Gestão em tempos de Covid-19 – resultado estéril ou poesia delirante: eis a questão

Sábio algum arriscaria pensar que é possível gerenciar uma crise apenas de forma racional, como se o processo decisório fosse unilateralmente um ato concreto de decisões, sempre pautadas nos desígnios quantitativos passíveis de limitada interpretação (Racionalidade Limitada).

Em tempos de um ambiente MUVUCA (meaninful, universal, volatility, uncertainty, complexity and ambiguity), intensificado pela inédita vivência pandêmica de nossa atual geração, vale dedicar alguns minutos para a reflexão do denominado “Novo Normal”.

Esse novo tempo de redenção, embora trágico em suas circunstâncias, traz um novo marco à existência humana, onde os governos, empresas e pessoas têm a oportunidade de valorizar o elemento humano, como centro essencial do entendimento de suas ações, com um propósito maior do que a tentadora lógica e a necessária busca de performance de curto prazo.

Em um ponto de vista mais maturo e intrigante, o desafio de compreender as pessoas como atores centrais da gestão, nos tempos atuais, pode ser refletido de forma contemporânea, por meio da “poesia della vita” de Edgar Morin.

Ousando transferir a interpretação da “poesia della vita” para os livros, manuais e modelos de gerenciamento de crises clássicos, é possível compreender a prática da gestão como um rotineiro e complementar paradoxo entre a “poesia” e a “prosa”.

Na crise, a gestão, assim como a “prosa”, em seu caráter analítico e objetivo, é expressa pela rotina de design de cenários e tendências, pelo alinhamento de estratégias de controle e proteção do caixa, pelos indicadores de endividamento, rentabilidade, liquidez, EBITDA, atividade, fidelidade, canais, praças, logística, evasão, entre outros.

Pelos processos burocráticos do denominado departamento de Recursos Humanos, Compliance, Contabilidade ou do Jurídico. Pelas recentes e necessárias normativas da Lei de Proteção Geral de Dados (LGPD) ou pela atual Selic 2,25%, considerada uma grata realidade ao mercado brasileiro, ou as igualmente necessárias reformas tributárias e administrativa, cujo propósito é levar ao Estado o reconhecimento lógico de que é possível e necessário ter rotinas mais leves diante de um mercado e uma sociedade tão concorridos e dotados de mazelas essenciais.

Mas, não apenas de “prosa” se define a Gestão em tempos de crise. Ela também é formada pela “poesia”, por meio da materialização de características geralmente intangíveis, imaginativas, criativas e sentimentais. Na poesia, estão salvaguardados o propósito e o mistério existencial de um futuro incerto.

A real estratégia de uma entidade, física ou jurídica, deve perseverar a crença de que seu propósito tem sentido no tempo, somente se ele considerar o ser humano o centro de suas ações e planos, sobrevoando com nobreza a curiosa tentação de “apenas” acumular resultados ou dividendos em um intervalo de tempo, lógica da “prosa”, mas, em ver, na “poesia”, mistérios e desafios estratégicos, geralmente pautados no longo prazo.

Praticar gestão nos tempos atuais é se deparar, diariamente, com o intrigante e complementar paradoxo de Edgar Morin, respeitando o ponto de vista das extremidades, mas percebendo que entre a extrema esquerda e a extrema direita, há todos os outros pontos de vista. Entre acumular “resultados”, mas com a responsabilidade de preservar um propósito perene, estratégico e pautado nas relações e necessidades humanas, pois como diria um amigo e poeta Alagoano, resultado sem poesia é estéril; poesia sem resultado é delírio, afinal, temos muito ainda o que fazer uns pelos outros.

* June Cruz é Diretor Executivo da Província Marista Brasil Centro Sul e Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração e do Programa de Mestrado Profissional em Gestão Cooperativa da PUCPR. Doutor e Mestre em Administração Estratégica pela PUCPR, Pós Graduado em Contabilidade e Finanças pela UFPR e Graduado em Ciências Contábeis pela UNIFAE.

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