Brasis – tanta diversidade

Gilmar Rosa - Brasis
(Foto: Acervo / Gilmar Rosa)

Faz alguns meses decidi mudar de Curitiba para a ilha de Boipeba, na Costa do Dendê baiano, ao sul de Salvador. Tal decisão foi referendada quando vi em Curitiba, em plena Voluntários da Pátria, cerca de 14 horas, um meliante montado em sua bicicleta, quiçá roubada, aproximar-se rapidamente de uma senhora e arrancar sem dó nem piedade uma corrente de seu pescoço flácido. Se era de ouro ou bijuteria não faço a mínima ideia… Poucos passos depois, deparo-me com outra cena cinematográfica: um cidadão dava uma chave de pescoço em sua parceira (amante, esposa, namorada, vai saber!) em plena Praça Osório, à luz do dia, sob os olhares atentos de imóveis e paralisados cidadãos, inclusive eu!

Assim, deixo um pouco mais claro porque deixei a linda e bela Curitiba de jardins, parques, praças, tubos, faróis do saber, museus de olhos e narizes, largos da ordem e da desordem, passeios públicos e privados, óperas de arame e de papel, ligeirinhos e ligeirões, palácios de cristal e de imitação, dezenas de mall centers (os shoppings que a cidade adora), shows e espetáculos, Camerata Antiqua e Ave Lola e cantatas de Natal … tudo isso abandonei.

A mudança foi bombástica, para dizer o mínimo. Mais de quatro horas (chegando até 6 horas a depender de horários e marés) entre desembarcar do avião em Salvador, pegar Uber, atravessar a formosa Baía de Todos os Santos, chegar e atravessar a ilha de Itaparica, aboletar-se num ônibus até a cidade de Valença e lá pegar uma lancha que, com sorte, na maré alta leva uns 70 minutos! A ilha tem praias praticamente desertas creio que pela dificuldade de acesso. Mas quem chega pela primeira vez se apaixona imensamente pelas belezas cênicas em todo o canto.

Gostos diversos, pimentas ardidas, camarões, lambretas (espécie de ostra), caranguejos e guanhamuns (um caranguejão de cabeção azul) e as famosas lagostas. Passeios de lancha, piscinas naturais, caipirinhas e caipiroskas de frutas inimagináveis! Carrinhos de mão para levar as bagagens de quem chega e de quem parte, além de transportar frutas, legumes, botijões de gás e de água mineral! Casas de fachadas minúsculas, sem ventilação e iluminação, ruas de areia e paralelepípedo, trilhas na mata, travessia de rios, cuidados com as marés, praça central repleta de bares e restaurantes (quantos deles de propriedade dos Hermanos?!), barracas que vendem comidas e bebidas, cachorros por todos os cantos e espaços, casinhas de boneca transformadas em pousadas, dezenas delas! Boipeba é assim sob meu ponto de vista.

Nativos que trabalham de sol a sol, de domingo a domingo em bares e pousadas. Gentes que alugam pecinhas minúsculas, apertadas, espremidas entre outras construções. Senhorios que não dão a mínima para as condições das habitações alugadas. Vi uma caixa d´água a esvair-se pelas peças alugadas de um casal de homossexuais e quando um deles vê a cena só consegue gritar desgraça! Desgraça! Mas não desiste e pega numa vassoura ou rodo para tirar, incansavelmente, as águas que teimam em inundar seu espaço.

Vi um Brasil diferente, arrastado, com sotaque forte, peles queimadas pelo sol inclemente da ilha, salários aviltados, sem previdência, sem benefícios. Vi um Brasil diferente que lotava nas noites a praça central da vila de Velha Boipeba. Vi gentes diferentes. Vi gentes tentando implantar pequenos apartes de cultura. Vi gentes tantas se “amaconhando” na mesma pracinha em que crianças de sete ou oito anos brincavam nas noites brandas de luares magníficos aos latidos e corridas dos inúmeros cães. Gentes em trabalho remoto atendendo seus escritórios de Brasília, São Paulo e mais. Gentes com sacolinhas a tiracolo carregando seus vinhos e suas taças para bebericar entre uma conversa e outra pseudointelectual. Gentes tantas a desembaraçar caminhos por meio da ioga, da produção cultural, da busca de sexo fácil e contínuo. Tantas gentes, tantas pessoas, tantos mundos diversos, tantas esperanças.

Uma ilha com fazendas enormes de coqueiros, latifúndios de um só dono, dizem que um italiano é dono daquele coqueiral imenso que toma toda a praia da Cueira. Penso nos tempos do Brasil Colônia e me pergunto se já saímos dessa fase lúgubre da história do tupiniquim? As condições atuais parecem ser as mesmas daquela época! Sempre me vem à mente a pergunta: e se tivéssemos sido colonizados pelos holandeses ou pelos franceses em vez dos portugueses, o que seríamos hoje? Ou continuaríamos a não ser nada independentemente se russos, espanhóis, turcos, chineses ou ingleses tivessem se apossado dessas terras lá naquele longínquo século XVI? Não sei e me incomoda viver nesta letargia… um povo humilde sendo cada vez mais vilipendiado (sempre lembro da carta-testamento de Getúlio Vargas) e que não vê um futuro digno.

E aquela canção “Que país é este” de Renato Russo escrita em 1978 e só lançada em 1987 pelo Legião Urbana por que tinham esperança que algo ainda mudaria no gigante adormecido? Não reflete exatamente o que estamos passando desde tempos imemoriais? Vejo que só tenho perguntas e nenhuma resposta a dar. Será que há alguém com respostas para coibir nossa decadência?

Esperamos que 2022 possa trazer novas tentativas de modernizar o país, de enfrentar com coragem e altivez a pobreza, a miséria, a destruição da cultura, da educação, da ciência, da pesquisa encetadas nos últimos malfadados quatro anos. Não queremos um Messias, queremos homens dignos que pensem no bem comum, na solução de problemas crônicos que por dezenas de décadas nos assolam… esperamos reverter as décadas perdidas, os achaques, as irresponsabilidades, a falta de patriotismo, o entreguismo, o enriquecimento ilícito, as rachadinhas, as emendas parlamentares que surrupiam recursos de inversões básicas em saúde e educação. Queremos um mundo novo, um mundo livre e seguro, respeitador do meio ambiente e dos povos indígenas que já foram donos dessas terras benditas!

Paz e harmonia no coração dos homens e mulheres brasileiros em 2022. Que todos possam se reunir para dar início a reconstrução dessa nação devastada. FELIZ 2022!

*Gilmar Rosa é graduado em Administração de Empresas pela Universidade Positivo e História – Memória e Imagem pela Federal do Paraná. Participou na execução de um dos mais importantes projetos de implantação de APS no estado do Paraná em 2014. Atualmente, busca um lugar ao sol que tenha águas cálidas e agradáveis durante todo o ano. 

 

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