Atualização da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT) e suas repercussões

Doenças Relacionadas ao Trabalho
(Foto: Pressfoto / Freepik)

Recentemente houve a atualização da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), através da Portaria GM/MS Nº 1.999, de 27 de novembro de 2023. A última publicação havia ocorrido há 24 anos.

Na publicação constam tabelas divididas em duas organizações: Relação entre fatores de risco com respectivas doenças (identificadas pelo CID) que corresponde a “Lista A” e Relação entre Doenças (CID) com os respectivos fatores de risco (“Lista B”). A publicação não indica a fonte destas correlações, mas presume-se que seja baseada em evidências científicas que indiquem possível correlação.

Ou seja, caso algum trabalhador exposto a um fator de risco desenvolva a doença respectiva há indícios que esta possa ter relação com o trabalho. Para confirmar ou afastar essa possibilidade é necessário a investigação pelo médico do trabalho do nexo. Este é um processo bastante detalhado e individualizado. A simples presença do risco não necessariamente é definitiva para concluir o nexo. Vou exemplificar: a existência de um produto químico X(risco) guarda correlação com a doença Y segundo a LDRT.

Porém, se o trabalhador entra em contato com uma quantidade ínfima do produto X, uma vez por ano, seguindo corretamente os protocolos de segurança, utilizando equipamentos de proteção comprovadamente eficientes, possivelmente o contato será considerado insuficiente para desenvolvimento da doença Y. Ou seja, embora esteja prevista a correlação na LDRT, no caso citado, a doença não teria origem com o trabalho. Porém, caso fosse cenário oposto (maior exposição, sem procedimentos operacionais de segurança, não utilização de equipamentos, sem monitoramento médico ocupacional) seria difícil afastar o nexo e haveria chancela para correlação disposta na LDRT.

De acordo com a portaria, a LDRT tem como finalidade:

  • Orientar o uso clínico-epidemiológico, de forma a permitir a qualificação da atenção integral à Saúde do Trabalhador;

  • Facilitar o estudo da relação entre o adoecimento e o trabalho;

  • Adotar procedimentos de diagnóstico;

  • Elaborar projetos terapêuticos mais acurados;

  • Orientar as ações de vigilância e promoção da saúde em nível individual e coletivo.

Este último item é bastante relevante para medicina do trabalho. Frente a fatores de risco presentes na listagem, além de buscar em conjunto com a segurança do trabalho medidas mitigatórias da exposição ao risco, pode ser necessário ainda o monitoramento médico ocupacional específico a fim de identificação precoce de sinais ou sintomas quanto ao desenvolvimento de doença relacionada ao trabalho.

Nesta nova versão da LDRT houve incremento de 182 para 347 códigos de diagnósticos das enfermidades. Em algumas linhas os acréscimos ocorreram por estratificações de termos genéricos já utilizados usados previamente, como tuberculose para tuberculose de vários tipos(códigos) como miliar, de sistema nervoso, de vias respiratórias. Mas tivemos novidades como COVID e vários itens de transtornos mentais, como Burnout.

A lista é positiva no sentido de ajudar a instrumentalizar a equipe da saúde e segurança do trabalho (SST) em ficarem mais atentos para medidas de prevenção de doenças e acidentes quando há exposição aos riscos dispostos. Evitar prejuízos também a corporação no que se refere a litígios legais (processos, indenizações), absenteísmo por doença e clima no ambiente de trabalho.

