Cientistas respondem dúvidas sobre transtornos mentais

transtornos mentais
(Foto: Ilustração/Freepik)

Você sabia que mais de 400 categorias de transtornos mentais foram estipuladas nos últimos 60 anos? Em 1952, a Associação Americana de Psiquiatria (APA) publicou o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais que classificava 128 categorias diagnósticas. Na última edição, de 2013, 61 anos depois, há 541 categorias. “Cada vez fomos convencionando chamar mais e mais problemas humanos de transtornos mentais. A pressão para esta convenção parte é claro da sociedade, mas também de outros setores como indústria farmacêutica e formuladores de políticas públicas”, explica o médico psiquiatra e cientista da UFPR Deivisson Vianna Dantas dos Santos.

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Elas dividem os 450 milhões de indivíduos com algum transtorno mental, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Para Marcio Roberto Paes, pesquisador na área de Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental na Universidade, a rotina estressante tem sido fundamental para o adoecimento da população. “O mundo globalizado tem tornado cada vez mais a vida das pessoas dinâmica e confortável. Porém, isso tem causado resultados preocupantes do ponto de vista da saúde pública”, assegura.

Essas são algumas das questões que foram levantadas pelos pesquisadores da UFPR a partir de perguntas enviadas pela sociedade na ação Pergunte aos Cientistas com a temática de saúde mental. A iniciativa, organizada pela Agência Escola UFPR, tem como objetivo aproximar cada vez mais a sociedade dos pesquisadores e do conhecimento científico produzido na Universidade Federal do Paraná. A cada edição, um novo tema é explorado.

Você já se questionou como identificar sinais de um burnout? Ou então como ajudar e acolher alguém durante uma crise de pânico ou ansiedade? E como saber qual o nível de tristeza que exige uma atenção maior? Se você já se perguntou alguma dessas questões, descubra as respostas dessas e de outras questões sobre saúde mental abaixo.

As perguntas foram respondidas pelos seguintes cientistas da UFPR:

– Lis Soboll, psicóloga, coordenadora do programa institucional UFPR ConVida e professora no Departamento de Psicologia da UFPR.

– Sabrina Stefanello, médica psiquiatra e professora do Departamento de Saúde Coletiva da UFPR.

– Marcelo Kimati, doutor em Ciências Sociais e professor do Departamento de Saúde Coletiva da UFPR.

– Deivisson Vianna Dantas dos Santos, médico psiquiatra e professor do Departamento de Saúde Coletiva da UFPR.

– Marcio Roberto Paes, pesquisador na área de Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental e professor do Departamento de Enfermagem da UFPR.

Acolhimento

“Qual a melhor forma de acolher e ajudar alguém durante uma crise de ansiedade ou de pânico? E se a pessoa estiver a distância, como ajudar?” (D. C., 34 anos, professora, Curitiba-PR)

Sabrina Stefanello, cientista UFPR – A melhor forma se você estiver junto a ela é permanecer com ela, reforçar que não vai deixá-la sozinha. Também é possível ajudar a pessoa a tentar respirar fundo e devagar, fazendo isso junto a ela. Isto evita que a sensação de tontura piore e mesmo que a pessoa tenha a sensação de não conseguir respirar direito, fazer este exercício é uma das maneiras de garantir boa entrada de ar nos pulmões. Usualmente uma crise de pânico dura pouco tempo, minutos, portanto ficar junto à pessoa, mantendo a calma, evita uma escalada da sensação de desespero. Se a pessoa está muito desesperada e nós ficamos muito ansiosos junto, demonstrando nossa preocupação, sem saber o que fazer, a tendência será termos uma amplificação da sensação de pânico e perda do controle. Se a pessoa estiver a distância e tiver a possibilidade de contato remoto, seja por vídeo ou áudio chamada, pode fazer as orientações explicadas anteriormente mesmo estando a distância. Ataques de pânico tendem a passar, você pode reassegurar à pessoa ao mesmo tempo que se mantém presente na chamada e a auxilia com a respiração, demonstrando segurança, disponibilidade e cuidado.

Prevenção

“Meditação ajuda na saúde mental?” (Michele Nascimento, 57 anos, dona de casa, Curitiba-PR)

Marcio Roberto Paes, cientista UFPR – O mundo globalizado, as tecnologias e os processos de trabalho têm tornado cada vez mais a vida das pessoas dinâmica e confortável, pois geram muitos benefícios para o seu cotidiano. Porém, isso tem causado resultados preocupantes do ponto de vista da saúde pública, pois a rotina estressante tem sido fundamental para o adoecimento da população.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 450 milhões de pessoas no mundo sofrem de algum tipo de transtorno mental ou relacionados com o uso de álcool e outras drogas, e que um em cada quatro indivíduos apresenta pelo menos um transtorno mental em alguma fase da vida. Em muitos casos, o adoecimento mental é uma consequência da falta de mecanismos de defesa e de adaptação aos fatores de estresse ambientais externos e/ou internos.

