O Saúde Debate estreia um novo espaço do portal para destacar personalidades da área da saúde – Paradigma. São entrevistas com profissionais da área para mostrar ações e ideias que impactam na vida da população e dos profissionais de saúde. Nosso primeiro convidado é o presidente da Federação das Unimeds do Paraná, Paulo Roberto Fernandes Faria. A pauta do dia é o cooperativismo na saúde. No Paraná, 14% da população, quase 1,6 milhão de pessoas, é beneficiária do Sistema Unimed. No país inteiro são 18,2 milhões.
Primeiro de quatro filhos, Paulo Roberto Fernandes Faria nasceu em Bela Vista do Paraíso, no norte do estado. A família se mudou para Londrina nos anos 70 por decisão do pai; uma estratégia para viabilizar a continuidade da formação dos quatro filhos, já que o financiamento do estudo fora de casa era inviável. Médico, ortopedista, fixou residência em Umuarama, no Noroeste do Paraná, já casado e com duas filhas.
A escolha da profissão teve influência do pai, professor, filósofo e dentista que queria ser médico, mas escolheu outro caminho profissional por imposições da vida (o avô, funcionário dos Correios e Telégrafos tinha seis filhos, e não podia financiar o estudo de medicina, como seu pai desejava). A mãe também era professora.
Cursou medicina na Fundação Universidade Estadual de Londrina entre 1973 e 1978, quando o ensino ainda não era gratuito, o que o levou a fazer crédito educativo – financiamento do curso universitário para ser quitado depois de formado. Fez Residência Médica em ortopedia e traumatologia em São Paulo, no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. Com o término da Residência tinha a intenção de se fixar em Londrina, mas recebeu o convite para atuar em Umuarama, local onde mantém residência há quase 40 anos.
Nesta entrevista, Paulo Roberto Faria conta como foi sua adesão ao cooperativismo médico e a evolução da proposta em sua vida profissional.
SD: Por que decidiu se associar a outros profissionais numa cooperativa médica?
Em 1988, eu e um grupo de 15 ou 16 médicos decidimos nos reunir para discutir os problemas da nossa classe em Umuarama. Na época, tínhamos um número infindável de convênios, na busca de melhores valores de financiamento e o sistema público de saúde não era universal, como é hoje. A disputa pelos convênios colocava um médico contra o outro; um profissional era credenciado em detrimento dos demais; alguns buscavam se beneficiar de privilégios contratuais.
Na época, também, um colega nosso, patologista, sofreu um infarto e precisou ser transferido para Londrina para o tratamento, quando teve que ficar internado na ala de saúde pública, o que gerou discussão sobre a situação entre seus pares. No transcorrer das nossas reuniões, veio a ideia de formar uma cooperativa que fizesse parte do Sistema Unimed.
Essa discussão associativista coincidiu com a iniciativa do primeiro presidente da Federação das Unimeds do Paraná, Manoel Stenghel Cavalcanti, que desde 1985 peregrinava pelo estado incentivando a formação de novas cooperativas no interior. Até 1980, só havia no Paraná cinco Unimeds, Curitiba, Londrina, Ponta Grossa, Guarapuava e Paranaguá. Hoje são 23, sendo que as últimas a serem formadas foram as de Rio Mafra e Vale do Iguaçu em 2000.
As discussões espontâneas do nosso grupo acabaram convergindo com a busca de expansão promovida pelo Dr. Manoel Cavalcanti e a Unimed Umuarama foi formada, 1989. Fiz parte da primeira diretoria, que também tinha na direção representantes da Associação Médica e lideranças da região.
Trabalhamos até o final de 1992 sem nenhuma remuneração. Era nosso objetivo resolver os problemas, mesmo sem pró-labore, o que hoje é inconcebível para os mais jovens, mas era o modelo da época.
SD: Qual é o papel da Federação no Sistema Unimed Paranaense?
A Federação tem um papel muito importante de integração. O sistema funciona muito bem se ele estiver integrado e harmônico.
Outro propósito fundamental é de prover condições para a sustentabilidade do Sistema Unimed no Paraná, através de Serviços, Consultorias e Assessorias, na busca de soluções para os desafios que se apresentam no dia a dia. A Federação monitora e atua preventivamente auxiliando as Singulares nas situações mais críticas.
Há também a coordenação do intercâmbio entre as Unimeds, trazendo operações que agreguem valor para o nosso beneficiário. Essa condição de intercambiar operações e poder garantir que uma pessoa possa ser atendida em qualquer rincão desse país pelo Sistema Unimed sem que aquela unidade conheça o beneficiário nem tenha nenhuma relação contratual com ela, é muito importante.
Isso permite que, nós em Umuarama, por exemplo, atendamos uma pessoa de Santarém, no Pará, ou de Manaus ou Curitiba e vice-versa.
SD: Ainda estamos enfrentando a pandemia de Covid-19 e não sabemos até quando ela vai permanecer. As demandas de saúde que foram postergadas por conta da Covid-19 preocupam o Sistema Unimed?
