O Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz) lançou o MonitoraCovid-19, um sistema que agrupa e cruza dados sobre o novo coronavírus no Brasil e no mundo. A partir de gráficos e mapas, a ferramenta online permite monitorar a pandemia e sua tendência por estados e municípios brasileiros, e fazer comparações com países que estão em estágios mais avançados da epidemia.
Com atualização diária, o MonitoraCovid-19 usa três fontes de dados. Os municipais são obtidos com o projeto Brasil.io, repositório público que disponibiliza os dados municipais compilados pelas secretarias estaduais de saúde. As informações sobre os estados brasileiros têm como fonte o projeto Kaggle Coronavirus Brazil, que coleta diariamente os dados divulgados pelo Ministério da Saúde. A base para os dados referentes a outros países é a universidade americana Johns Hopkins.
“O objetivo da ferramenta é fornecer dados de forma confiável e transparente para a população e para a comunidade científica sobre o desenvolvimento diário da pandemia, no Brasil e no mundo”, resume o geógrafo e sanitarista Christovam Barcellos, vice-diretor de Pesquisa do Icict.
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Crescimento similar ao da Itália
Um conceito-chave nesse trabalho é o chamado “fator de crescimento”, método que permite comparar os dados do Brasil e de seus estados com o cenário de outros países, analisando a propagação dos casos, dia a dia. Esse fator é calculado considerando como o número de casos aumenta ao longo do tempo, e permite que se calcule a quantidade de dias que leva para que o número de casos dobre em cada país. “A análise desse índice é muito importante para avaliarmos se estamos ou não conseguindo achatar a curva de crescimento, o que é essencial para o sistema de saúde conseguir lidar com a epidemia”, explica o epidemiologista Diego Xavier, do Laboratório de Informação em Saúde do Icict.
Barcellos acrescenta que o nosso fator de crescimento tem sido parecido ao da Itália, no começo da epidemia por lá, mas que a trajetória do Brasil pode ser diferente. “Nas próximas semanas, o Brasil pode mudar de tendência devido a medidas específicas que estão sendo tomadas em cada estado e município.”
Outro aspecto que a ferramenta permite observar é como a epidemia, que em seu começo se concentrou nos grandes centros urbanos, está se difundido para cidades médias, principalmente no litoral. Nos próximos dias, a epidemia poderá se espalhar para cidades do interior e municípios de menor porte. “Apontar essa tendência é urgente, porque em muitas cidades do interior as pessoas não estão aderindo à estratégia do isolamento, acreditando que o vírus não chegou ainda até eles. Isso não é verdade. A Covid-19 está avançando rapidamente em direção aos municípios menores, e a quarentena é fundamental para frear esse crescimento”, destaca Xavier.
Além disso, essa tendência representa um desafio para o SUS, que deverá organizar para os municípios de pequeno porte uma rede de distribuição de insumos, de coleta e análise de amostras laboratoriais e de internação de pacientes, quando necessário.
Uma das vantagens do MonitoraCovid-19 é justamente permitir que se enxergue a situação em municípios e em estados de forma isolada, de modo que gestores e autoridades possam avaliar se as medidas que estão tomando são as mais adequadas à sua realidade. “Acompanhar as variações nas curvas de crescimento é muito importante para avaliar o efeito das políticas de contenção da epidemia, inclusive no âmbito de municípios. Vale lembrar: o Sistema Único de Saúde (SUS) é de base municipal, e os municípios precisam estar preparados para o cenário da epidemia que vão enfrentar”, explica Barcellos.
Desafios para a análise de dados
Os dados usados pela ferramenta dizem respeito aos casos confirmados e aos óbitos pela Covid-19. Os desafios impostos pela falta de testagem mais ampla para o vírus, no Brasil, estão sendo levados em conta: “Os gráficos construídos com base nas taxas de letalidade acabam apontando, indiretamente, se estamos mesmo testando pouco, porque é possível criar estatísticas a partir da relação entre óbitos e doentes. Podemos usar como exemplo os Estados Unidos, que tinham uma taxa de letalidade muito alta, no começo da epidemia, e depois, quando começaram a testar os casos suspeitos mais massivamente, viram essas taxas de letalidade diminuírem. Ou seja, não é que o coronavírus estivesse matando mais no começo da epidemia, comparativamente. Apenas havia menos testagem. Por esse prisma também podemos observar o Brasil, à medida que a epidemia for avançando aqui”, sugere Xavier.
O cientista acrescenta que muitas outras instituições estão criando análises e modelos sobre o Covid-19 e seu impacto no Brasil, com diferentes abordagens. “Muitas vezes essas análises podem parecer divergentes para o público leigo, mas na verdade se complementam. Quanto mais dados e quanto mais integração, melhores serão as previsões e os cenários construídos para a tomada de decisão.”
O MonitoraCovid-19 foi criado pelo Laboratório de Informação e Saúde (LIS) com o apoio da Plataforma de Ciência de Dados aplicada à Saúde (PCDaS), ambos do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz). Foi desenvolvido com softwares livres e de código aberto, permitindo que qualquer pessoa baixe e reaplique os dados compilados.
O acesso mais dinâmico a alguns dados sobre a epidemia, porém, ainda é um desafio. “Quanto mais dados livres tivermos, mais rapidamente conseguimos criar análises que são fundamentais para definir políticas públicas de enfrentamento à pandemia”, alerta Raphael Saldanha, desenvolvedor técnico do sistema. Dados sobre o perfil de pessoas atingidas pela Covid-19 e quais hospitais estão internando, por exemplo, seriam importantes para criar modelos de assistência. “As políticas e estratégias de dados abertos têm sido decisivas para a atuação coletiva em crises sanitárias como esta que estamos vivendo. Quando a pandemia passar, é fundamental que esse tema ganhe foco no debate público brasileiro”, completa.
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