No momento COVID, muitos conceitos e conclusões aparentam serem confusos e contraditórios. Medicações, profilaxias e resultados são divergentes dependendo da fonte utilizada. Notamos que a pseudomedicina, revestida da aparente ‘base em evidências’, ao ter conteúdo divulgado em mídias sociais, somado à interpretação popular, resulta em controversas indicações terapêuticas e constitui em desserviço à população. Isso frequentemente pode ser associado à inocência de quem não tem a formação para compreender dados técnicos e a tradução ao gosto do entendimento individual.
O fenômeno, também pode estar presente entre profissionais de saúde quando não há a devida formação para avaliar e julgar a procedência da fonte, bem como o nível de evidência científica de estudos. Os próprios artigos científicos aparecem com conclusões opostas. Neste panorama, muitas pessoas assumem um lado e passam a ser paladinos na defesa do que acreditam, mesmo se não há uma conclusão devidamente estabelecida. Além dos inocentes, é possível haver também indivíduos que, mesmo sabendo que não há nada comprovado, defendem uma posição que pode ser motivada por interesses subjacentes, sejam de ordem política, econômica ou pessoal.
Ao partir de premissas verdadeiras pode-se chegar a conclusões falsas. Este conceito na filosofia é denominado de sofisma. O sofisma, é definido em dicionário (1): “argumento ou raciocínio concebido com o objetivo de produzir a ilusão da verdade, que, embora simule um acordo com as regras da lógica, apresenta, na realidade, uma estrutura interna inconsistente, incorreta e deliberadamente enganosa”. Pela Enciclopédia jurídica (2) o termo relaciona-se a um “Argumento aparentemente válido, na realidade não conclusivo, mas que se apresenta como resultante das regras formais do raciocínio; supõe má-fé por parte de quem o apresenta; falácia, silogismo, controvérsia, disputa, engano, logro, burla, tapeação”. Pode ser muito apropriado ter estes conceitos no momento atual.
Arthur Schopenhauer, na obra “A arte de ter Razão”, tem conceitos extremamente aplicáveis para o momento. Discorre sobre 38 formas de obter sucesso argumentativo, independente de ser verdadeiro, sem parecer contraditório (2). “Oculte a sua conclusão do seu oponente até o último momento. Semeie suas premissas aqui e ali durante a conversa. Faça com que o seu oponente concorde com elas em nenhuma ordem definida. Por essa rota oblíqua você oculta o seu objetivo até que tenha obtido do oponente todas as admissões necessárias para atingir o seu objetivo”. A partir desta lógica, o emissor de opiniões tem clareza da incerteza ou inadequação do que defende, mas deliberadamente induz o público a ser direcionado a conclusão que deseja.
Vários artigos científicos relacionam diferentes profilaxias como possível defesa à COVID sendo mediada por mecanismos de ação variáveis. Entretanto, apenas considerar resultados sem considerar o nível de qualidade metodológica dos artigos pode levar a conclusões que não são as mais precisas. Os melhores resultados podem não ser necessariamente decorrentes da profilaxia, podendo ocorrer por outras circunstâncias, como viés de confusão próprios de falhas metodológicas. Estes equívocos podem passar despercebidos por profissionais de saúde e, inclusive, por corpo editorial de revistas científicas. Admitir que seriam identificados pela população geral ou grande mídia é utópico.
Outra forma de confusão, mais superficial, tem relação com o princípio do silogismo. Parte-se de duas premissas verdadeiras para correlacionar a uma conclusão falsa. Por exemplo: A COVID é causada por vírus. O Vírus, de via respiratória alta, em geral, não leva a morte. Assim, a COVID não leva à morte. Outro exemplo: Há doenças infecciosas que são tratadas por albendazol. A COVID é uma doença infecciosa. Logo, a COVID é tratada por albendazol. Por mais absurdo que pareça, o silogismo tem ocorrido em diversas situações relativas à COVID e pessoas estão tomando algumas colocações silogistas como verdadeiras e as defendendo e divulgando.
Em tempos de COVID, de grande incerteza, muitas vezes o mais sensato é não se pronunciar sobre assuntos polêmicos enquanto não houver evidências aceitáveis. Infelizmente o que vem ocorrendo é o cenário que de um lado está a população ávida por informações e com muita esperança, de outro os canais de informação dispostos a divulgar terapêuticas de salvação. Ponderar sobre as notícias sempre foi importante. Agora ainda mais.
Fontes disponíveis em:
1- https://www.google.com/search?q=sofisma+defini%C3%A7ao&rlz=1C1GCEU_pt-BRBR917BR917&oq=sofisma+defini%C3%A7ao&aqs=chrome..69i57j0.4542j1j4&sourceid=chrome&ie=UTF-8
2- http://www.enciclopedia-juridica.com/pt/d/sofisma/sofisma.htm
3- https://coaching4u.wordpress.com/2010/08/27/a-arte-de-ter-razao-resumo-dos-38-estratagemas-de-schopenhauer/
*Guilherme Murta é especialista em Medicina do Trabalho pela AMB/CFM. Mestre em Ensino nas Ciências da Saúde. Membro do Grupo de Diretrizes da ANAMT, Ex-Presidente da APAMT. Autor de capítulos de livros e artigos de saúde e segurança do trabalho. Professor no MBA Executivo na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Especialização de Medicina do Trabalho UFPR. Professor no curso de extensão de Saúde Corporativa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Experiência em saúde e segurança do trabalho em empresas de grande porte como Renault do Brasil, Volvo, SESI, Complexo Pequeno Príncipe e Grupo Marista.
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