A pandemia de Covid-19 mexeu com todos os profissionais de saúde, e não foi diferente com os fonoaudiólogos. Um salto do atendimento presencial para o on-line, além dos desafios daqueles que atuam nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) com a reabilitação de pacientes. E sabemos como a infecção pelo coronavírus exigiu desses trabalhadores fisicamente e mentalmente.
Nesta entrevista à seção Paradigma do Saúde Debate, o presidente do Conselho Regional de Fonoaudiologia – 3ª região, Celso Santos Junior, conta como foi este processo para a fonoaudiologia durante a pandemia, como a entidade precisou se antecipar para ajudar e proteger os profissionais neste momento de crise, assim como firmar parcerias com outras instituições para dar respostas aos fonoaudiólogos.
Santos Junior também é doutor em Distúrbios da Comunicação, especialista em voz e atua na área de Voz e Disfagia. Por essa experiência e por exercer a função de presidente do Crefono 3, destaca que, para os profissionais da fonoaudiologia, ainda há muito trabalho a ser feito, em especial no atendimento a pacientes que ficaram com sequelas da Covid-19. “Precisamos agora estruturar o atendimento do pós-Covid”, salienta.
Confira a entrevista completa:
Saúde Debate – Como a pandemia afetou os profissionais da fonoaudiologia?
Celso Santos Junior – Foi um momento bem difícil para todos os profissionais da área da saúde de maneira geral. Para os fonoaudiólogos, aqueles que atuam diretamente em UTIs foram os mais impactados. Inicialmente, o que mais preocupou a equipe multidisciplinar foi a falta de EPI (equipamentos de proteção individual), além do tipo de EPI que deveria ser usado. Montamos um gabinete de crise e convidamos pessoas com expertise na área, sindicatos e o fórum dos conselhos da área da saúde para que pudéssemos tomar medidas. O objetivo era nos antecipar e, assim que o coronavírus chegasse ao Brasil, já termos um mínimo de estrutura para atender os fonoaudiólogos. Esse gabinete de crise foi fundamental.
Fizemos um croqui de como deveria ser a paramentação e os cuidados para o atendimento de pacientes com Covid 19. Percebemos que os profissionais estavam se contaminando, quando tiravam os EPIs. Isso era muito novo para alguns profissionais. Por isso, fizemos um passo a passo sobre como colocar e retirar a paramentação. Aos poucos, formos fazendo adaptações às normas, conforme foram surgindo, posteriormente, os protocolos oficiais.
Infelizmente, perdemos vários profissionais. Isso alarmou bastante. Chegou ao ponto de pessoas evitarem ir às UTIs com medo da contaminação ou de contaminar seus familiares.
No conselho, por exemplo, tivemos que nos adaptar até mesmo com a aquisição de notebooks para o trabalho remoto. Traçamos medidas para anteciparmos e, quando chegou, já estávamos estruturados. Foi bastante trabalhoso e exaustivo. Não paramos nesse período.
Além disso, tivemos de discutir como seriam os retornos e os atendimentos dos pacientes em diferentes áreas da fonoaudiologia. Seria impensável um atendimento de casos de linguagem, que precisam de feedback da articulação, com o uso da máscara. Surgiram muitas dúvidas e não tínhamos a regulamentação para o atendimento on-line. Esse tipo de atendimento começou para o acompanhamento de pacientes que tinham alta hospitalar depois da Covid-19. Posteriormente, veio a regulamentação e foi possível a telefonoaudiologia.
Sobre a fonoaudiologia durante a pandemia, foram diversas adaptações e evoluções nesse período. Elas vieram para ficar mesmo depois da pandemia?
Com certeza, vieram para ficar, pois o profissional consegue atender cidades que não têm fonoaudiologia. Isso possibilita que o atendimento chegue em locais que não imaginávamos anteriormente. A fiscalização on-line também evoluiu e permite um acompanhamento em todos os municípios. Hoje, de maneira on-line, conseguimos repassar as orientações de forma mais fácil.
A pandemia também mostrou a importância das entidades e dessa representatividade?
Essa parceria das entidades na área da saúde foi fundamental, especialmente quando começou a vacinação contra Covid-19 para os profissionais. Houve um contingenciamento das doses e foram indicados quais seriam os profissionais de linha de frente de atendimento para receber a imunização. Naquele momento, além dos profissionais de UTI, havia fonoaudiológicos atuando apenas nas enfermarias, com pacientes com Covid-19, até para evitar a contaminação cruzada. E esses não foram contemplados, mesmo atuando em hospitais. Isso foi causando uma série de transtornos.
Conseguimos articular com o fórum dos conselhos da área da saúde e montamos um cronograma que permitiu um atendimento mais rápido desses profissionais que estavam nos hospitais. O fórum foi uma forma de discutir as prioridades com a secretaria de saúde. Foi um período de angústia, porque não existia vacina para todo mundo. Depois, tivemos que enfrentar a falta de conversa entre os municípios. Entendíamos a situação em todos os lados, mas foi período um bastante estressante.
Depois de tudo isso, qual é desafio atual?
Precisamos agora estruturar o atendimento do pós-Covid. São muitos pacientes com sequelas. É necessário ter esse suporte. Um dos profissionais que vai trabalhar com esse paciente na reabilitação é o fonoaudiólogo. O paciente precisa desse atendimento no posto de saúde. Por isso, é preciso estruturar o serviço para que a população tenha acesso. As clínicas estão preparadas para esse atendimento pós-Covid, especialmente para as queixas respiratórias, articulação, fonação e para voltar a sentir os sabores.
A estrutura precisa ser montada e planejada também no SUS, em especial nos municípios. Ainda são iniciativas isoladas, sem um sistema formado. A lista de espera já era grande por distúrbios de linguagem e outros casos que precisam de acompanhamento constante. Agora existem as sequelas da Covid-19. Ou seja, exige uma reestruturação para o atendimento à população.
Em Curitiba, por meio da Câmara Municipal, conseguimos aprovar uma carta de solicitação à prefeitura para a contratação de mais fonoaudiólogos e isso está em andamento. O que foi uma vitória para todos nós. O município vê a necessidade da população e o projeto está encaminhado. Esse processo precisa acontecer nos demais municípios do Paraná e de Santa Catarina, em especial nas microrregiões, onde há maiores dificuldades para ofertar esses serviços.
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