Filadélfia, 1918

A “Peste Negra” foi uma pandemia que assolou a Europa no século XIV, matando milhões de pessoas em todo o continente. A transmissão se dava por uma bactéria existente na pulga de ratos. Naquele período da história, as condições de higiene e sanitárias não eram boas nas cidades e vilas medievais, facilitando ainda mais a contaminação.

Diz-se que sua origem tinha sido a Ásia Central, propagando-se através das rotas comerciais, notadamente a antiga e lendária Rota da Seda. Estimativas apontam para um número de mortos globalmente entre 75 a 200 milhões, e a população da Europa demorou a se recompor até voltar aos níveis anteriores à peste.

Também ficou conhecida como peste bubônica, porque a doença causava grandes manchas negras na pele, os bulbos, notadamente nas virilhas e nas axilas em virtude da expressiva presença de vasos linfáticos nessas regiões.

Outra grande pandemia catastrófica, que matou cerca de 50 milhões de pessoas no mundo, foi a Gripe Espanhola, já no século XX, entre 1918 e 1920. A gripe ficou conhecida como espanhola não porque tivesse origem naquele país, mas pelo fato da Espanha na Primeira Guerra ter permanecido neutra, não havendo censura à imprensa sobre as mortes e a proliferação. As outras nações, beligerantes ou não, aproveitavam as notícias veiculadas na Espanha para reproduzi-las em seus países, por isso ficou conhecida como gripe espanhola.

O primeiro caso identificado da gripe deu-se nos Estados Unidos, no Texas em março de 1918 e, logo uma semana depois, já em Nova Iorque. As tropas americanas, enviadas para combater em solo europeu na Primeira Grande Guerra, continham indivíduos contaminados, levando a gripe a instalar-se no continente em abril de 1918.

Nestes tempos bicudos de coronavírus, covid-19, isolamento social, ministro mandando ficar em casa, presidente mandando sair de casa, governadores brigando para fechar, prefeitos lutando para abrir, ninguém se entendendo, um dos exemplos mais sintomáticos para a contenção do coronavírus está na comparação entre as cidades de Filadélfia e Saint Louis, ambas nos Estados Unidos, à época da gripe espanhola.

Em artigo da BBC.com em português lido no último dia 25/03/20, estava estampado claramente o colossal erro dos governantes da Filadélfia (nada de comparações com nosso país, pelo menos agora …) que não quiseram cancelar um grande desfile que realizar-se-ia na cidade em setembro de 1918 (em março daquele ano o primeiro caso já havia sido detectado). Filadélfia, que não é a capital do estado da Pensilvânia (esta, chama-se Harrisburg), contava cerca de 1,7 milhão de habitantes.

(Foto: Liberty Bell, famoso sino que tocou na Independência Americana)

Conforme o texto da BBC.com: “A decisão teve efeitos devastadores e fez com que a Filadélfia se tornasse uma das cidades mais gravemente afetadas pela gripe espanhola. Em seis semanas, 47 mil pessoas estavam doentes e 12 mil haviam morrido”.

12 mil pessoas mortas em seis semanas! Será que estavam preparados “para recolher os corpos em caminhões do Exército?” Será que o isolamento social não teria poder de reduzir tal número assustador?

A vontade de um governante pode sobrepujar os apelos de técnicos, cientistas, médicos que se dedicam a salvar vidas ou minorar os efeitos das doenças? Com que argumentos embasados no conhecimento, na experiência, um ou muitos governantes podem manipular o destino de milhares de pessoas, levando-as ao túmulo? É certo colocar sobre os ombros dos grupos de risco a tarefa de excluir-se totalmente da vida social, só porque não são atletas, não podem mais exercitar-se?

O artigo da BBC.com continua, comparando a cidade da Filadélfia com seus milhares de mortos com a cidade Saint Louis, Missouri. Lá, foram cancelados, suspensos ou proibidos todos os desfiles. Desde setembro de 1918, o isolamento social já era preconizado como forma de deter o avanço da gripe espanhola. As autoridades em Saint Louis não hesitaram em implementar as recomendações daqueles que conheciam os desdobramentos nefastos da doença, por isso, as medidas adotadas pelos sábios governantes foram bem sucedidas se compararmos o número de mortos entre uma cidade e outra:

Segundo o CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças, agência de pesquisa em saúde pública ligada ao Departamento de Saúde), graças a essas medidas, o número de mortos em St. Louis não passou de 700 em um mês — na Filadélfia, mais de 10 mil morreram no mesmo período.

Somente em outubro de 1918, a Filadélfia ordenou o fechamento de escolas, cinemas, bares, teatros, como forma de estancar as mortes.

Saint Louis e Filadélfia são hoje prósperas cidades americanas, e com certeza, o horror da gripe espanhola deve ter marcado de forma indelével suas populações. Uma, reagiu de imediato com ações tomadas conforme especialistas em saúde recomendavam, outra, por não ouvir estes mesmos especialistas, pois seus obtusos governantes visavam somente o sucesso de um desfile que reuniria cerca de 200 mil pessoas, optou pela morte de milhares, jogados nas valas comuns …

Qualquer semelhança com a vida real na “Belíndia” de hoje pode não ser mera coincidência.

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p class=”ql-align-center”>(Foto: City Hall de Filadélfia)

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