Ainda vivemos um tempo difícil em relação à pandemia de Covid-19, há mais de 1 ano e meio parece que vivemos um pesadelo sem fim e para muitas pessoas esse pesadelo tem se mostrado pior.
Recente estudo do Fundo Brasileiro de Segurança Pública revelou dados e números alarmantes em relação à condição da mulher dentro desse contexto da pandemia. Infelizmente o que já era difícil, se agravou. A situação em relação à violência doméstica e institucional se intensificou, mulheres são agredidas e assediadas em todos os ambientes possíveis.
Assim é que, nos últimos 12 meses, uma em cada quatro mulheres sofreu algum tipo de agressão no Brasil, o que significa, em números, mais de 17 milhões de mulheres vítimas de violência, agressões, insultos, humilhações e xingamentos, tanto em casa como na rua e no trabalho.
No trabalho, por exemplo, 12,8% das mulheres são assediadas sexualmente por colegas e superiores. Esse número é muito alto, já que esse tipo de conduta por parte das pessoas que dividem conosco o ambiente de trabalho é totalmente reprovável e inaceitável e, portanto, o número deveria ser igual a zero.
Contudo, o que mais se evidenciou nesse período pandêmico foi a violência doméstica, esta que se intensificou pela convivência aumentada pelo trabalho em home office ou mesmo pelo desemprego. Mulheres ficaram bem mais expostas a pessoas com quem convivem, na maioria dos casos, seus companheiros, o que levou a um dado também alarmante, o índice de mulheres que deixou de procurar ajuda, de registrar formalmente a agressão que sofreram, ou seja, 45% delas.
Esse dado é importante, já que essas mulheres que estão expostas a violência dentro de casa e a pessoas de seu convívio diário, se viram “encarceradas”, presas junto a seus agressores, constrangidas pela sua presença constante e se veem limitadas de fazer uma simples ligação telefônica ou ir até uma autoridade responsável.
Por outro lado, é importante destacar, que pelo funcionamento equivocado e culturalmente prejudicado da sociedade em que vivemos, essas mulheres são vítimas de todos, até mesmo dos mais próximos. A sociedade cobra delas o suporte, tanto no sentido de apoio como no sentido de arrimo, ou seja, ela deve cuidar de tudo e de todos, e ainda, aguentar o peso, seja ele qual for, sem reclamar. A mulher deve servir e se calar. Do contrário, na maioria dos casos, ela sofre as consequências, em inúmeros graus, da agressão verbal até a morte.
Nesse momento específico, ações direcionadas a prevenir e/ou limitar a violência contra a mulher deveriam ter sido implementadas como medidas de urgência.
Por recomendação da ONU – Organização das Nações Unidas, algumas medidas de enfrentamento foram colocadas para que os países adotassem em relação à violência doméstica . São elas:
1. Criação de abrigos temporários para vítimas de violência de gênero.
2. Estabelecimento de serviços de alerta de emergências em supermercados e farmácias.
3. Maiores investimentos em serviços de atendimento online.
4. Maiores investimentos em organizações da sociedade civil.
5. Declaração de abrigos e serviços de atendimento à mulher como essenciais.
Dentre as medidas acima, o Brasil adotou apenas uma, ou seja, investiu nos serviços de atendimento online, que já era um serviço em funcionamento, mas que não é suficiente dentro do contexto da pandemia e do crescente índice de agressões e feminicídios ocorridos nesse período.
Enfim, infelizmente o Brasil, ao contrário da França, por exemplo, que adotou quatro das cinco medidas de enfrentamento, não colocou como prioridade essa questão, assim como não coloca no dia a dia. Como dito anteriormente, a questão do preconceito, da dificuldade da mulher em conviver com a cultura equivocada e em uma sociedade que ainda engatinha em termos de igualdade, dificulta muito a sua ascensão profissional, sua liberdade de escolha e, principalmente, a expõe sobremaneira a inacreditáveis episódios de violência.
O cuidado, a consciência e a ação são as armas que temos para seguir buscando por mais dignidade, que possamos exercer nossa humanidade de forma plena em qualquer contexto ou situação. E é assim que devemos seguir, buscando justiça e proteção. Ainda que sejam limitadas nossas possibilidades, buscar e não desistir pode ajudar.
“Trata-se da afirmação da posição especial da pessoa humana no mundo, que a distingue dos outros seres vivos e das coisas. As coisas têm preço, mas as pessoas têm dignidade, um valor que não tem preço. A inteligência, a sensibilidade e a capacidade de comunicação (pela palavra, pela arte, pelos gestos, pelo olhar ou por expressões fisionômicas) são atributos únicos que servem para dar-lhes essa condição singular.” (Luiz Roberto Barroso)
* Em caso de necessidade própria ou de outra mulher que esteja passando por qualquer tipo de violência, entre em contato com a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180.
Este é um canal de atendimento telefônico, com foco no acolhimento, na orientação e no encaminhamento para os diversos serviços da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres em todo o Brasil. As ligações para o número 180 podem ser feitas de qualquer aparelho telefônico, móvel (celular) ou fixo, particular ou público. O serviço funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, aos finais de semana e feriados inclusive.
REFERÊNCIAS:
· BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 9 ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020 – pág. 247.
· FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA – ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA 2020 – Disponível em: https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/. Acesso em: 23.06.2021.
* Viviane Teles de Magalhães Araújo é advogada com atuação no mercado corporativo nas áreas cível e trabalhista; Mestra em Direito (Direitos Fundamentais Coletivos e Difusos), Especialista em Direitos Humanos e Questão Social, MBA em Direito Empresarial, Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Autora do livro “Mulheres – Iguais na Diferença” e do artigo “A igualdade de direitos entre os gêneros e os limites impostos pelo mercado de trabalho à ascensão profissional das mulheres”, além de colunista do Saúde Debate
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