Indiscutivelmente, o mundo do trabalho vem passando por mudanças intensas a cada década. Temos observado o surgimento das inovações tecnológicas, os novos modos e processos de trabalho, o que têm trazido, sem dúvidas, inúmeras melhorias no cotidiano laboral dos trabalhadores. Por outro lado, estudos têm demonstrado que o número de profissionais adoecidos, nos últimos anos, vem aumentando assustadoramente, em decorrência das relações trabalhistas degradantes, do desemprego, do ritmo de trabalho extenuante, crescimento do trabalho temporário e de tempo parcial.
Esse panorama também tem atingido a maior categoria de profissionais da saúde no Brasil, os profissionais de enfermagem. Haja vista, também o resultado de estudos produzidos no Brasil, que demonstram a alta taxa de absenteísmo da categoria. Outros dados que nos chamam a atenção é o adoecimento desses profissionais por transtornos mentais, em especial, transtornos depressivos, ansiedade e síndrome de burnout. Nas redes sociais, encontramos, quase que cotidianamente, relatos (sem entrar no mérito de serem verdadeiros ou fakenews) sobre trabalhadores de enfermagem que cometeram suicídios em seus ambientes de trabalho, o que intensifica a preocupação das entidades representativas de classe, profissionais de saúde mental e sociedade em geral.
Mas o que realmente pode estar adoecendo estes profissionais? O trabalho em si ou o ambiente do trabalho?
O adoecimento físico pode em muito ser explicado pela própria organização do trabalho dos profissionais de enfermagem. Isto porque ele é desenvolvido, em grande parte, e essencialmente, de modo prático e no desenvolvimento de atividades que se expressam em ações de cuidados de enfermagem. Isso tudo, demanda energia física intensa e contínua, o que pode ter como consequência o agravo físico, haja vista o dinamismo extenuante do trabalho da enfermagem. De um modo geral, a esses profissionais não é possível o tédio por ociosidade.
Quando somos chamados a atenção às condições mentais alteradas pelo ambiente do trabalho, os estudos têm apontado para um fenômeno multifacetado e multifatorial como causador do adoecimento mental. A precarização das relações de trabalho, a insatisfação promovida pelos baixos salários, bem como as jornadas de trabalho extenuantes, a lacuna existente entre a organização ideal e a real nos ambientes de trabalho, aliados ao subdimensionamento dos profissionais nos serviços de saúde, a falta de reconhecimento e baixa visibilidade profissional têm sido apontados como fatores preponderantes para o adoecimento mental dos profissionais de enfermagem.
A pouca valorização e a falta de reconhecimento social da profissão são fatores geradores de estresse e insatisfação dos profissionais de enfermagem no ambiente laboral.
Cabe ainda entender que o adoecimento é consequência de um processo degradante da saúde do trabalhador, onde ele constantemente vem a vivenciar experiências estressantes decorrentes da natureza da profissão e comumente promovidas no local de trabalho.
O estresse é a resposta generalizada (física e mental) do organismo a uma determinada situação ou elemento estressor. O estresse é uma situação normal da vida, mas quando ele é contínuo e os profissionais não conseguem ter mecanismos de defesa a este estresse, ele pode evoluir para doenças.
A ambivalência existente no trabalho da enfermagem apresenta, de um lado, o labor cheio de representações sociais de conquista, realização, status social, vitória, sobrevivência, formação de identidade pessoal e profissional. Contudo, os fatores geradores de estresse podem influenciar negativamente no bem-estar do trabalhador, causando sofrimento no trabalho e/ou desequilíbrio psíquico.
Deste modo, na dimensão laboral torna-se que quase imprescindível a incorporação de argumentos de proteção e de realização do ego do trabalhador e não unicamente a atenção à eficácia técnica e execução de atividades produtivas.
Quando um trabalhador pede socorro e chama a atenção aos fatores de adoecimento, ele não está se referindo única e exclusivamente às nuances da relação atividade/repouso, e, sim ao olhar mais aprofundado às condições extra-atividades e a ausência de fonte de prazer no trabalho, que são realmente fatores intrínsecos ao adoecimento mental das pessoas.
O trabalho pode ser fonte de prazer e de saúde, quando se dá oportunidades ao trabalhador de demonstrar suas competências, aplicação da inteligência em favor da organização e melhorias do processo de trabalho, valorização e reconhecimento das atividades desenvolvidas pelo empregador e pela sociedade.
Uma estratégia importante, e que pode ser compreendida como a possibilidade de valorização e reconhecimento do trabalhador, é a escuta pelo gestor. Os processos de subjetivação no trabalho são interpretados e compreendidos melhor pelo gestor a partir da escuta individual ou coletiva, que dê condições de análise do contexto da organização do trabalho, de modo sistemático e eficaz. O entendimento do gestor, de que um trabalhador sofre ou adoece somente pelas atividades técnicas desenvolvidas, é simplista e rasa, e acentua a desvalorização do profissional e/ou categoria.
As rotinas estabelecidas, a organização do processo de trabalho, a previsão clara das atividades, o número adequado de profissionais para prestar a assistência de enfermagem segura e de qualidade são alguns exemplos que valorizam o profissional em seu contexto laboral, buscam o reconhecimento e a valorização social da profissão.
Para tanto, o Conselho Federal de Enfermagem, juntamente com os regionais, tem o compromisso de balizar o exercício da Enfermagem a partir de sua competência em disciplinar, regulamentar e fiscalizar o exercício profissional, observadas as diretrizes gerais da autarquia; embasadas na Lei do exercício profissional e Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem.
A defesa dos direitos do trabalhador são, em grande parte, uma atividade sindical, mas nós, representantes do Coren/PR, temos nos empenhados em apoiar os movimentos sérios e estruturados em prol da enfermagem paranaense. A luta pelas 30 horas é nacional e tem sido uma das bandeiras do Sistema COFEN/CORENs, que a atual gestão do Coren/PR tem levantado juntamente com outras organizações representativas da profissão.
A Organização Mundial de Saúde declarou que, embora essenciais no atendimento à população, os profissionais de enfermagem nem sempre têm suas contribuições contempladas por meio de políticas nacionais de saúde. Para tanto, a fim de promover a valorização dessa profissão, de modo global, a OMS lançou a campanha “Enfermagem Agora”, com apoio do Cofen e regionais.
A presença do sentimento de valorização é cada vez mais necessário na prática dos profissionais de enfermagem, devendo ser apropriado pelo gestor/gestão e se impondo como um dos grandes desafios da profissão e da sociedade que assistimos.
* Marcio Roberto Paes é Enfermeiro, Doutor em Enfermagem, Professor Adjunto do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Paraná, Enfermeiro do Serviço de Métodos Cardiológicos do Hospital de Clínicas da UFPR, Preceptor da Residência Multiprofissional do Programa Cardiovascular/HC/UFPR, Conselheiro do Coren/PR (Gestão 2018 – 2020) e Coordenador da Comissão de Saúde Mental do Coren/PR.
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