Exames em laboratório ou farmácia? O que muda na vida do paciente com revisão de RDC da Anvisa

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(Foto: Freepik)

O regulamento técnico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para realização de exames clínicos em laboratórios visa garantir a qualidade e segurança dos exames feitos em laboratórios em todo Brasil. Conforme detalhado no site da Agência, o instrumento normativo utilizado para regular as atividades relacionadas à vigilância sanitária no Brasil, a RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) tem o objetivo de estabelecer requisitos técnicos e regulatórios para a produção, distribuição, comercialização e uso de produtos e serviços de saúde.

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Contudo, há cerca de 18 anos, a RDC de número 302, resolução que estabelece as diretrizes e requisitos mínimos para o funcionamento de laboratórios clínicos no Brasil não passava por uma revisão. Em 2019, a Anvisa iniciou um processo visando atualizar e tornar a RDC 302 mais adequada à realidade dos laboratórios clínicos e dos avanços tecnológicos. Na avaliação de Fábio Vasconcellos Brazão, presidente da SBPC/ML, a normativa, que foi publicada em outubro de 2005, representou um marco regulatório importante na história do funcionamento e regulamentação dos laboratórios clínicos, uma vez que trazia o detalhamento sobre as responsabilidades técnicas e organizacionais dos laboratórios, sobre equipamentos, qualidade dos exames, descartes de resíduos etc. A sua revisão, porém, era ansiada pela comunidade laboratorial brasileira. Isto porque a RDC 302 se mostrava desatualizada em relação a muitas metodologias que avançaram após a sua publicação.

Entre as principais propostas de revisão estão: a simplificação de alguns requisitos, a atualização dos critérios de qualidade, a ampliação das atividades permitidas nos laboratórios, a redução dos custos regulatórios e o fortalecimento da fiscalização e do controle de qualidade. Um dos pontos discutidos na revisão é, também, a possibilidade de farmácias realizarem exames laboratoriais de baixa complexidade, como testes rápidos para detecção de doenças como HIV, dengue, zika e chikungunya, além de exames de glicemia e aferição de pressão arterial, por exemplo.

Para Wilson Shcolnik, patologista clínico, presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), e diretor da SBPC/ML o grande desafio será exercer rígida fiscalização para assegurar o respeito à nova normativa quando ela for implementada.

A Anvisa realizou uma consulta pública sobre o assunto em 2020 e, desde então, tem trabalhado na análise das contribuições recebidas e na elaboração de uma nova versão da norma. Até o fechamento desta reportagem em abril, a análise e a deliberação de uma nova resolução sobre funcionamento de laboratórios clínicos, que esteve em discussão na Anvisa por longo período, ainda não tinha sido divulgada.

A SBPC/ML tem buscado interlocução direta com a Anvisa sobre esta questão. Segundo o presidente da Sociedade, o objetivo é contribuir com a nova norma e, principalmente, demonstrar os aspectos de segurança e controle na realização dos exames laboratoriais, que deverão vir em primeiro plano.

Segurança em primeiro lugar 

O presidente da SBPC/ ML explica que os exames laboratoriais sempre foram feitos em laboratórios por conta de toda a estrutura que há por trás. Ele detalha que a regra de ouro é ter bons equipamentos e equipes especializadas em coleta, atendimento e análise. Também é necessário treinamento e um sistema de informática de laboratório onde seja possível encaixar as três fases (pré-analítica, analítica e pós-analítica). “Qualidade do exame e segurança dos pacientes são os pré-requisitos básicos que devem ser observados e os laboratórios oferecem essas garantias”, assegura Brazão. O presidente da SBPC/ML detalha, ainda, que a abrangência do laboratório vai desde o preparo do paciente fornecendo as indicações sobre o que precisa ser evitado para não alterar o exame, passando pela coleta do material e pelo sistema de controle e segurança, que utiliza etiquetas com códigos de barras no material coletado.

Os laboratórios no Brasil também são incentivados a passar pelo processo de Acreditação Laboratorial que confere ainda mais segurança. Auditores do Programa de Acreditação de Laboratórios Clínico (PALC) da SBPC/ML visitam periodicamente os estabelecimentos. A acreditação tem como objetivo principal garantir a qualidade dos serviços prestados pelos laboratórios clínicos, contribuindo para a melhoria da saúde e bem-estar dos pacientes.

“Na pandemia da Covid-19, o cenário daquele momento obrigou que, emergencialmente, testes rápidos fossem feitos em farmácias. Contudo, é preciso analisar com bastante cuidado a ampliação dos exames laboratoriais em geral fora dos laboratórios. Até mesmo em casos de suspeita da Covid-19, atualmente muitos pacientes precisam de uma dupla checagem para obter um resultado mais assertivo, o que onera o custo do exame”, avalia Brazão.

Na avaliação de Wilson Shcolnik, presidente do Conselho da Abramed, os exames realizados no ambiente controlado de um laboratório clínico implicam na oferta de infraestrutura apropriada, equipamentos automatizados, pessoal capacitado e treinado para execução das boas práticas laboratoriais definidas internacionalmente e amplamente utilizadas em laboratórios brasileiros. O resultado desse conjunto de atributos é a confiabilidade das informações contidas nos laudos dos exames. Já os exames realizados fora de laboratórios terão sua confiabilidade dependente do profissional que os executa e do respeito às boas práticas, incluindo a utilização de ferramentas como o controle de qualidade analítico. “Os resultados de exames laboratoriais servem para orientar e subsidiar muitas decisões médicas, que ocorrem sobre promoção, prevenção, diagnóstico ou gerenciamento de tratamentos de doenças. Assim, caso sejam realizados sem os devidos cuidados e por profissionais não capacitados, poderão produzir resultados errados, levando a decisões equivocadas e colocando em risco a segurança dos pacientes”, destaca Shcolnik.

