Apesar de trazer uma sensação de relaxamento, o consumo de bebidas alcoólicas possui um efeito colateral: pode agravar os quadros de depressão e ansiedade – principalmente em tempos de isolamento social.
É importante prestar a atenção nessa duplicidade do álcool: a princípio, confere momentos de euforia, deixando a pessoa animada. Mas esse prazer tem curta duração: é quase imediato e, na sequência, piora os efeitos de ansiedade e depressão. Portanto: buscar refúgio na bebida nessa quarentena está longe de ser uma solução para aliviar o sintoma de tristeza, provocada pelo confinamento.
Todo esse sentimento de incertezas e inseguranças inerentes á pandemia, além da solidão, causada pelo confinamento, são gatilhos para consumir bebidas alcoólicas. No entanto, todas essas emoções vão continuar existindo quando o efeito do álcool acabar. Além disso, na memória das pessoas, o ato de beber está associado a momentos de lazer, como os encontros com os amigos no happy hour ou nos churrascos em família. As pessoas precisam ter noção de que, nessas ocasiões, a diversão está na confraternização, nas brincadeiras nas rodas de conversa, e que o álcool é apenas mais um ingrediente e não o único responsável pelo entretenimento.
Por isso, consumir bebidas alcoólicas (principalmente em excesso) para tentar resgatar e vivenciar momentos de prazer na quarentena não vai devolver essa a sensação de bem-estar que experimentamos quando estamos na companhia de quem a gente gosta. O álcool é apenas uma fuga da realidade, que traz consequências nocivas para nosso organismo e nossa saúde. O alcoolismo está associado a doenças do fígado e do aparelho digestivo, câncer, comportamento violento e depressão.
Para não ficar deprimido dentro de casa, a recomendação de psicólogos e psiquiatras é encontrar alternativas para não perder o contato com o mundo fora dos muros de casa. Aproveite a tecnologia e abuse das chamadas de vídeo para se comunicar com os amigos e familiares.
Além disso, é importante que as pessoas continuem trabalhando em seus projetos pessoais e profissionais. Ocupar a mente com atividades de lazer e inclusive com o autocuidado, como a preocupação com a alimentação equilibrada e com novas propostas de atividades físicas são muito importantes nesse período. Meditar, ler, cozinhar, assistir filmes e séries na tv e brincar com as crianças – no caso de quem tem filhos – ajudam a aliviar o estresse coletivo de medo, que podem resultar em diversos transtornos psicológicos. Definitivamente, beber não é uma solução viável. Ao contrário: é contraindicada para a saúde mental na quarentena.
É um consenso da população, em geral, que a pandemia nos apresentou um mundo novo: os próprios artistas estão se adaptando para manter o contato com seu público fiel enquanto os shows foram suspensos. As lives na internet ganharam ainda mais popularidade e agora são protagonizadas com frequência por estrelas da música sertaneja, entre outros estilos musicais. E para manter os contratos publicitários com as indústrias de bebidas, muitos cantores estimulam o consumo do álcool nas apresentações nas plataformas online e já houve casos de integrantes de duplas sertanejas se apresentarem completamente alcoolizados.
A preocupação dos especialistas agora é com esse tipo de propaganda, disseminada no que eles chamam de “botecos virtuais”. A Legislação, de 2015, permite a propaganda comercial por meio de pôsteres, painéis e cartazes, na parte interna dos locais de venda, mas não pode induzir as pessoas ao consumo. E agora, nos deparamos com a figura dos cantores, promovendo marcas de cervejas nas lives, que chegam a ter 2,6 milhões de visualizações simultâneas. Esse tipo de veiculação das marcas de cervejas causa danos reais com a promoção da ingesta abusiva de álcool.
Por isso, esse é um momento oportuno para apoiar o PLC 83/15 – projeto de lei com origem na Câmara de São Paulo, em tramitação no Senado – que altera a Lei n° 9.294, de 15 de julho de 1996, para vedar a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nos meios de comunicação social.
Além das propagandas, os deliverys de bebidas são mais um incentivo para as pessoas consumirem álcool na quarentena e, em países como os Estados Unidos, esse comportamento já está na mira das autoridades de saúde. O Center of Desease and Control (CDC), órgão do governo americano semelhante à ANVISA no Brasil, publicou um alerta quanto ao risco de aumento do consumo de álcool e outras drogas durante o isolamento social.
Conforme o CDC, o aumento no consumo de bebidas alcoólicas surge em paralelo a outras alterações emocionais e de comportamento – dificuldade para dormir, ansiedade, medo de contrair a doença ou que pessoas amadas as contraiam – e essa pode ser uma maneira perigosa de lidar com o estresse.
Vale lembrar que as pessoas lidam de formas diferentes contra o estresse e possuem diferentes vulnerabilidades. O consumo de bebidas alcoólicas ou outras drogas, embora possa produzir um relaxamento inicial naquele que consome, provoca uma série de prejuízos à saúde física e mental. E não se pode atribuir um nível seguro de consumo quanto ao uso de substâncias. Álcool e drogas não combinam com vida saudável.
* Alessandra Diehl é médica psiquiatra e vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead)
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