A felicidade está na simplicidade?

Passadas as festas de final de ano com seu rastro de gripe espalhado pelo vírus H3N2 e a variante ômicron da Covid-19, é hora de assentarmo-nos com calma e tranquilidade para o balanço geral de encerramento do exercício!

2021, assim como 2020, foi um ano sui-generis pela introdução do SARS-CoV-2 em nosso cotidiano, pela utilização das máscaras antes somente imaginadas sobre os rostos orientais devido à poluição, sobre regras de distanciamento e afastamento social, além de todo o drama sentimental e psicológico que tais afastamentos jogaram sobre nossos pobres e cansados ombros, não pela prática de ginástica e musculação, mas muito mais pela incerteza do porvir.

Se 2020 foi a desgraça total como se voltássemos à época medieval sob os contornos lúgubres da peste negra ceifadora de milhares de vidas, 2021 se transformou na hecatombe não nuclear a prenunciar o fim do mundo, antes mesmo das previsões dantescas sobre o aquecimento global, derretimento das camadas polares, destruição do permafrost, plásticos inundando e matando os oceanos, Bozo tentando se reeleger, digital influencers que nem sabem escrever corretamente o português influenciando parvos de todas as matizes, os costões do Capitólio afundando sobre lanchas (ah, desculpem-me, isso faz parte do portfólio 2022 de barbaridades), areias (artificiais tal qual nos EAU) aumentando a praia de Balneário Camboriú … bom, é melhor parar de enumerar tantas desgraças e mazelas do já desmantelado povo brasileiro. Chega! Quero luz, alegria, euforia, felicidade daqui para a frente!

A propósito, vamos considerar felicidade em vez de desgraças? Parece ser uma boa alternativa neste conturbado começo de 2022!

Percorrendo as ruelas desta vila de Velha Boipeba na Bahia, ainda não consegui perceber uma cara de tristeza, de lamúria, de choro, de insatisfação. Aparentemente a vida segue leve e faceira para a maioria dos viventes desta parte quente do mundo. A grande maioria das pessoas aqui deve sobreviver com o nosso grande e completo salário-mínimo, suficiente para comer, se vestir, estudar, se divertir… E a diversão rola solta em rádios, radiolas, smart phones e sabe-se Deus mais o que, por meio daquela música bate-estaca que perturba e acorda até a alma dos mortos do cemitério local. Quase todos a escutam e, pior do que isso, fazem arremedos de coreografias, rebolam, dançam, descem até o chão, arrastando-se malemolentemente pelas ruas, nas calçadas, nas áreas das minúsculas residências de 6mx6m.

 

Tenho visto e presenciado (infelizmente para meus ouvidos e cérebro) em quase todos os lugares os moradores completamente envoltos nesta música sem sentido, sem letra inteligível. É a cultura brasileira a favor do entorpecimento de um povo humilde, pobre, sem futuro definido, sem esperança de melhores dias. Será essa a felicidade que perambula pelas vielas e ruas? Há circo suficiente em forma desta horripilante música desumana – sim, desumana porque emburrece cada vez mais os depauperados – mas o pão não sei se o há! Bem, um pão como o francês, por exemplo, custa R$ 0,50 por aqui na única padaria (pode ser que existam outras) que encontrei, uma simples portinha com um balcão de vidro cheio de pães e uma senhorinha a vende-los! Baratinho!

 

Pois em um dia ensolarado desses, estava sentando a beira mar a observar dois cavalos sob os imensos coqueirais destas plagas latifundiárias. Um deles, sentado, de quando em vez meneava o pescoço; o outro, um branco, permanecia de pé, abanando sua cauda, dobrando levemente as patas dianteiras, mas permanecia rígido, incólume ante às moscas durante um tempo em que perdi a conta de quanto foi, completamente imóvel – na verdade me dei conta que o tempo parou, ficou suspenso em outra dimensão atemporal. O equino não se mexia, não arfava, não estava aparentemente neste mundo! Sombra, grama fresca, uma leve aragem eram o suficiente para manter os dois equinos tranquilos naquele imenso coqueiral. Seria essa tranquilidade equina, quase como felicidade, esperada de tantas gentes? A imobilidade quase total ante a vida que se desenrola sob nossos olhos, sem reclamar, sem se lamuriar, sem chorar, apenas a passividade, a letargia. Seria esse o mundo feliz desta parte do mundo?

 

A tranquilidade equina em Boipeba – BA. Créditos: Acervo Gilmar Rosa.

 

Não consigo não comparar a higidez dos cavalos com a sensação de que a população da ilha vive na mesma  perspectiva que vi naquele coqueiral italiano (sim, o latifúndio não pertence a brasileiros, é propriedade de italianos!). Para que se mexer se temos tudo nas mãos? Casa pequenina, comida, peixe, pão, diversão contagiante pela música quase insuportável? É a impressão que tenho tido daqui, deste povo. Há pedreiros, carpinteiros, eletricistas, caixas, barbeiros, pescadores, carregadores, feirantes, donas de casa, donos de pousadas, comerciantes, há de tudo. Parece que todos encontram-se felizes com suas posses e condições. Ninguém reclama, ninguém chora, ninguém fala, ninguém comenta. Simplesmente continuam a sentar-se nos meios de tarde, em plena viela, nas portas de suas casas, a comer uma manga, a conversar sobre a vida, a cuidar dos netos pequenos ainda no colo … não vejo nem ouço reclamações! Seria então a felicidade plena viver aqui em meio a coqueirais, entardeceres espetaculares, luares magníficos, praias lindíssimas?

 

Há que se considerar que a população local não frequenta as praias da Cueira, da Boca da Barra, de Tassimirim… pelo menos nas barracas de praia que servem de tudo para todos os turistas – alemães, franceses, italianos, espanhóis, os sempiternos argentinos – sim, todos eles se refestelam nas barracas para comer, degustar, beber e tomar sol. Mas não existem moradores nas barracas, a não ser os que trabalham, os que atendem ao populacho, sem CTPS assinada, sem FGTS, sem PIS, sem 13º salário, sem férias, sem aviso prévio, sem nada! Só o suor da labuta diária quando há algum movimento de turistas. Triste realidade de um povo que se acostumou a ser explorado!

 

Entretanto, não ouço reclamações, não ouço vozes de movimentos sindicais, Ministérios disso ou daquilo atuando … não ouço, não vejo, não presencio, não testemunho. E isso me leva a pensar que eles são felizes nas suas condições, nas suas habitações, nas suas músicas particularmente horrendas para mim, nos seus trabalhos pré-modernidade! Como entender por que as pessoas são felizes vivendo dessa forma? Não tenho respostas, não tenho teses, não tenho resultados de pesquisas! Apenas meu olhar sobre as gentes desta ilha mágica, linda, maravilhosa! Que parecem ser felizes apesar de tudo e de todos.

 

*Gilmar Rosa é graduado em Administração de Empresas pela Universidade Positivo e História – Memória e Imagem pela Federal do Paraná. Participou na execução de um dos mais importantes projetos de implantação de APS no estado do Paraná em 2014. Atualmente, busca um lugar ao sol que tenha águas cálidas e agradáveis durante todo o ano. 

 

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