farofa, pois trazia a ela a lembrança de bons momentos, já que na sua infância e adolescência comia na casa de sua avó. Ela contava com alegria que na casa da avó, ficavam sentadas a mesa, conversando e saboreando o bolo e agora sentia raiva por não poder mais comer, pois era feito com farinha e açúcar. Então quando fazia em sua casa comia tudo, sem pensar, para acabar logo e nunca mais fazer – só que, quando percebia, tinha preparado novamente. Nestas horas aparecia o sentimento de culpa e, ao invés de parar de comer, comia ”atacando o bolo”.

Após meses de acompanhamento abordando questões como: a diferença entre fome física e fome emocional, o risco de desenvolver compulsão alimentar após dietas restritivas e a importância de escolher alimentos de boa qualidade nutricional com horários e refeições planejadas, mas sem ter receio de comer alimentos que também oferecem prazer emocional, ela pôde perceber que:

– quando estava triste, apenas a lembrança dos bons momentos com a avó já lhe trazia conforto, sem a necessidade de ter que devorar o cuque;

– pôde também re-significar aqueles bons momentos em sua vida, pois adotou a prática de servir a mesa com a família, assim podia proporcionar para seus filhos os mesmos sentimentos bons, não pelo ato de comer o bolo, mas pelo contexto criado ao redor da mesa. Assim, ela se permitiu saborear o cuque com atenção e sem culpa, ao invés de atacar a forma toda como fazia, atitude importante para a prevenção do reganho de peso.

FOME FÍSICA X FOME EMOCIONAL

 

É importante saber identificar os sinais da fome física e da fome emocional:

FOME FÍSICA: estômago com sensação de vazio e roncando; o pensamento é em opções de comida; sensação de baixa energia e fraqueza; algum tempo se passou desde a última refeição; a comida traz saciedade e satisfação.

FOME EMOCIONAL: normalmente está relacionada àquela sensação de “eu mereço”. Independe do estômago (estômago calmo, não ronca); não se passou muito tempo desde a última refeição; sente-se a vontade de comer alguma coisa, não se sabe direito o que.

Essa vontade é impulsionada pela busca do bem-estar com que o cérebro nos recompensa quando nos alimentamos, com alívio temporário das sensações de ansiedade, tristeza, angústia, frustração e vazio.

A questão é que o cérebro sabe que a recompensa é maior com a combinação de açúcar e gordura (como chocolate, bolo), pois não se contenta a fome emocional com uma maçã. A pessoa acredita que realmente precisa comer algo muito gostoso para tentar resolver o problema, quando, na verdade, isto pode trazer ou aumentar problemas dependendo da situação do indivíduo.

A fome emocional traz prejuízos quando a busca pelo alimento como conforto parece ser a única solução. Outro agravante é a quantidade consumida. Se no momento em que a pessoa está buscando prazer em comer fizer isto distraída (assistindo TV, trabalhando, usando celular) ou com sentimento de culpa, a quantidade consumida será muito maior.

O sentimento de culpa normalmente ocorre em pessoas que por muitas vezes passaram pela experiência de fazer dietas restritivas, pois já ouviu falar tantas vezes que açúcar, gordura e farinhas são proibidos, que quando a pessoa começa a comer estes alimentos, a sensação de ansiedade e incompetência em lidar com a vontade de comer aumenta e isto gera um comer compulsivo.

Outro fator que contribui muito para comer exageradamente é quando a fome emocional coincide com a fome física, “juntar a fome com a vontade de comer”. É muito comum a fome emocional aparecer após um dia exaustivo de trabalho, por exemplo. Caso a pessoa tenha ficado durante o dia mal alimentada, passando longos períodos sem comer, pulando refeições e negligenciando a fome física, provavelmente à noite a busca pelo comer será mais intenso e a maneira de comer será eufórica, sem atenção e exagerada. O cenário poderá piorar se a refeição da noite não estiver planejada, pois daí será necessário optar por refeições rápidas oferecidas pelos fast-foods, padarias e serviços de entrega.

COMO LIDAR COM A FOME EMOCIONAL

A melhor maneira de tratá-la é entender e aceitar que a comida não irá resolver os problemas. É importante também buscar outras maneiras e hábitos de vida que tragam a sensação de bem estar que não seja apenas com o alimento. Bons exemplos são ouvir música, ler, tocar instrumento musical, exercícios, caminhada, exposição ao sol, conversar com amigo ou até mesmo um banho quente, relaxante e confortador.

O planejamento das refeições em casa é fundamental. Resgatar e respeitar os sinais da fome física evitando ficar longos períodos sem comer e prestando atenção aquilo que está comendo, são necessários para evitar comer com exagero. Evitar fazer dietas restritivas “ditas milagrosas” com resultados em curto prazo, pois estas práticas dificilmente respeitarão seus sinais de fome, suas preferências, sua rotina, contexto social e cultural.

Restrição excessiva de calorias ou grupos alimentares não pode ser considerada padrão de alimentação saudável. O comer engloba diversos aspectos e devemos contemplar todos eles no contexto de vida de cada pessoa, pois bom estado de saúde baseia-se em aspectos físicos e emocionais.

Quando o comer emocional é muito frequente e intenso, é fundamental buscar auxílio de uma equipe multiprofissional capacitada. Confie sua saúde a profissionais éticos, que fundamentam sua profissão baseados em ciência e que priorizem um atendimento humanizado buscando o bem estar integral do indivíduo. 

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