Segundo a patologista clínica e conselheira do CFM, Natasha Slhessarenko, cerca de 70% da tomada de decisão médica é baseada em resultados de exames laboratoriais. Por isso é muito importante garantir a qualidade, segurança e rastreabilidade para que o resultado do exame seja de confiança e contribua para o melhor diagnóstico e atendimento do paciente. Natasha explica que os profissionais de patologia clínica estão há décadas se especializando em todas as fases que compõem um exame (pré-analítica, analítica e pós-analítica). Além disso, os laboratórios em todo Brasil, sejam eles acreditados ou certificados por selos de qualidade, desde a implementação da RDC 302, desenvolveram processos de alta performance que foram aperfeiçoando ao longo dos anos.“Isto garantiu uma melhora substancial na qualidade dos serviços prestados pelos laboratórios que resultam em mais segurança e diagnósticos precisos”, avalia Natasha e completa: “Um exame, por mais simples que possa parecer, passa por diversas etapas. Da preparação do paciente, coleta dentro dos rigores da qualidade, centrifugação e preparo das amostras, conservação e transporte dos tubos de coleta de materiais; calibração das máquinas; análises e verificação de inconsistência. Todo esse processo é necessário para um diagnóstico de confiança. Ou seja, nos laboratórios há um ambiente extremamente preparado e controlado. Por isso, há uma certa preocupação em relação à realização de exames fora dos laboratórios”, diz a conselheira do CFM.

Outros pontos importantes, destacados por Natasha, que devem ser observados pelo paciente quando o exame é feito fora do ambiente laboratorial englobam: levar em consideração como foi coletado o material, se corresponde ao exame daquela pessoa mesmo, como se garante a rastreabilidade, como estava o preparo do paciente, em qual tubo o material foi coletado, em quais condições foi acondicionado e transportado, a máquina passou por controle de qualidade, se foi aprovada, se não há nenhum desvio do controle, da calibração etc. “São todos esses passos que envolvem os exames laboratoriais. Também o processo da análise, laudo e interpretação são determinantes para obtenção do diagnóstico correto”, explica Natasha.

A importância da mobilização 

Na avaliação de Fábio Vasconcellos Brazão, presidente da SBPC/ML, é importante destacar o papel crucial desempenhado pelas sociedades de laboratórios, em especial o protagonismo da SBPC/ML. “É encorajador ver que as vozes dessas sociedades estão sendo ouvidas e que o diálogo em torno da RDC avançou. Através dessa articulação conjunta, demonstramos a capacidade dos laboratórios no país de atender às demandas reprimidas”, avalia Brazão.

Para o presidente da SBPC/ML é essencial que os laboratórios continuem a conscientizar a população sobre a importância de realizar exames em ambiente laboratorial. “O papel dos laboratórios vai além da coleta de amostras e realização de testes, pois eles também são responsáveis por fornecer informações e educação para a saúde da população. Os laboratórios têm o conhecimento e a expertise necessários para garantir a precisão e a confiabilidade dos resultados dos exames, além de oferecer orientação sobre a importância da prevenção, detecção e tratamento de doenças”, conclui Brazão.

O que diz a legislação em todo mundo

A legislação em todo o mundo relativa aos exames clínicos laboratoriais nas farmácias varia conforme o país e a sua regulamentação. No entanto, em geral, as farmácias não estão autorizadas a realizar exames laboratoriais. Nos Estados Unidos, por exemplo, alguns estados autorizaram as farmácias a realizarem apenas alguns procedimentos diagnósticos, como pressão arterial e colesterol. Em algumas regiões nos EUA, também, são fornecidos certos tipos de serviços clínicos como vacinas, gestão de medicamentos e testes rápidos para verificação de colesterol elevado e verificação de estreptococo de garganta. No Reino Unido, algumas farmácias oferecem serviços limitados como a monitorização da pressão arterial e os testes de colesterol, mas estes são normalmente feitos em parceria com prestadores de cuidados de saúde locais e não são considerados exames clínicos completos. Em alguns países, como França e Espanha, as farmácias estão autorizadas a realizar testes de diagnóstico rápido para certas condições como a gripe e os estreptococos. Contudo, estes testes são tipicamente realizados sob a supervisão de profissional de saúde, também, não caracterizando exames clínicos completos. Na União Europeia e na Austrália, as farmácias não estão autorizadas a realizar exames laboratoriais, exceto para testes rápidos específicos aprovados pela legislação nacional, como o de gravidez. No Canadá, as farmácias não realizam exames laboratoriais, mas estão autorizadas a oferecer certos tipos de serviços de saúde, tais como a gestão de medicamentos e a vacinação. É importante notar que as leis e regulamentos relativos a exames laboratoriais em farmácias podem variar muito entre países e mesmo dentro de cada país.

*Matéria originalmente publicada na Revista Medicina Laboratorial, da SBPC/ML. 

*Informações Assessoria de Imprensa

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