A meditação tem se apresentado como uma técnica complementar a terapias convencionais, médicas ou psicológicas com resultados positivos, dentre inúmeras possibilidades terapêuticas que ajudam as pessoas no estresse do dia a dia. Estudos têm demonstrado que ela tem o potencial de ser benéfica para a saúde mental, por exemplo na redução da ansiedade, maior percepção de afetos positivos e maior tolerância à dor.

Contudo, grande parte desses estudos estão embasados nas vivências das pessoas que experimentaram essa técnica e a relação delas com sinais e sintomas de estresse e transtornos mentais. Dessa forma, o tema “meditação como técnica terapêutica” ainda causa discussões no campo da ciência devido a divergências de opiniões dos especialistas. Alguns estudiosos defendem que sejam desenvolvidas pesquisas com maior rigor metodológico, com protocolos que possam assegurar que a meditação seja, de fato, a responsável pelos efeitos observados.

É importante descrever que desde 2006, o Ministério da Saúde tem promovido a inserção de algumas práticas que têm a meditação como base, para serem implementadas nos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) em todo o território nacional.

Sintomas

“Como saber qual o nível de tristeza é um nível que exige uma atenção maior? É possível mensurar a tristeza para saber quando ela se torna preocupante?” (Ariel de Moraes Frauches, 43 anos, nutricionista, Curitiba-PR)

Deivisson Vianna Dantas dos Santos, cientista UFPR – É muito importante que a gente não tente fazer essa pergunta, porque ela traz um valor moral que a gente começa a tentar medir qual é o sentimento que é mais legítimo que o outro. Todo sofrimento é legítimo e precisa ser escutado. Às vezes o que alguém pode considerar um “mimimi” é algo preocupante para o outro, que o faz sofrer.

Esse tipo de questionamento não pode vir da terceira pessoa, ou seja, do ser que observa. Mas, a gente tem que perguntar para a pessoa o quanto essa tristeza está impactando na vida dela. Dessa maneira, a gente tem uma abordagem que até pode se guiar pelo diagnóstico, mas faz com que amplie nossa capacidade de identificar que uma pessoa está realmente precisando de cuidado.

Diagnóstico

“Como ocorre o diagnóstico do Burnout?” (Isabella Chicouski de Paula, 19 anos, estudante, Campina Grande do Sul-PR)

Lis Soboll, cientista UFPR – A Síndrome do Burnout, definida como a síndrome de exaustão emocional e da desistência, caracteriza-se por três fatores: exaustão emocional, despersonalização das relações interpessoais e falta de envolvimento pessoal no trabalho/estudo ou atividades rotineiras.

A despersonalização manifesta-se nas atitudes negativas para com as pessoas e no comportamento de isolamento. Ocorre um endurecimento afetivo e “coisificação” das relações, chegando à insensibilidade e às atitudes impessoais.

A falta de envolvimento pessoal é vista como consequência da perda de sentido, afetando a qualidade das atividades realizadas, embora geralmente não impeça sua execução. A pessoa pode passar a avaliar a si próprio negativamente e a sentir-se impotente.

Mais recentemente tem-se usado de maneira generalizada o termo Burnout para descrever qualquer experiência envolvendo cansaço persistente ou esgotamento emocional. É importante diferenciar que nem toda vivência de esgotamento está relacionada a um quadro específico do Burnout. A pessoa que percebe alterações na sua saúde deve procurar um profissional capacitado, apto a dar suporte e fazer o acolhimento e os encaminhamentos adequados para cada situação singular.

Tratamento

“Por que as gerações mais novas estão ficando mais doentes da mente?” (Luciana Andreatta Maia, 43 anos, assistente administrativo, Curitiba-PR)

Marcelo Kimati, cientista UFPR – Olá, Luciana. Não sabemos se as novas gerações estão de fato mais doentes, porque os critérios para identificar transtornos mentais mudam periodicamente. O que se chama hoje de depressão e ansiedade é muito diferente do que se considerava um transtorno há algumas décadas. De uma forma geral, os critérios para diagnosticar são menos exigentes hoje, o que equivale dizer que é muito mais fácil ser classificado como deprimido ou ansioso hoje. Existe ainda um conjunto de transtornos inexistentes há alguns anos, como transtorno de ansiedade generalizada, que hoje acomete até 5% de algumas populações. Há vários pesquisadores hoje, entre os quais me incluo, que veem este processo de forma crítica, uma vez que o aumento de diagnósticos e sua flexibilização implicam numa falsa impressão de que as pessoas adoecem mais. Neste processo, que tem origem nas características da psiquiatria contemporânea, muitas pessoas que experimentam um sofrimento natural (ainda que desagradável) característico e “normal” da existência humana passam a vivenciar isso como uma doença, num processo chamado de medicalização, que implica em tornar médicos fenômenos que não são médicos em sua origem. O desdobramento mais evidente é o número gigantesco e crescente de pessoas que fazem uso de medicamentos psiquiátricos que podem levar pessoas à dependência.

*Informações Assessoria de Imprensa