Uma enxurrada de casos. Até mesmo o termo “tsunami” vem sendo utilizado por especialistas para descrever o aumento de diagnósticos positivos de Covid-19 desde o final do ano passado, em especial neste mês de janeiro. Com essa escalada, existe o questionamento sobre quando será o pico da onda da Ômicron. Apesar de a maior parte dos casos ser de pacientes com sintomas leves, o número geral e absoluto de infectados e de pessoas com necessidade de atendimento pode impactar diretamente os sistemas de saúde, sejam públicos ou particulares.
O pico da onda da Ômicron pode estar acontecendo neste momento, entre o início da segunda quinzena de janeiro e o final do mês no Brasil. A projeção é do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), ligado à Universidade de Washington (EUA), e que vem acompanhando semanalmente os dados relacionados à pandemia. Este dado foi citado pelo médico infectologista Bernardo Montesanti Machado de Almeida, diretor médico do laboratório Hilab, de Curitiba (PR). Ele foi consultado pela reportagem do Saúde Debate para comentar a atual situação da crise sanitária.
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De acordo com ele, as projeções do IHME indicam um pico da onda da Ômicron para o Brasil com números 20 vezes maiores do que na comparação com o pico registrado em 2021, sob influência das variantes Gama (P1) e Delta.
“Considerando os casos reais, o pico da onda da Ômicron tende a ser 20 vezes maior do que o pior pico que vivemos em 2021. A notícia boa é que o pico de casos já deve ter passado, entre 15 e 20 de janeiro, segundo o IHME. Mas isso não significa que não haja problemas. Ainda estamos num patamar muito elevado de transmissão. Lembrando que a pessoa com infecção da semana anterior está ainda em período de transmissão, que é de sete a dez dias. E, por isso, se torna um potencial transmissor. No ponto de vista de prevalência viral, levando em consideração o número de pessoas potencialmente transmissores, podemos estar no pico neste momento”, destaca.
Ainda de acordo com Almeida, pode estar também acontecendo subnotificações de casos, inclusive pela escassez de testes para diagóstico ou falhas no sistema de vigilância. E esses números conhecidos atualmente podem ser apenas a “ponta do iceberg”.
Apesar de a variante Ômicron ser relativamente nova – foi diagnosticada no final de 2021 -, os especialistas estão observando suas diferentes características. Por exemplo, em relação ao tempo entre a aquisição da infecção e o início de transmissão para o outro indivíduo. “Este tempo parece estar mais curto com a Ômicron. Ainda não se sabe exatamente o motivo disso. Pode ser que o vírus tenha o comportamento de iniciar a transmissibilidade em uma fase mais precoce. E isso, consequentemente, pode afetar o período de transmissibilidade também. Mas não está pacificado. O conhecimento sobre essa variante ainda está sendo formado”, salienta Almeida.
O médico infectologista afirma que o atual cenário é fruto de dois motivos principais: a entrada da variante com maior potencial de transmissão e a retomada de uma rotina quase normal para a maior parte da população.
Entretanto, Almeida evita falar que o pico da onda da Ômicron ou até mesmo este atual contexto seja “mais leve” do que em situações anteriores da pandemia. “O que se sabe é que ela tem uma capacidade menor de complicações, hospitalizações e óbitos por dois motivos principais. Um deles é o próprio vírus, que por si só tem uma virulência menor em relação à variante Delta. E o segundo fator é o componente imunológico. Como a população está em um padrão imunológico diferente em relação à onda da variante Delta, isso favorece a diminuição da gravidade. Isso faz com que a onda de casos da Ômicron tenha o risco de infecção, individualmente falando, de menos complicações”, considera.
Mas, para o médico infectologista, existe um outro lado. Como o número de casos é bastante elevado, isto também aumenta os números absolutos de hospitalizações e óbitos. “Parece algo paradoxal, mesmo diminuindo a gravidade, mas você pode sim ter aumento no número total de hospitalizações, e até eventualmente mortes”, indica.
Resultado do pico da onda da Ômicron
Entre os impactos disto está a desestruturação do sistema de saúde da mesma forma, como o que aconteceu em outros momentos tensos de aumento no número de casos. Isto vai gerar filas para atendimento e até mesmo a necessidade de ampliar a capacidade de hospitais e outras unidades de prestação de saúde.
Exemplo são as últimas ações no Paraná, por meio da Secretaria de Estado da Saúde. No dia 22 de janeiro foram reativados mais 310 leitos para atendimento preferencial à Covid-19 e H3N2. São 210 enfermarias e 100 Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Agora, o Paraná possui 599 leitos de UTI e 806 em enfermarias. A justificativa para isto é justamente o aumento no número de casos confirmados das duas doenças, com a necessidade de deixar leitos à disposição. Desde o início deste ano, 554 leitos já foram reativados, sendo 167 em UTIs e 387 em enfermarias. A previsão da secretaria é que pelo menos mais 205 leitos clínicos retomem o atendimento ainda neste mês.
Em Curitiba (PR), os dados do boletim de 24 de janeiro da Secretaria Municipal da Saúde mostram esse “tsunami de casos” e o aumento na taxa de ocupação de leitos atualmente disponíveis. Foram 3.380 casos confirmados apenas neste dia, com duas mortes registradas nas 48 horas anteriores. São 11.029 casos ativos na cidade, correspondente ao número de pessoas com potencial de transmissão do vírus.
No dia 24 de janeiro, a taxa de ocupação dos 102 leitos de UTI SUS exclusivos para Covid-19 na cidade estava em 75% e restavam 26 leitos livres. A taxa de ocupação dos 191 leitos de enfermarias SUS Covid-19 estava em 77%, com 44 leitos vagos. Neste mesmo dia, houve a ativação de 25 leitos clínicos e cinco leitos de UTIs SUS exclusivos para atendimento de pacientes com Síndromes Respiratórias Agudas Graves – SRAG na Santa Casa de Curitiba.
No dia 21 de janeiro, antes da ativação destes leitos, os números de ocupação estava em 71% nas UTIs pelo SUS exclusivas para Covid-19 (97 leitos e 28 livres naquele momento). Nos leitos de enfermaria, eram 161 leitos, com ocupação de 84%.
“Pode causar um colapso e desestruturação do sistema da mesma forma, por conta do aumento absurdo no número de infecções. Quando se fala em gravidade, você utiliza como parâmetro o caso, a infecção. Só que, quando se avalia do ponto de vista coletivo, também é preciso levar em consideração o risco de infecção. Agora ele está bem maior. Multiplicando o risco de infecção pelo risco de gravidade, você tem o risco populacional. Esse risco pode ser sim maior para hospitalização e óbitos com a Ômicron. Porque o risco da infecção é maior e em um curto espaço de tempo”, esclarece Almeida.
Ele lembra que este mesmo movimento está sendo verificado em outros países, como os Estados Unidos, onde uma massiva quantidade de casos em um curto espaço de tempo causou as hospitalizações. Felizmente, o número de óbitos não acompanhou o mesmo ritmo. Ainda não houve superação do recorde de óbitos, o que é bom sinal”, opina.
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