Eu tive a oportunidade de participar de um evento organizado pela Femipa e uma das questões que discutimos foi exatamente as consequências dessa pandemia prolongada. Ninguém imaginou que em setembro de 2021 nós estaríamos ainda usando máscara, álcool em gel e fazendo distanciamento. Este impacto inicial foi trazido de uma maneira muito forte pelos veículos de comunicação. Nós ficamos sabendo, antes de chegar a pandemia no Brasil, o que estava acontecendo na Itália e em outros países. Isso fez com que se tomassem medidas extremas de início e se cancelassem os serviços assistenciais eletivos. Se foi certo ou errado, o tempo vai dizer. Eu acho que muita coisa a gente fez certo e algumas coisas não precisavam ser feitas naquele momento.
Entrando no aspecto das demandas de saúde adiadas: muitas questões que vinham sendo aculturadas na população, com a promoção da saúde e prevenção de doenças se perderam. Vínhamos divulgando, monitorando e incentivando comportamento preventivo, mandando cartas para os nossos beneficiários, alertando o momento de voltar para consultas e checkups, mas com a pandemia, tivemos que parar tudo. Os exames foram cancelados, os serviços ficaram fechados, e isso trouxe uma queda do número de exames e procedimentos. Nós apresentamos esses dados no evento da Femipa, que aconteceu no mês de julho, e também no webinar Saúde Debate, no mês de agosto.
Um dos exemplos é a colonoscopia, um exame preventivo fantástico, para homens e mulheres. O médico vê com uma câmera de alta resolução tudo, se tem um pólipo ele já retira, o que também o torna um tratamento preventivo e não apenas um exame. O índice de colonoscopia entre nossos beneficiários caiu 33% em 2020. O que é muito. Também houve diminuição significativa de mamografias e biópsias.
Muitos exames preventivos estão voltando a ser feitos, mas ainda não atingiram o volume de 2019, por exemplo. Estamos acumulando um passivo e o eletivo de hoje vai ser a urgência de amanhã. O que mais me preocupa é a regressão na cultura de prevenção de doenças. E, pelo menos por enquanto, não temos a possibilidade de retomar esses projetos com força total, porque a pandemia permanece.
SD: As máscaras vieram para ficar? Vamos conviver com elas por muito tempo?
Sim, eu acho que as máscaras vieram para ficar, como também algumas condições de higiene, o uso álcool gel é uma delas. As pessoas também entenderam a importância da higiene das mãos. Acredito que isso tudo vai ficar aculturado na população porque o processo foi muito longo. Provavelmente as pessoas continuarão com as máscaras em viagens de avião, grandes aglomerações, filas; pois vão se lembrar da proteção.
SD: Apesar de ser uma cooperativa médica, a Unimed envolve outros profissionais?
Nos nossos estatutos está definido que a Unimed é uma cooperativa de trabalho médico, entretanto para atender a todas as necessidades que o atendimento em saúde impõe, precisamos de vários profissionais da área, como enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos e outros, pois hoje em dia esse trabalho é multiprofissional e todos são importantes para trazer um atendimento qualificado ao nosso beneficiário.
SD: Qual é o caminho de um profissional que queira se associar à Unimed?
Como princípio cooperativista, a adesão é livre e voluntária. Por questões de oferta e demanda, no entanto, muitas cooperativas abrem processo de seleção. O critério de abertura das vagas leva em conta o número de clientes e a necessidade de dar mais celeridade a consultas ou procedimentos de determinadas especialidades. Os interessados se inscrevem, recebem um roteiro de estudo e se submetem a uma prova, que normalmente acontece uma vez por ano. O exame não aborda conhecimento técnico, mas sim ética médica e cooperativismo.
SD: Quais são os maiores desafios do Sistema Unimed hoje?
Podemos dividir os desafios em atuais e perenes. Os desafios atuais estão relacionados à regulação do setor, que nos impõe regras e normas que não atendem à nossa natureza cooperativa; e relacionados ao mercado, hoje extremamente competitivo, capitalizado e constituído principalmente de players e financiamentos internacionais.
Os desafios perenes compreendem a manutenção de nossa reconhecida qualidade assistencial e nosso jeito de acolher e cuidar de nossos beneficiários, além da condição de oferecer trabalho adequado ao nosso médico cooperado com justa remuneração e adaptar essas condições às mudanças geracionais e culturais.
SD: O que considera ser o grande diferencial da Unimed?
O grande diferencial da Unimed é o fato de sermos uma sociedade cooperativa. Com seus valores e seus princípios, o cooperativismo médico nos ajuda a nos posicionar de modo que possamos preservar alguns pilares importantes da nossa profissão, como a própria ética e autonomia profissional, assim como o reforço ao zelo e excelência na prevenção e tratamento de doenças e a cultura do acolhimento e cuidado. Bases que nos ajudam na perenidade do nosso Sistema.
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