Use a máscara e mostre quem você é

Nunca, como agora, falamos tanto do uso de máscara. O que já era realidade em vários países asiáticos, tornou-se uma lei de apelo universal, em nome da saúde pública. Não tardou para que surgissem diferentes modelos, máscaras com mensagens, marcas de empresas, divertidas, satíricas, coloridas. Na hora das urgências que obrigam àquela ida ao supermercado, à farmácia, ao banco ou ao médico, ela esconde nossas faces para mostrar quem nós somos: pessoas comprometidas como bem comum, preocupadas com a saúde e responsáveis pelo bem-estar de todos com quem convivemos. Nesse caso, esconder é mostrar.

Esse paradoxo, contudo, sempre esteve por trás do uso da máscara. Ao tornar anônimo, a máscara revela a intencionalidade de uma revelação, porque traduz uma escolha: como uma espécie de recorte subjetivo, ela quer mostrar o que mostra enquanto oculta outros aspectos da personalidade.

Filosoficamente falando, a máscara está entre o ser e o parecer: diz quem somos a partir de uma escolha mais ou menos deliberada de como queremos nos apresentar diante do outro. Por isso, toda máscara é uma espécie de fantasia com a qual nos cobrimos para essa apresentação. Não é por acaso que seus usos remetem ao teatro e ao carnaval, lugares por excelência onde os rituais de presença exigem a arte do mistério paradoxal, cuja arte está naquela fresta deixada à curiosidade do espectador que quer espiar por trás da aparência. A máscara é uma espécie de convocação para essa espionagem que caracteriza a arte mesma do conhecimento. Conhecer é ter curiosidade para perscrutar o vão que resta entre o ser o parecer.

E porque é assim, a máscara permite a atividade da imaginação, base primeira do conhecimento. Não por acaso, ao longo da história humana, elas foram usadas para vestir o ser humano com imagens e fantasias de divindades, espíritos animais, seres sobrenaturais ou até mesmo com elementos que remetem aos antepassados de um povo. Na China ou na África, seu uso esteve ligado a cultos e rituais primitivos que evocavam a autoridade de quem a usava: portando a máscara, um indivíduo estaria vestido com algum espírito que se apresentava diante dos demais. A máscara era uma espécie de crédito dado a quem a usava, estabelecendo o seu papel social. A máscara era um molde que dava poderes e conectava seus usuários com o além. Elo entre homens e divindades, elas traduziam a conexão dos mundos e contribuía para a coesão dos grupos humanos.

Ao retirar a expressão de um rosto, portanto, a máscara manifesta o que, de outro modo, não se poderia ver. É como se seu usuário pudesse, com ela, mudar de rosto ou, pelo menos, mostrar um rosto que ele mesmo escolhera usar. Em seu aspecto misterioso e ao mesmo tempo transcendente, a máscara explica a subjetividade de quem está ali, diante dos outros. Ela é uma aula sobre o eu, contada em uma espécie de narrativa complexa e, ao mesmo tempo, simples: eu sou, agora, isso que eu escolhi, com minha máscara, que você visse. Esse agora remete a outro elemento importante no uso da máscara: ela revela a transitoriedade da vida humana, a sua finitude, a sua constante passagem, a mudança que marca as nossas personalidades. Não por acaso, a palavra máscara está por trás do uso da palavra persona: pessoa, em grego, se diz prósopon, aspecto e seu primeiro uso entre os latinos foi precisamente para designar as máscaras usadas no teatro, ou seja, os personagens. Pessoa é, por isso, uma máscara. Máscara é uma prosopopeia, ou seja, um dizer sobre si, um ritual de personificação.

Agora que usar a máscara está na moda, é preciso fazê-lo com garbo, conhecedores de seus potenciais. Embora seja incômodo, seu cotidiano e utilitário, ainda pode traduzir suas grandezas seculares e ajudar a revelar o rosto que nós agora somos convocados a mostrar, para o bem de todos: uma pessoa responsável, cujo ato de carinho e humanidade, revela-se pelo pedaço de tecido pendurado entre as duas orelhas. Afinal, como sugeriu Oscal Wilde, dê uma máscara ao homem e ele se tornará quem realmente é. Inversamente, o imbecil que se recusou a usá-la (o exemplo gritante do desembargador santista não me sai da cabeça) também diz muito sobre quem ele é.

* Jelson Oliveira é professor do programa de pós-graduação em Filosofia da PUCPR; autor do recém lançado “O nó do ser: para uma ontologia do corpo” (EDUCS, 2020).

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