Para mim um ponto de inflexão na minha vida foi meu primeiro Caminho de Santiago, em 2006. Percorri os 800 km sem smartphones, WhatsApp nem redes sociais. Estava em busca da minha essência e a encontrei.
O CHAMADO
Em 2005, eu passava por um momento difícil na minha vida. Eu era sedentária, estava me divorciando e querendo sumir no mundo, me reinventar – ou melhor, me achar!
Uma pessoa me falou de um lugar muito lindo no Brasil chamado Chapada Diamantina e eu tinha férias para tirar. Não pensei duas vezes. Como estava sem dinheiro, tirei minha passagem por milhas até o coração da Chapada Diamantina no próprio balcão da cia aérea. Quer saber mais? A atendente quase chorou quando eu falei qual o meu destino, pois ela já tinha estado lá e amou!
Quase não existia material para pesquisar na internet. Fucei, investiguei e encontrei um blog falando do “Vale do Pati”, onde você poderia ficar 4 dias caminhando, dormindo no chão e tomando água de rio. Não era bem isso que procurava, mas quando cheguei em Lençóis, na Chapada, recebi um convite irrecusável. E num piscar de olhos lá estava eu na trilha do Pati e foi lá que me falaram do Caminho de Santiago.
Eu já tinha lido o livro do Paulo Coelho “Diário de um Mago” quando era adolescente, mas a pensar em fazer 800 km caminhando era algo inusitado para mim até aquele momento. Mas tudo ali foi uma “Conspiração do Universo”!
Voltei decidida em fazer o Caminho de Santiago, pois eu tinha encontrado algo que me fazia bem – caminhar. Cheguei em Lençóis de salto alto e mala de rodinha e voltei uma aspirante a peregrina!
A PREPARAÇÃO
Oito meses depois de voltar da Chapada Diamantina, eu estava fazendo o Caminho de Santiago. Tudo passou muito rápido.
Encontrei um amigo que me orientou. Ele era uma das raríssimas pessoas naquela época que eu sabia que tinha feito o Caminho. Ele me deu várias dicas, emprestou o seu guia do Caminho de Santiago e ajudou a comprar os dois principais itens do enxoval do meu primeiro Caminho de Santiago: a mochila e a bota.
Minha imaginação foi até as alturas quando ele me falou sobre uma montanha já no primeiro dia do Caminho de Santiago – Os Pirineus. Então “bora lá” praticar montanhismo, pois eu queria bem preparada para o Caminho!
Minha primeira montanha foi o Pico Paraná – bate e volta. Totalmente sem noção para uma aspirante a peregrina, mas depois disso não parei mais. As montanhas se tornaram uma paixão.
Também procurei um médico ortopedista, que me pediu um check up e me orientou a fazer Reeducação Postural Global – RPG aliado ao fortalecimento muscular.
Segui tudo à risca e foi assim que comecei a dar outro rumo na minha vida. Por isso eu digo sempre que: O Caminho de Santiago começa quando você decide fazê-lo!
MINHA PRIMEIRA COMPANHEIRA DE CAMINHADA
Apesar de morar sozinha desde os 14 anos, quando minha mãe ficou sabendo dos meus planos ficou de cabelo em pé. Mãe é mãe e a minha não foge a regra!
Eu iria ficar 30 dias caminhando com um oceano entre nós. Naquela época (2006) eu não tinha celular, o acesso à internet não era tão fácil como hoje, nem eu era tão aventureira como sou agora (risos)!
Para fazer minha mãe ser minha aliada nessa jornada, bolei uma estratégia. Comprei um livro sobre o Caminho de Santiago e dei à ela de presente. O livro tinha 30 capítulos, cada capítulo era uma etapa da caminhada e continha descrição do percurso, da parte sua histórica e de suas peculiaridades. Pedi para ela ler um capítulo por dia, assim ela faria o Caminho de Santiago comigo.
Durante meu primeiro Caminho, eu ligava apenas uma vez por semana e trocava alguns e-mails. Era uma festa quando falávamos! Ela sabia exatamente onde eu estava e por onde tinha passado. Isso me ajudou muito a poder mergulhar de cabeça no Meu Primeiro Caminho de Santiago.
CAMINHO DA ESSÊNCIA
Foi no meu Primeiro Caminho de Santiago que descobri que todos temos máscaras sociais e que em uma longa (e segura) caminhada como a de Compostela, essas máscaras caem e conseguimos chegar à nossa essência.
Foi simplesmente caminhando em silêncio que comecei (sem saber) a praticar o Mindfullness – consciência plena – muito antes de virar modinha (boa).
Nossa mente é uma coisa louca! A toda hora chegam pensamentos desordenados. Mas com o Caminho de Santiago, eu estava ali, caminhando todos os dias, deu tempo de remexer o passado, curar feridas, perdoar os outros e a mim mesma, distinguir problemas reais de problemas imaginários e ainda fazer amigos para a vida toda!
Alguns dos ensinamentos que tive no meu Primeiro Caminho de Santiago foram:
– Parar olhar para o passado, perceber o que aprendi;
– Estar presente no aqui e agora;
– Olhar para o futuro, ver as suas possibilidades e planejá-lo;
– Perceber meu corpo e escutar minha alma;
– Pedir perdão e perdoar!
UM CONSELHO
Adoro voltar ao diário do meu Primeiro Caminho para ler alguns trechos. Hoje, muita gente faz isso publicando em redes sociais, mas sou meio traça e gosto de um papelzinho de vez em quando.
Depois do meu primeiro Caminho de Santiago, vieram muitos outros Caminhos, alguns cursos na Universidade de Santiago de Compostela sobre o Caminho e mais de dez anos orientando peregrinos de forma voluntária. Hoje sou consultora do Caminho de Santiago, sou Dama da Ordem de Santiago e levo grupos para percorrer essa rota milenar.
Pode ter certeza que vocês irão ler muitas boas histórias sobre o Caminho de Santiago e dicas de caminhadas por aqui, por ali e pelo mundo!
Buen Camino!
* Ana Wanke é curitibana, engenheira e trabalhou por 20 anos no setor elétrico com projeto de Usinas Hidrelétricas. Em 2012 resolveu realizar um projeto que já vinha elaborando há muito tempo: dar oportunidade a mais pessoas de conectarem-se com a natureza, de maneira mais intensa e em roteiros personalizados. Trocou a carreira de engenheira pela carreira de guia e fundou a empresa Ana Wanke Turismo e Aventura. Especializou-se em caminhadas e no Caminho de Santiago, pelo qual recebeu a honraria de Dama da Ordem do Camino de Santiago em setembro de 2019.
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