Praias ensolaradas

Há mais que areia e sol em nossas praias

Gilmar Rosa - praias ensolaradas
Praia de Manaíra, João Pessoa/PB. (Créditos: Acervo Gilmar Rosa)

Rostos gretados, bigodes brancos contra a pele queimada pelo sol inclemente a 35, 38° … viola às costas, rodam de mesa em mesa, quiosque a quiosque, praia a praia! Alguns ouvem o repente e tiram dos bolsos, recheados de notas e cartões de crédito e débito para a cerveja, alguns trocados! Calça, camisa e sapatos pretos sociais, ou uma sandália para enfrentar a areia escaldante daquelas praias em que, comumente moradores dos bairros da orla carregam sob os braços suas cadeiras de alumínio, principalmente idosos, mais mulheres do que homens, talvez aposentadas. Alguns tantos turistas nacionais, até um ou outro estrangeiro!

Crentes (evangélicos, pentecostais, sabe-se Deus o que são ou dizem ser) pedindo ajuda para programas supostamente sociais. Vendedores de tudo, crianças de seis, sete anos oferecendo balas e “dropes” de anis como diria a impagável Rita Lee em sua canção … cenas cotidianas, repetitivas, sistemáticas, tristes, na maioria das belíssimas praias do Nordeste brasileiro sem esperança ou com esperança mínima de que a vida irá melhorar.

Gilmar Rosa - Praias ensolaradas
Fim de expediente, praia de Tambaú – João Pessoa/PB. (Créditos: Acervo Gilmar Rosa)

Barracas e quiosques na orla com suas comidas industrializadas “manualmente”, com gosto de isopor, insossas, desmanchadas, aguadas, destroçadas, horríveis! As dezenas de pombos agradecem os restos! Alguns sem-teto, sem-vida, sem-nada, agradecem pelos restos nos pratos. Outros bichos equilibram-se nos galhos verdes de árvores antigas… saguis divertem e alegram nossos momentos para esquecermo-nos da pobreza gritante destas plagas.

Entre os coqueirais infindos a paisagem linda não causa mais nenhum espanto, nenhuma comoção a quem acorda e “encara de frente” (escrito em uma coluna do UOL dia desses!!) a paisagem, normal, simples, tranquila! Fitar aquela paisagem é comovente pela beleza demasiada! Sob o brilho de um sol quente, quentíssimo, arrasador, pura brasa.

Senhorinhas de cabelos branquíssimos desfilando pelas areias de Cabo Branco com suas cangas esvoaçantes ao vento e suas bolsas de palha cravejadas de lantejoulas, brilhos e enfeites carregadas de cremes, perfumes, loções e muito mais a tagarelarem disformemente sobre comidas, roupas, netos e aposentadorias!

Tantos vendedores ambulantes a jogarem areia em nossa cara quando oferecem seus amendoins, pastéis quentinhos, cocadas, caipirinhas, pazinhas, baldinhos, redes, pandorgas (ou pipas!), passeios às piscinas naturais, mais caipirinhas, mais cocadas, mais castanhas, mais crentes… gentes de todas as direções! Gentes pobres batalhando pelos trocados que a pandemia teima em comer! Gentes de todos os tipos, todas sem esperança! Gentes não só originárias daqui, mas de diversos pontos deste imenso Brasil sofrido.

gilmar rosa - praias ensolaradas
João Pessoa/PB. (Créditos: Acervo Gilmar Rosa)

Nenhum reparo pode ser feito às belezas naturais que o Senhor nosso Deus colocou a nossa disposição. Mar esverdeado, falésias, horizontes sem fim sob luares estonteantes. Nada a declarar sobre o trabalho de nosso Deus. Mas assim como em Boipeba (BA), aqui o lixo que mata e destrói os oceanos e sua fauna e flora está muito presente. Há tantos canudos e sacolas plásticas, copos descartáveis, sacolas, palitos de picolé, embalagens de salgadinhos e doces. É inacreditável perceber que a população em geral não dá a mínima atenção ao descarte correto destes venenos atemporais. Ouvi em algum lugar que somos a última geração que poderá fazer alguma coisa para refrear a mudança climática que já bate às nossas combalidas e frágeis portas.

Somos uma geração autodestrutiva? Não entendemos o que temos feito ao meio ambiente? Ou simplesmente achamos que nosso copinho de cerveja enterrado na areia não fará a menor diferença?

A pobreza e a desesperança enraizada e encravada neste nosso Nordeste, nada mais é do que o reflexo de tanta irresponsabilidade de todos nós. As mesmas pessoas com seus enormes isopores de bebidas geladas a serem vendidas nas orlas, são os que também não colaboram com a destinação correta dos dejetos. Vi muitos simplesmente deixando matérias descartáveis voando pelas areias, sem nenhuma ação de prevenção, como uma simples sacola de lixo pendurada em seus guarda-sóis. Somos todos culpados pela nossa própria inépcia e inércia de manter as praias e areias e mares e mangues saudáveis.

É claro que toda essa miséria tem raízes profundas na nossa história. Não será possível mudar nada sem educação para todos. Enquanto isso, seguimos visitando as maravilhosas paisagens do Nordeste brasileiro, contribuindo para o desenvolvimento insustentável com a produção de toneladas de lixo diariamente, muitas vezes descartadas sem nenhum peso na consciência diretamente nos mares.

A par a destruição do meio ambiente, a visão de tantos desamparados tentando sobreviver nas areias com seus subempregos é atroz. A faixa etária dos desenganados vai de um extremo ao outro, coisa de 7 a 60, 70 anos. Quem há de saber? Aqueles rostos tisnados, olhos que não fitam o futuro, em suas caminhadas trôpegas, não parecem atingir a ninguém, não parecem comover qualquer das criaturas à beira mar. A menos que os peixes e algas sintam compaixão pelos degredados pela sociedade, eles continuarão suas jornadas diárias, precárias, bárbaras, cansativas em busca de alguns poucos reais disponíveis. Triste realidade que nos sufoca desde tempos que já não lembramos mais. Triste povo brasileiro vilipendiado de sol a sol todos os dias. Pobre povo brasileiro maltratado e escorraçado pelas elites poderosas encasteladas nos gabinetes oficiais das formosas capitais desse país totalmente desigual.

*Gilmar Rosa é graduado em Administração de Empresas pela Universidade Positivo e História – Memória e Imagem pela Federal do Paraná. Participou na execução de um dos mais importantes projetos de implantação de APS no estado do Paraná em 2014. Atualmente, busca um lugar ao sol que tenha águas cálidas e agradáveis durante todo o ano.

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