Onde as mulheres se perderam e deixaram que as colocassem em um lugar secundário? Vivemos em pé de igualdade com homens? Ou realmente começamos a andar mais devagar em algum momento?
Não há muitos registros, quase nada em relação ao período pré-histórico, o que temos de mais concreto são analogias e projeções construídas com base em estudos e informações indiretas. Mas, tendo em conta o que temos de registros de outras épocas, presume-se que naquela época não havia uma organização familiar, não havia propriedade, não havia divisão de tarefas, não havia ambientes públicos e privados. Portanto, não havia desigualdade. (ALAMBERT, 2004, p. 27)
Contudo, como dito, pela análise de dados da pré-história, analogias e nossas projeções (BADINTER, 1986, p. 20), presume-se que, ainda que sem organização e determinação de tarefas, a mulher provavelmente já desempenhava funções essencialmente domésticas por conta da maternidade, mas também desempenhava outras atividades. As mulheres também buscavam o alimento, não havia disputa de poder, mas somente a luta de todos por sobrevivência.
Depois, com a revolução da agricultura, na qual se descobriu o trigo e o homem passou a cultivar o seu alimento, não precisava mais se deslocar para ter comida, passou a ter um local fixo para morar. As mulheres passaram a participar ativamente do plantio, cultivo e colheita do alimento, bem como dos cuidados com animais, dividindo com o homem as tarefas e a função de sobrevivência. Já se estabelecia a família.
No entanto, o homem, com essa nova realidade, foi adquirindo mais destaque com o domínio dos afazeres com os animais, a agricultura e com o apoio agora dos escravos, estes que substituíram a mulher no auxílio com os afazeres com a agricultura. A mulher foi a cada dia sendo afastada das tarefas que realizava em conjunto com o homem e relegada às tarefas domésticas. O homem que antes buscava o alimento para a família, mas o suficiente para o dia (com a caça), agora domina aquelas atividades que rendem lucros e, portanto, gera riquezas.
Friedrich Engels em sua obra “A origem da família, da Propriedade Privada e do Estado” (2009, p. 72-73) esclarece que várias foram as etapas da formação da família, sendo que nas primeiras prevaleceu o direito materno, a família matriarcal[1], o que foi, com o tempo, substituído pelo direito paterno e a família patriarcal, essencialmente em razão das alterações no cotidiano da família pré-monogâmica, esta que surgiu entre o estado selvagem e a barbárie, e onde, em resumo, agora havia acúmulo de riquezas e a conversão dessas riquezas em propriedade particular, com a domesticação de animais, a agricultura e a escravidão.
“Dessa forma, à medida que as riquezas iam aumentando, por um lado conferiam ao homem uma posição mais importante que aquela da mulher na família e, por outro lado, faziam com que nele surgisse a ideia de valer-se dessa vantagem para modificar, em favor dos filhos, a ordem tradicional da herança. (ENGELS, 2009, p. 73)
O que houve no decorrer de muitos séculos foi que a organização da família, o desenvolvimento da agricultura e a descoberta de novas ferramentas, bem como a atenção à natureza e às suas manifestações, o que trouxe um maior controle, e quem sempre esteve disponível para sentir, ver e se utilizar desses avanços foi o homem, a mulher foi se entregando a maternidade, que diferente do que vemos hoje, não tinha controle. E isso não teve um momento exato, foi se estabelecendo.
Mas o que importa é que mesmo que as condições do momento tenham levado a esse domínio masculino, o que não se pode aceitar é que isso permaneça. Não vivemos mais em um mundo que não permite a mulher ser independente, profissional, mãe e esposa, ou o que ela quiser, na ordem e no momento que quiser. Temos todas as condições de estar ao lado dos homens, em qualquer situação, e ainda assim exercermos a maternidade quando quisermos e se quisermos.
Não é possível admitir que ainda somos cobradas a ter um comportamento pré-histórico, como se vivêssemos dependentes da busca do alimento do dia. Não. O mundo mudou, mas muita gente ainda funciona como na pré-história. Precisamos retomar a rota, ou melhor, tirar as obstáculos da rota, já que estamos aceleradas demais.
Referências:
· ALAMBERT, Zuleika. A mulher na história. In: A história da mulher. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira/FAP: Abaré, 2004.
· BADINTER, Elizabeth. Um é o Outro; relações entre homens e mulheres. Tradução Carlota Gomes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
· ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 3 ed. São Paulo. Editora Escala, 2009.
· MAGALHÃES, V.T., Mulheres – Iguais na Diferença. 1 ed. Rio de Janeiro/RJ: Lumen Juris, 2018. V. 01.
* Em caso de necessidade própria ou de outra mulher que esteja passando por qualquer tipo de violência, entre em contato com a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180.
Este é um canal de atendimento telefônico, com foco no acolhimento, na orientação e no encaminhamento para os diversos serviços da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres em todo o Brasil. As ligações para o número 180 podem ser feitas de qualquer aparelho telefônico, móvel (celular) ou fixo, particular ou público. O serviço funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, aos finais de semana e feriados inclusive.
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* Viviane Teles de Magalhães Araújo é advogada, com atuação no mercado corporativo nas áreas cível e trabalhista; Mestra em Direito (Direitos Fundamentais Coletivos e Difusos) pela Universidade Metodista de Piracicaba, Especialista em Direitos Humanos e Questão Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná e em em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Autora do livro “Mulheres – Iguais na Diferença” (ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris 2018) e do artigo “A igualdade de direitos entre os gêneros e os limites impostos pelo mercado de trabalho à ascensão profissional das mulheres. (25 ed.Florianópolis: CONPEDI, 2016, v. , p. 327-342), além de colunista do Saúde Debate
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