Sobre guerras e censura

Durante a 1ª Guerra Mundial (1914-1918) era bastante comum que os jornais publicassem notícias inverídicas, deturpadas ou maquiadas, baseados em boatos sobre a situação nos fronts de combate.

Nem sempre a culpa pela publicação dessas notícias era dos órgãos de imprensa, uma vez que os próprios governos deixavam de divulgar ou encobriam a maioria dos desfechos sangrentos nas trincheiras dos campos de batalha para não trazer impactos negativos sobre o moral da população de seus respectivos países. Deturpar o sentido das batalhas perdidas, descrevendo-as como se vitórias fossem, era atitude bastante corriqueira.

Boatos, notícias falsas e inverdades espalhavam-se facilmente. Jornais franceses tinham grande interesse sobre o príncipe herdeiro da Alemanha, publicando diversos acontecimentos contraditórios. Chega a ser uma ópera bufa e muito hilária:

“Em 5 de agosto, ele foi vítima de uma tentativa de assassinato em Berlim; no dia 15 foi gravemente ferido no front francês e levado para um hospital; no dia 24, sofreu outra tentativa de assassinato; em 4 de setembro, cometeu suicídio, apesar de reaparecer em 18 de outubro, para ser mais uma vez ferido; no dia 20, sua mulher estava de plantão ao lado de seu leito de morte; mas em 3 de novembro foi declarado insano. Nenhuma dessas reportagens continha a menor partícula de verdade”.

Catástrofe 1914: A Europa vai à guerra, pg. 481; Max Hastings, 2014, Editora Intrínseca, Rio de Janeiro

A 2ª Guerra Mundial (1939-1945) também não foi muito diferente, quando fatos ocorridos nos campos de batalha eram divulgados com proposital atraso, de forma a não trazer impactos negativos nos países beligerantes ou mesmo não eram apresentados a opinião pública para não influenciar e diminuir o moral da população.

No Brasil tivemos exemplos muito claros de censura nos anos duros da ditadura militar (1964-1985), com fechamento de jornais, notícias adulteradas, fatos sem divulgação – o mais gritante deu-se com a ausência de informações sobre a epidemia de meningite. A censura prévia aos jornais era fato corriqueiro, obrigando os jornais a artifícios engenhosos para preencher os espaços que censores cortavam sem dó nem piedade. O jornal o Estado de São Paulo publicava poemas nos espaços censurados como forma de preencher as lacunas.

Nestes tempos nebulosos, com a presença constante da nuvem sobre nossas cabeças, o wifi por todo lado captando e enviando posts, blogs, fotos, curtidas, comentários e mensagens instantâneas, não se admite mais qualquer forma de censura. Bem, pelo menos eu acho, já que todos podem publicar onde quer que queiram suas impressões, reflexões, conselhos, dramas e muito mais, atingindo, ferindo, massacrando quem que seja. Somos bombardeados por todo tipo de informação sem nexo, constituída de bobagens, inverdades, boatos, achismos, ofensas veladas e diretas, enfim, uma nova forma de escravização, que chega a parecer como a censura aos jornais da primeira metade do século XX pelo tom de boataria.

A tentativa de manipulação dos dados sobre mortes e infectados pelo novo coronavírus algumas semanas atrás, faz-nos acreditar num método de implantação de censura pela não divulgação de forma correta dos números da pandemia. Então, o quão próximo estamos do mesmo modus operandi das nações beligerantes da 1ª e da 2ª Guerras Mundiais, comparando com a atitude do governo federal de alterar a sistemática de apresentação ao público de dados importantes sobre a pandemia? A comparação não é sobre atos de guerra, déspotas e ditadores; ela quer mostrar o quanto governos escondem, ou melhor, deixam de mostrar o que realmente acontece, quando os interesses podem ser escusos e prejudicar projetos políticos de governantes de plantão.

Órgãos de imprensa brasileira se uniram em consórcio numa ação para obter dados sobre o avanço da pandemia diretamente das Secretarias de Saúde dos estados, como forma de manter dados e estatísticas em linha com a realidade. Obrigação do governo em informar a sociedade sobre todos os fatos feneceu ante a dúvida sobre os dados, deixando ao privado o óbice de mostrar a verdade.

Tristes tempos de divisão numa sociedade que somente precisa progredir, educar-se e desenvolver-se, em vez de assistir lutas politiqueiras pelos feudos da República falida. O gigante adormecido em berço esplêndido nunca acorda … já se passaram décadas e ele continua em seu sono impávido e colosso!

Que tal leituras interessantes de obras magníficas sobre um período conturbado da história?

·      Vitória, a Rainha – a biografia íntima da mulher que comandou um império. Julia Baird, Objetiva, 2018.

·      Os três imperadores – três primos, três impérios e o caminho para a Primeira Guerra Mundial. Miranda Carter, Objetiva, 2013.

·      Catástrofe – 1914: A Europa vai à guerra. Max Hastings, Intrínseca, 2014.



·      A Segunda Guerra Mundial – Os 2.174 dias que mudaram o mundo. Martin Gilbert, Casa da Palavra, 2014.

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