Médicos intensivistas podem ser vítimas em potencial da Síndrome de Burnout

A cada dia que passa, os noticiários seguem mostrando o alto número de mortes pela Covid-19, os hospitais lotados e o sistema de saúde como um todo à beira de um colapso. Porém, um aspecto pouco comentado pela mídia neste momento tão difícil é o estado mental dos profissionais que atuam na linha de frente para atender toda essa demanda.

 

Sim, médicos, enfermeiros e demais membros da equipe que precisam dar conta de todo este trabalho podem estar colocando suas próprias vidas em risco e nem sabem disso. Porém, o PhD, neurocientista e neuropsicólogo Fabiano de Abreu observa que tal perigo não se confirma simplesmente pelo risco de se contaminarem com o coronavírus, pois “a verdade é que além desta possibilidade, existe um outro inimigo oculto e devastador que, neste caso, está causando exaustão física e emocional nestas pessoas: a Síndrome de Burnout”.

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Um levantamento sobre este tema foi feito pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), realizado com o suporte da Federação Mundial de Cuidados Críticos e Intensivos e em conjunto com outras sociedades. A pesquisa foi realizada em dois momentos, por meio de 41 perguntas, distribuídas pelo cadastro e mídias sociais da associação: 991 pessoas participaram na fase 1, em junho de 2020, e 1.345 na fase 2, em março de 2021. Com esses dados é possível analisar as percepções e preocupações entre os profissionais de saúde brasileiros que cuidam de pacientes com Covid-19 em estado grave, explica a AMIB.

 

Fabiano de Abreu alerta que os resultados deste levantamento são preocupantes: “No pico da Covid-19 no ano passado, 85% dos participantes da pesquisa já apontavam exaustão física e emocional. Este ano, 90% deles relatam ver colegas cansados. A AMB informa que chama a atenção o fato de que a taxa já era alta em 2020 em todas as regiões do país. Agora, cresceu ainda mais, o que prova que a situação é terrível e algo precisa ser feito imediatamente”.

“Aqueles profissionais que estão lutando arduamente para salvar vidas sofrem com as condições adversas, número enorme de pacientes, distância da família. Antes, a título de curiosidade, um médico em uma UTI, por exemplo, não podia cuidar de mais de 10 pacientes, hoje cuida de 15, 20, 25”, analisa o neurocientista. Além disso, quem atende nessa linha da frente são os denominados “intensivistas”. “E tal categoria conta com um número reduzido de profissionais. Por isso, aqueles que estão à disposição enfrentam longas jornadas de trabalho, sem ter direito a um descanso merecido para recuperar suas forças”, ressalta.

 

O resultado destes excessos, reforça Fabiano, é uma explosão de casos da Síndrome de Burnout. “Para quem não sabe, ela se define pelo seguinte: através das observações clínicas de Freudenberger, psicólogo alemão do início do século 20, chegou-se a sua descoberta, que vem da expressão em inglês “burn out” (ser consumido, queimado), que era usada para expressar uma exaustão emocional gradual, um cinismo e a ausência de comprometimento. Ou seja, ela se aplica perfeitamente para estes profissionais que estão cada vez mais chegando aos seus limites. E isso certamente vai trazer um grande prejuízo nos seus desempenhos físicos ou mentais”, explica o neurocientista.

 

Para piorar, esta síndrome pode vir acompanhada de alguns outros transtornos psiquiátricos, como a depressão. “Os efeitos dela podem prejudicar o profissional em três níveis, o individual (físico, mental, profissional e social), profissional (atendimento negligente e lento ao cliente, contato impessoal com colegas de trabalho e/ou pacientes/clientes) e organizacional, gerando conflito com os membros da equipe, rotatividade, levando ao absenteísmo”, sintetiza Fabiano de Abreu.

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Para ser diagnosticada, existem quatro concepções teóricas baseadas na possível etiologia da síndrome: clínica, sociopsicológica, organizacional, sócio-histórica. Os sintomas são exaustão emocional (EE), distanciamento afetivo (despersonalização – DE), baixa realização profissional (RP) e depressão.

 

“A exaustão emocional abrange sentimentos de desesperança, solidão, depressão, raiva, impaciência, irritabilidade, tensão, diminuição de empatia; sensação de baixa energia, fraqueza, preocupação; aumento da suscetibilidade para doenças, cefaleias, náuseas, tensão muscular, dor lombar ou cervical, distúrbios do sono. O distanciamento afetivo provoca a sensação de alienação em relação aos outros, sendo a presença destes muitas vezes desagradável e não desejada. Já a baixa realização profissional ou baixa satisfação com o trabalho pode ser descrita como uma sensação de que muito pouco tem sido alcançado e o que é realizado não tem valor. Ou seja, um quadro perfeito que retrata a triste realidade enfrentada pelos médicos intensivistas”, lamenta Abreu.

 

É possível reverter este quadro. Fabiano apresenta “alguns conselhos dentro do cognitivo e da minha experiência como filósofo que estuda resiliência e humanas. Por outro lado, todas as doenças e transtornos devem ser consultados por um profissional da área da saúde”. As dicas são:

 

1 – Faça o que realmente gosta. Caso não possa trabalhar somente com o que gosta, então busque o que tem de bom na sua profissão e aprenda a gostar do que faz, a ver o lado positivo acima do negativo.

2 – Se a rotina te afeta, então mude-a de vez em quando. Nem que seja algo simples como mudar a mesa de posição ou ver a vida em novos ângulos para ter uma visão diferente da rotina.

3 – Aproveite todos os momentos de folga para pensar em algo totalmente diferente. Principalmente coisas que te agradem.

4 – Crie metas de lazer. Trabalhe duro durante a semana sabendo que naquela determinada data vai tirar seu dia de folga ou aquelas férias no lugar que gosta ou com pessoas que te fazem sentir bem.

5 – Anote tudo em uma agenda para que não fique perdido e tenha facilidade de organizar seus afazeres.

6 – Não adianta querer fazer tudo ao mesmo tempo e nada sair direito. Organize suas tarefas com ordem de prioridade. Faça uma coisa de cada vez e faça bem feito.

7 – Organize seus horários e, mesmo que não consiga cumprir tudo à risca, pense que isso não é motivo para alarde. Não seja tão radical consigo mesmo.



8 – Não protele o que tem que fazer agora. Faça logo e bem feito, pois quando acabar, poderá gozar do alívio do dever cumprido.

9 – Se prenda de vez em quando as coisas que te agrada, eu por exemplo paro e fico olhando a natureza, mesmo que a natureza seja apenas uma árvore no caminho. Ou então um animalzinho de estimação.

10 – Esse é o mais importante. O controle. Tenha equilíbrio, medite, faça um autorreconhecimento e saiba onde se encontra o seu limite e busque maneiras para manter esse equilíbrio, e não deixar que o excesso de funções te deixe doente. Não se esqueça que temos apenas uma vida, então viva-a da melhor maneira possível.

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