
Modelos de prescrição farmacêutica por profissionais habilitados já são realidade em países como Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Sob regulação rigorosa, essa atuação tem foco na ampliação do acesso à saúde, na segurança do paciente e na redução da sobrecarga dos sistemas de saúde.
No Brasil, que soma mais de 400 mil farmacêuticos em atividade de acordo com o Conselho Federal de Farmácia (CFF) e 122 mil farmácias segundo levantamento feito pelo Sebrae a partir de dados da Receita Federal, a discussão expõe um embate de proporções superlativas entre categorias profissionais e impacto significativo para o setor de saúde.
Em março, o CFF publicou uma resolução que autoriza farmacêuticos a prescrever medicamentos, incluindo aqueles que exigem receita médica, os chamados “tarjados”, desde que observados protocolos técnicos previamente estabelecidos. Suspensa um mês depois por decisão liminar da Justiça Federal da 1ª Região que atende a uma ação movida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), a norma reforça práticas já previstas na legislação e nas diretrizes curriculares da profissão farmacêutica, conferindo maior clareza quanto às condições e limites da atuação clínica do farmacêutico em cenários como o acompanhamento terapêutico e a gestão farmacoterapêutica.
Ainda assim, o conteúdo da resolução permanece relevante no debate sobre os modelos assistenciais possíveis no sistema de saúde brasileiro, incluindo o setor suplementar. A norma reafirma o caráter assistencial das farmácias e seu papel como unidades de apoio à atenção primária, não apenas como locais de dispensação de medicamentos. Nesse sentido, pode contribuir para a reorganização de fluxos assistenciais e ampliar o acesso à orientação terapêutica em pontos de atenção mais próximos da população.
A regulamentação estabelece critérios técnicos para a atuação farmacêutica clínica, como a exigência de Registro de Qualificação de Especialista (RQE) para a prescrição de medicamentos sujeitos à prescrição médica, a vedação à prescrição de medicamentos controlados e a necessidade de implantação de protocolos clínicos auditáveis. Também implica em requisitos sanitários e estruturais, como o licenciamento adequado das farmácias, capacitação técnica específica e revisão das responsabilidades civis associadas à atividade prescritiva.
No contexto da saúde suplementar, a proposta surge em meio a desafios enfrentados por operadoras de planos de saúde na gestão de casos de baixa complexidade e na busca por maior eficiência assistencial. Modelos de cuidado que envolvam farmacêuticos qualificados podem ser considerados como alternativa complementar, desde que devidamente regulados, coordenados e integrados com outras esferas do cuidado. Já se observa, inclusive, um movimento inicial de parcerias entre farmácias e operadoras voltadas ao acompanhamento de pacientes crônicos e à adesão terapêutica, em linha com diretrizes da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que incentivam iniciativas baseadas em valor, cuidado coordenado e desfecho clínico.
Embora ainda envolva debates jurídicos e técnicos no Brasil, a discussão insere-se em uma tendência mais ampla de transformação do cuidado em saúde. Trata-se de um processo em curso, que exige análise criteriosa e ponderada, com vistas à construção de soluções que conciliem segurança, efetividade clínica, regulação adequada e sustentabilidade dos sistemas, inclusive na saúde suplementar.
*Aline Gonçalves Lourenço é sócia Regulatório do Bhering Cabral Advogados
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