Já está reconhecido o papel que as Santas Casas e Hospitais Beneficentes tiveram no enfrentamento da pandemia de Covid-19. Foi – e está sendo – um período que mostrou o poder de adaptação e atendimento dessas instituições, mas também escancarou um antigo problema: o financiamento adequado e compatível às demandas.
Este é um dos cenários abordados nesta entrevista da seção Paradigma do Saúde Debate com Charles London, presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Paraná (Femipa) e diretor-presidente do Grupo Hospitalar São Vicente, em Curitiba (PR). Ele também é médico neurocirurgião e pós-graduado em Gestão de Sistemas de Saúde e Serviços de Urgência e Emergência. Exerceu a função de superintendente das unidades hospitalares próprias da Secretaria de Estado da Saúde.
London faz parte de uma grande mobilização das Santas Casas e Hospitais Beneficentes de todo o país para alterar a situação financeira do setor. Confira abaixo a entrevista completa:
Saúde Debate: As entidades ligadas às Santas Casas e Hospitais Beneficentes, como é o caso da Femipa, estão mobilizadas para mudar a situação financeira do segmento. Qual é o panorama de momento neste sentido?
Charles London: Os hospitais, como um todo, mas especialmente as Santas Casas, vivem no “fio da navalha”. Sempre em uma situação na qual não se pode dar um passo errado, sob o risco de inviabilizar a própria instituição. O panorama não é cômodo, muito menos confortável. Convivemos também com a pandemia, e isso acarretou em uma mudança no perfil de atendimento. Alguns hospitais e Santas Casas conseguiram se adaptar a essa nova realidade de forma rápida, mas nem todas têm estrutura para isso. São instituições centenárias, de todos os portes, inclusive sendo os únicos hospitais para atendimento em muitos municípios.
O principal gargalo é a necessidade de atualização da tabela de pagamentos por procedimentos realizados por meio do Sistema Único de Saúde (SUS)?
A tabela é uma forma de remuneração, de certa forma, prática e fácil de ser aplicada. Porém está absolutamente defasada. Estamos discutindo outras formas de valorização do atendimento e da assistência. Já existem estudos que mostram que, a tabela da forma como está hoje, cobre cerca de 60% dos custos, em média, em hospitais com um mix de atendimentos. Os outros 40% dos custos precisam ser cobertos por outras receitas. Isto implica em retirar de outras operações das instituições e até mesmo procurar captação de recursos extras e doações. São ferramentas utilizadas para fechar as contas.
Entidades como a Femipa vêm se articulando neste sentido. Qual a importância das entidades se reunirem para um objetivo comum?
Essa estruturação em entidades representativas é fundamental para a manutenção do segmento. Há hospitais relativamente pequenos, em tamanho e não na sua importância, que não conseguem avançar nas suas demandas, sejam técnicas ou de articulação. As entidades maiores, como federações e a confederação (Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas – CMB), se caracterizam por algumas vertentes de trabalho. A representação e a defesa de interesses são duas delas. Promover melhorias na gestão é outra vertente, para evitar desperdícios e obter melhores resultados.
“Estamos discutindo outras formas de valorização do atendimento e da assistência. Já existem estudos que mostram que, a tabela da forma como está hoje, cobre cerca de 60% dos custos, em média, em hospitais com um mix de atendimentos”
A pandemia de Covid-19 é creditada por acelerar processos. No âmbito das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, o que a crise sanitária trouxe à tona?
No lado positivo, a pandemia mostrou a importância da saúde como um todo, e que ela não pode ser negligenciada. A saúde não tem preço, mas custa. Deve ser estruturada, dimensionada e racionalizada de forma a prestar o melhor serviço para o cidadão. Em relação às Santas Casas e Hospitais Filantrópicos, mostrou a agilidade do segmento em se estruturar para atendimentos de situações críticas, como é o caso da pandemia. O setor teve papel fundamental neste enfrentamento e demonstrou a capacidade de adaptação e de oferta dos serviços, com conhecimento.
Por outro lado, temos discussões que passam novamente pelo financiamento. É necessário manter isso na pauta de discussão, sob risco de chegar a uma situação de inviabilidade das instituições. Passamos neste período por situações lamentáveis de dependência de produtos do exterior e falta de planejamento, mesmo que em uma situação grave e inusitada.
Tivemos, por exemplo, crises no fornecimento de medicamentos em vários momentos durante a pandemia, como a falta de bloqueadores neuromusculares para sedação dos pacientes. As Santas Casas se mobilizaram rapidamente para importar esses insumos e também houve mobilização da Secretaria de Estado da Saúde para isso. O cenário revelou ainda que o Paraná, em especial, tem estrutura invejável em relação a outros estados, mas precisa sempre evoluir. Ainda há necessidade de melhorias e racionalização dos processos.
Por falar em Paraná, quais são os desafios específicos para o estado para o atendimento e a viabilidade de Santas Casas e Hospitais Beneficentes?
A questão do financiamento é tripartite. Existe a tabela do SUS, que é uma tabela federal altamente defasada. Por isso, precisamos discutir um novo modelo de remuneração considerando o serviço. O estado e o município podem e devem compor a receita dos prestadores de serviço. Aqui no Paraná temos uma regionalização e hierarquização do atendimento, ou seja, a oferta do serviço o mais próximo do cidadão. Entretanto, existe uma questão dos serviços de complexidade em maiores centros. Torna-se inviável manter esse tipo de patamar de atendimento em alguns municípios, e não por questão de estruturas físicas, mas por recursos humanos capacitados.
Os hospitais filantrópicos são fundamentais nesta rede de atendimento à saúde no Paraná, que possui uma quantidade de leitos em tamanho suficiente. O avanço necessário está em algumas especialidades. Agora, mais do que criar novas estruturas, o estado precisa organizar melhor os serviços.
O senhor tem vasta experiências na área e na própria Femipa (Charles London participou de outras gestões e foi presidente da entidade em ocasião anterior). Como é estar neste lugar de articulação e liderança?
Esta é a segunda vez que volto à presidência. E, naquele momento, encontrei a federação em outra situação. As últimas gestões tiveram uma presença bem mais marcante na estruturação das políticas e do sistema de saúde como um todo.
Estar à frente de uma entidade como a Femipa mostra como os desafios são sempre complexos; a demanda, infinita. E, por estar no Paraná, isso se transforma em um desafio ainda maior. Quando é um estado que oferece pouco na saúde, qualquer melhoria é simples de se identificar. Quando existe um nível de atenção mais elevado, surgem outros desafios, que envolvem tecnologia e formação de recursos humanos.
Mas, esses desafios nos movem. Quando conseguimos parar um pouco e olhar para trás, percebemos que, se não fizemos tudo, pelo menos o que conseguimos realizar foi muito importante. Apesar de todo o cansaço e desgaste, ficamos com uma sensação boa de verificar o que conseguimos estruturar e deixar como serviços e benefícios para a população.
“Os hospitais filantrópicos são fundamentais nesta rede de atendimento à saúde no Paraná, que possui uma quantidade de leitos em tamanho suficiente”
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