Em épocas de pandemia, uma homenagem aos profissionais de saúde

“Nos momentos em que a necessidade dos médicos é altíssima, isto é, durante as grandes epidemias, eles estão mais expostos ao perigo”. Com essa frase, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche resume o papel dos profissionais da saúde em épocas como a nossa, em que o surto de uma doença extremamente infecciosa gera uma pandemia que afeta e ameaça a vida de milhares de pessoas.

Em tempos como esse que nos coube forçosamente viver, época de grande perigo e consternação, os profissionais da saúde são os primeiros a serem expostos, porque sua vocação é atuar nas fronteiras, lá onde a vida encontra-se em ameaça e os rostos humanos expressam medo e dor. É diante desse olhar sofrido do outro que médicos, enfermeiros e demais profissionais, ouvem o apelo mais profundo da humanidade, na sua hora mais verdadeira porque mais frágil. É ali, na sua vulnerabilidade, que essas pessoas vivenciam aquilo que Emanuel Lévinas, definiu como a epifania do rosto: “a verdadeira essência do homem apresenta-se no rosto” e é por meio dessa manifestação que recordamos as nossas obrigações diante dos outros.

É diante do enigma ético do rosto de seus pacientes, isolados e sozinhos em um leito, que tais profissionais realizam a sua vocação para o cuidado. Cuidar é responsabilizar-se pelos outros, cumprindo a faculdade, a disposição e a pré-ocupação com o outro, desse ofício apurado nas casas da dor e nos fundos do silêncio, lá onde há choro e ranger de dentes e onde poucos de nós gostaríamos ou teríamos coragem de estar. Por isso, as ciências da saúde, dão oportunidade para o exercício da responsabilidade: na manifestação do rosto, somos responsáveis por outrem sem esperar a recíproca, ainda que isso me viesse a custar a vida. No dicionário da ética, o nome disso é bondade.

Os médicos e enfermeiros, como nos lembra outro filósofo, Hans Jonas, têm como matéria da sua arte, um organismo vivo que não é um meio, mas um fim em si mesmo, algo que o torna pleno de dignidade. Diante do seu “objeto”, tais profissionais encontram-se diante de seus objetivos existenciais: cada paciente, não pela sua saúde, mas precisamente por sua doença, torna-se objeto de seu serviço. Foi a doença e o sofrimento que a acompanha, que expôs diante desse profissional, o rosto perdido e impotente daquele que não pode mais cuidar de si mesmo e, por isso, busca auxílio. No dicionário da ontologia, o nome disso é fragilidade.

Por isso, que tais profissionais sejam reverenciados. Seus conhecimentos devem ser respeitados e suas intervenções, objeto de confiança e crédito. Nas suas mãos, todos entregamos o que nos é mais caro, a nossa própria vida. Por isso, toda política de estado deve incentivar esse reconhecimento e favorecer essa confiança, a fim de contribuir para que o conhecimento, teórico e prático, seja incrementado, com verbas, oportunidades, salários adequados e, sobretudo, deferência e consideração. Afinal, a ação dos profissionais da saúde é uma arte baseada na ciência, uma arte cujo objeto é a cura, compreendida ao longo dos séculos como a devolução de um organismo ao seu estado natural – ou tão próximo a ele quanto possível.

É hora – agora como nunca – de homenagear quem tem o poder curativo. Se não ele, pelo menos o poder de aliviar as dores e oferecer consolo, cuja urgência é planetária. As cenas dessas pessoas dedicadas e, na maior parte, anônima por trás de suas máscaras e aventais, rodam o mundo que, atônito, compartilha com eles o mesmo drama. Cansados e, quase sempre, atuando em cenários devastadores, onde falta quase tudo, essa gente se arrisca em seu dom filantrópico que inspira e celebra o que, como humanos, temos de melhor: a capacidade de se compadecer diante da dor alheia.

Nessa época de escuridão, não há nada que substitua essa vocação: todos sabemos que, em caso de necessidade, eles estarão lá, à nossa espera. O reconhecimento da função social desses agentes é tão necessária quanto é a certeza de que a maioria de nós estará, cedo ou tarde, em suas mãos. Para que eles façam o seu melhor para todos – e inclusive para nós, quando chegar a nossa hora – que sejam valorizados e reconhecidos a todo tempo. Palmas e apitos para essa gente toda que celebra a essência humana com tanto empenho, dedicação e entusiasmo, apesar de todos os riscos e a despeito de muitos detratores.

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