Viagens são instrumentos muito úteis para novos aprendizados, novas amizades, novas formas de assimilar as diferenças mundo afora, além de permitirem uma paz de espírito que nos leva a refletir sobre tudo – o que temos feito e o que temos deixado de fazer; nossos sonhos e nossas realidades cotidianas; os relacionamentos e a quebra deles, dentre tantas outras indagações sobre passado e futuro, que podem até significar uma ruptura daquilo com que estamos tão acostumados, tão alojados em nossos confortáveis lugares ao sol, conseguido à custa de muitas batalhas, para alguns, ou nada, para outros.
A inominável Covid tem impedido que muitos roteiros de viagem possam ser empreendidos. Sempre me considerei um admirador da civilização “judaico-cristã-ocidental”, por isso me enfronhei em viagens para a Europa nos últimos anos, uma ou outra ida aos Estados Unidos, porém a Europa era a dona de meus pensamentos por poder sorver na fonte a história que nos deu origem e todos os seus incontáveis meandros. Como historiador, nada mais justificável de que imersões periódicas na vasta cultura do Velho Continente. Revigora a alma, a mente e o corpo!
Em 2020 e 2021 devemos continuar com a vasta restrição de acesso não só aos países europeus, mas aos demais daqui e dacolá. Esse fator “covidiano” obrigou ao replanejamento, ao cancelamento de viagens programadas, mas impraticáveis agora e além, infelizmente, de 2021.
Quando era jovem ouvia muitos falarem assim: com tanto lugar bonito no Brasil, vai gastar dinheiro nos gringos … modelos mentais reticentes de quem nunca viajara! Periodicamente visitava alguns pontos do Nordeste, como Maceió e demais pontos do litoral alagoano e Bahia e suas praias de beleza ímpar, Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará. Nos dois últimos anos tais viagens se intensificaram, aumentando a periodicidade de visitação, conhecendo novos e deslumbrantes paraísos tropicais, mas também a simplicidade de um povo gentil, sorridente, batalhador, que puxa conversa durante o tempo que tiver disponível!
Recentemente na ilha de Boipeba, na Bahia, presenciei pescadores puxando sua imensa rede de um mar às vezes prateado pelo sol que nascia. Depois de uma longa caminhada, sentei-me para descansar por uns momentos bem em frente aos pescadores. Observei a sincronia do movimento de puxar a rede de três homens de cada lado, também percebi que o “chefe” gritava incessantemente para “levantarem a mão”, e que existia um pescador solitário que puxava a parte superior da rede.
Vi oito pescadores num esforço contínuo e vi cardumes saltando por cima da rede. Após o cansativo trabalho, quando a grande rede veio a areia da magnífica praia em que me encontrava, deparei-me com a realidade mais deprimente: aquela grande rede, jogada nas profundeza do mar trouxera apenas sete grandes peixes e uma dúzia de arraias (ou raias) de tamanhos variados, com as menores sendo jogadas de volta ao mar.
Nos poucos momentos que estive a observar o trabalho dos pescadores, não foi possível perceber se eles estavam satisfeitos com o resultado da pesca. De qualquer forma, ante o quadro da rede quase vazia, ocorreu-me que somos responsáveis pelo escasso resultado – mares cada vez mais poluídos, sujos e infestados de plásticos de todos os tipos e formas. Somos nós e nossa irresponsabilidade que colaboram para a deterioração dos oceanos, a mortandade e o desparecimento de espécies, causando frustração a oito homens e suas famílias (no mínimo mais 16 seres humanos!), obrigados a levar parcos recursos para casa. Enquanto nós, simplesmente vamos ao supermercado ou restaurante para pedirmos o que quisermos (é o ciclo – o pescador pesca, o mercado compra, eu como e pago). E aqueles homens, com seu esforço sincronizado de puxar a rede, não terão esta chance, comerão se houver muito peixe, muita arraia em suas investidas!
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p class=”ql-align-center”>Recolhendo a rede na Praia da Cueira, Ilha de Boipeba, BA. Créditos: Acervo Gilmar Rosa
O momento de reflexão trouxe à tona todo esforço que se faz continuamente para superar barreiras, fazendo cursos, aprendendo outras línguas, aperfeiçoando o conhecimento, entupindo-se de diplomas de todos os tipos … O que tanto esforço nos traz?
Estamos sincronizados com as mais recentes atualizações de processos, gestões, gerenciamentos, ferramentas, softwares, consultorias, consultores incensados, modismos … Mas, ao voltarmos para casa, após mais um dia quase doentio de labuta, pressão e muito mais, estamos voltando com quantos peixes ou arraias saídos de nossas redes? Há satisfação ou insatisfação pelos resultados?
* Gilmar Rosa é graduado em Administração de Empresas pela Universidade Positivo e História – Memória e Imagem pela Federal do Paraná. Executa, atualmente, atividades voltadas ao desenvolvimento de projetos e planejamento estratégico em cooperativa médica. É colunista do portal Saúde Debate
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