Neste cenário é importante ressaltar também um ponto fundamental e que pode ter uma série de repercussões: o afastamento à previdência social. Qualquer motivo médico que origine atestados médicos que ultrapassem os 15 dias de afastamento enseja o afastamento ao INSS. Durante o processo de afastamento, tradicionalmente havia o agendamento de uma perícia com médico do INSS que faria a avaliação se a doença tinha ou não correlação com o trabalho e também indicava o tempo que o segurado deveria permanecer afastado (Data de Cessação do Benefício). Se havia a classificação de doença relacionada ao trabalho existiria o estabelecimento da espécie de benefício B91(auxilio doença acidentário) e caso não houvesse conclusão positiva sobre a correlação o benefício seria o B31(auxílio doença previdenciário). O estabelecimento de B91 tem algumas repercussões como a estabilidade no emprego durante um ano, recolhimento de FGTS no período do afastamento entre outras. Além disso, não é incomum após o estabelecimento do B91 observarmos que o trabalhador busque judicialmente indenizações e responsabilização do empregador por conta do adoecimento.

O estabelecimento da espécie de benefício B91 é influenciada pela LDRT. Caso um colaborador esteja com uma doença presente nas listas relacionada ao respectivo risco de exposição ocupacional e receba atestados médicos que superem 15 dias será afastado ao INSS. Nesta situação o perito certamente irá considerar LDRT e caso caracterizada haverá a tendência a considerar B91(ou seja, doença relacionada ao trabalho). Assim, a simples elevação no número de doenças presentes na LDRT aumenta a probabilidade de consideração de B91.

Há ainda um ingrediente adicional. Em 2023 o INSS promoveu duas medidas bastante impactantes no que se refere ao mecanismo de avaliação de afastamentos e concessão de benefícios:

  1. Para a solicitação de auxílio-doença (benefício de incapacidade temporária) e avaliação da espécie de benefício (B31 ou B91) agora é necessário apenas envio de documentos médicos pela plataforma Atestmed como forma de comprovar a incapacidade e conceder o benefício. Não há mais a exigência da avaliação individualizada do caso por um perito médico.

  2. É aceito atualmente a prorrogação do auxílio-doença por 30 dias, quantas vezes for necessária, sem avaliação de exame médico-pericial.

Estas medidas, mesmo sem considerar a LDRT, possibilitam análises puramente documentais e sem exame de perito médico o que tende a ter maior elevação de número e tempo de afastamentos. No modelo anterior, havia a avaliação documental e exame médico para só então estabelecer o benefício(B31 ou B91) e o tempo de afastamento. Não era incomum o perito médico do INSS ter uma opinião divergente de um laudo externo, especialmente quanto ao tempo de afastamento. Por exemplo, poderia ter a indicação externa de tempo indeterminado de afastamento e o médico perito, por ter avaliado presencialmente o caso, restringia o período a 45 dias. Com o novo modelo e a avaliação puramente documental há a tendência de haver de mais afastamentos previdenciários. E de fato é o que foi observado que com a plataforma Atestmed houve concessão de cerca de 27% a mais de benefícios em 2023.

Quando consideramos neste cenário a ampliação da LDRT é possível que tenhamos uma elevação também de número de B91 por conta da análise ser puramente documental com diagnósticos variados incluindo os da LDRT. Além disso, após afastado, o trabalhador poderá realizar inúmeras prorrogações ao apresentar documentação médica comprobatória, sem ser ratificada pela perícia médica. Isso pode repercutir negativamente na sustentabilidade do INSS e em passivos trabalhistas ao empregador.

Por outro lado, é uma oportunidade para saúde ocupacional destacar-se ao investir em programas de prevenção de doenças e gestão de atestados médicos. Idealmente evitar que os trabalhadores adoeçam por medidas preventivas. Caso não seja possível, acompanhar de maneira mais próxima os que apresentam atestados médicos para apoiar a recuperação de forma que não seja necessário a afastamento previdenciário. Certamente os profissionais mais qualificados irão se destacar sendo demandados pelo mercado.

Guilherme Murta

Guilherme Murta é especialista em Medicina do Trabalho pela AMB/CFM. Mestre em Ensino nas Ciências da Saúde. Membro do Grupo de Diretrizes da ANAMT, Ex-Presidente da APAMT. Autor de capítulos de livros e artigos de saúde e segurança do trabalho. Professor convidado no MBA Executivo na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e na Especialização de Medicina do Trabalho UFPR.

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