Lições do desabastecimento

Mesmo com as dificuldades causadas pela paralisação dos caminhoneiros em maio, hospitais conseguiram manter os atendimentos de urgência e emergência, e apenas alguns procedimentos eletivos precisaram ser remarcados

No mês de maio, a greve dos caminhoneiros pegou os brasileiros de surpresa e a paralisação de 11 dias trouxe preocupação e alguns transtornos para a população, principalmente para as atividades que dependem do transporte rodoviário. Para se ter uma ideia do impacto da manifestação, o Ministério da Saúde avaliou que a greve causou um prejuízo de R$ 15,9 bilhões à economia do país. No caso dos hospitais, o momento de instabilidade fez com que algumas instituições optassem por adiar a realização de procedimentos eletivos, garantindo, assim, os atendimentos de urgência e emergência.

“Nenhum hospital está preparado para uma situação como essa. Foram quase duas semanas de parada nas entregas e nossas instituições, no geral, trabalham com estoque reduzido. Durante a greve, tivemos dificuldade com insumos, principalmente aqueles que não são necessariamente produtos hospitalares, como os produtos para higiene. Algumas cidades, especialmente no interior, diminuíram o número de cirurgias eletivas para poder garantir o atendimento de urgência e emergência. Isso é uma contingência que já fazemos quando enfrentamos alguma situação de risco. O importante é que a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) e a Defesa Civil nos deram todo o suporte”, avaliou Flaviano Feu Ventorim, presidente da Femipa.

No caso do Complexo Hospitalar Uopeccan, por exemplo, o hospital trabalha com o que é conhecido nas indústrias como “just in time”, ou seja, manter nas duas unidades – Cascavel e Umuarama – apenas aquilo que vai ser utilizado pelos próximos dias, e o prazo médio de estoque na instituição é de aproximadamente 20 dias. Luciano Maldonado Felipe, administrador do complexo, afirmou que o hospital já sofreu situações de desabastecimento e de problemas de fornecimento, mas foram dificuldades pontuais. Nesses casos, mesmo com estoque reduzido, com a margem de erro que a entidade trabalha, sempre foi possível driblar os desafios.

Quando isso não foi possível, como no caso da greve de caminhoneiros, o hospital acionou o plano de contingência, com o trabalho de um comitê de gestão de crise que envolve todos os principais supervisores e gerentes ligados aos abastecimentos dos mais variados tipos de insumos. Assim, o volume de estoques de todos os produtos era monitorado diariamente, bem como as possíveis entregas de materiais, e os gestores foram capazes de prever o impacto nas agendas de assistência, fazendo eventuais remarcações. No caso de produtos que poderiam ter desabastecimento, o hospital preferiu fazer a prorrogação de alguns atendimentos, focando nos procedimentos que eram urgentes. Para os itens essenciais, a instituição acionou as forças públicas, como a Polícia Rodoviária Federal, para que os caminhões fossem liberados para transportar a carga até os hospitais.

“Para a Uopeccan, o controle de estoque foi e é fundamental, pois, nesses momentos, a instituição consegue fazer uma gestão mais eficiente e clara do que está acontecendo e prever o que poderá ocorrer. Sem essas informações em mãos, a instituição acaba fazendo uma gestão no escuro e não tem segurança para tomar decisões, uma vez que desconhece as informações daquilo que tem dentro da sua unidade hospitalar”, afirmou.

Para Silvio Luis Cordeiro, gestor de Serviços de Apoio e Logística da Santa Casa de Maringá, assim como na Uopeccan, a greve dos caminhoneiros afetou diretamente os níveis dos estoques de segurança que a instituição mantinha. Porém, segundo ele, o planejamento realizado ao longo dos anos, baseado numa estratégia de identificação das necessidades, definição de volumes, demandas e custos e, principalmente, de logística de reabastecimento permitiu que a instituição, mesmo pega de surpresa com a paralisação, pudesse amenizar as consequências das suspensões e atrasos nas entregas de materiais, medicamentos e demais insumos que fazem parte da cadeia de suprimentos hospitalares.

Na avaliação do gestor, a atividade hospitalar, por sua complexidade, exige uma logística diferenciada, principalmente hoje, com a escassez de recursos. Nesse cenário, ele garante que a gestão de suprimentos é peça fundamental nas instituições, promovendo equalização de estoques frente às demandas e avaliação dos níveis de segurança para adequá-los às necessidades do hospital. Além disso, Cordeiro destaca que o planejamento também é primordial e deve levar em conta as variáveis internas e externas que podem influenciar diretamente no fluxo de atividades.

“Essa experiência, apesar de nos exigir maiores e mais apurados esforços, serviu como balizador das práticas e estratégias de abastecimento que adotamos. Nesse ponto, surgiram novas oportunidades para aprimorarmos aquelas situações que ainda não haviam sido previstas ou subestimadas. Além disso, não podemos esquecer que o potencial humano precisa estar bem desenvolvido e preparado, pois o planejamento, a estratégia e o suporte operacional devem sempre estar focados em objetivos bem delineados”, completou.