A responsabilidade é a melhor forma de recompensar os voluntários das vacinas contra a Covid-19

Muito se fala, nesses dias, da urgência da vacina contra a Covid-19. A pandemia, que já matou mais de 830 mil pessoas no mundo, 119 mil só no Brasil, exige urgência nas pesquisas que levem à descoberta de um antídoto capaz de forçar a formação de anticorpos que levem à proteção diante do vírus. O cenário, que conjuga o número alto de mortos e infectados e a pressa nas pesquisas, faz emergir desafios éticos sérios quanto à responsabilidade das empresas, governos e universidades diante daqueles que, nesse momento, estão sendo voluntários das pesquisas.

Diferentemente do que ocorre em outras áreas, no caso da saúde, a metodologia de conquista de saberes passa pelos experimentos com seres vivos, que são convertidos em objetos para investigação. Ora, diferente do também ocorre em áreas como mecânica ou informática, caso alguma coisa dê errado, não é possível simplesmente desligar o motor e desmontar as suas peças. No caso das pesquisas da medicina, o ser vivo (seja ele um animal ou um ser humano) usado para fazer o conhecimento avançar, não pode ser descartado. Isso implica, portanto, questões de consciência e exigem daqueles que coordenam as pesquisas uma elevada responsabilidade, porque, nesse caso, não é uma cópia, mas o próprio original que está sendo usado.

O filósofo alemão Hans Jonas chamou isso, no seu livro de 1985, Técnica, medicina e ética, de quebra da “cômoda diferença entre experimento não vinculante e fato vinculante”, para demonstrar que, nesses casos, o experimento pode alterar de forma decisiva e irrevogável a vida dos sujeitos envolvidos. Em outras palavras, quando se trata do experimento com pessoas ou com animais, estamos diante de um “fato vinculante”, ou seja, da obrigação da responsabilidade do profissional (e das instituições que ele representa) em relação ao ser humano objeto do experimento. Esse “fato vinculante” mostra que estamos diante de um experimento que pode comprometer e vincular definitivamente o profissional da saúde e o aquele sobe o qual se aplica o procedimento de pesquisa. Trata-se, portanto, de perguntar, sobre o conflito que nasce do risco e do perigo da pesquisa, em relação à dignidade e ao princípio da inviolabilidade da vida.

No caso da vacina contra a Covid-19, é preciso garantir que todos os processos de verificação sejam levados a cabo sem prejuízo da responsabilidade, mesmo diante da urgência imposta pela gravidade da doença. Em outros termos, nenhuma pesquisa deve ser realizada e nenhuma vacina deve ser disponibilizada para o grande público sem que se tenha certeza quais são os seus reais benefícios e sem que todos os possíveis efeitos colaterais sejam descritos. Nesse caso, como em nenhum outro, a pressa pode ser a maior inimiga da perfeição.

Sendo assim, é preciso que os voluntários envolvidos nesses testes tenham garantia de serem tratados de forma responsável, o que significa não serem reduzidos a um mero objeto, caso simulado ou cobaia. Nessas circunstâncias, “a ocasião é real, não fictícia” e o voluntário é um sujeito atuante e não um mero objeto da pesquisa. Ao assentimento formal do voluntário deve ser acrescentado o compromisso de responsabilidade dos profissionais da saúde, um compromisso ético contra a coisificação dos sujeitos.

Nas pesquisas médicas, nenhum bem comum e nenhum benefício geral, estão acima da dignidade e do princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. O profissional da saúde, ao mesmo tempo que tem um compromisso com a sociedade de fazer avançar as pesquisas científicas, deve proteger e dar segurança aos direitos do indivíduo envolvido nessas pesquisas, fazendo de tudo para evitar efeitos colaterais e estando radicalmente disponível para trata-los, caso apareçam. A difícil equação entre os interesses do indivíduo e os da sociedade, deve ser resolvida, sempre, em benefício do paciente.

Agora que inúmeros voluntários estão testando as novas vacinas, precisamos ter consciência de que o único modo de recompensar a sua disposição e altruísmo é com seriedade, respeito e, sobretudo, responsabilidade. 

Confira aqui outras colunas de Jelson Oliveira

<

p class=”ql-align-justify”>Conheça também os demais colunistas do portal Saúde Debate. Acesse aqui