“Não posso trazer toda a beleza do mundo comigo, mas eu presto atenção!” Fábio de Melo
Durante quatro anos, em minhas caminhadas solitárias, tive a oportunidade de registrar em fotografias as mais diversas paisagens, flores, árvores, plantas e frutos, em jardins, parques e florestas de várias regiões do sul Brasil e do exterior. Um pouco do resultado desta experiência está compartilhado no blog baume-blumen-und-fruchte.webnode.com para quem quiser conferir e também para a posteridade, pois, pelo andar da carruagem, muitas de nossas espécies deixarão de existir a curto e médio prazo, consequência da exploração desenfreada dos recursos naturais, do desmatamento e da poluição.
Como será o retrato do nosso planeta nas próximas décadas? A vegetação cederá espaço definitivamente para o concreto? Que triste seria o mundo sem o verde.
Confesso que, hoje em dia, o correr da vida muitas vezes tenta me privar deste tempo de qualidade que estimula, entre outras coisas, a criatividade, especialmente nos últimos dois anos, em que o contato com a terra e a natureza se tornaram grandes aliados na manutenção da saúde mental. Desejo poder continuar dedicando tempo a este tipo de atividade, ciente de seus inúmeros benefícios, só para citar alguns:
· Melhora a qualidade de vida;
· Eleva a autoestima;
· Produz sensação de bem-estar;
· Reduz o estresse;
· Melhora o humor;
· Diminui a ansiedade;
· Alivia a depressão;
· Aumenta nosso senso de valorização.
Desde que me conheço por gente, sinto uma forte ligação com tudo o que diz respeito à natureza.
Enquanto estava alinhavando as ideias para este post, comecei a me perguntar qual a origem deste interesse pelas coisas naturais. Até então, nunca havia me questionado.
Foi então que, retrocedendo nos anos de minha juventude, me deparei com a imagem de um lindo jardim florido, com a grama bem aparada. Para minha grata surpresa, descobri que esta predileção vem de família, algo como uma herança genética, mas de grande valor afetivo. Talvez essa tenha sido a minha maior descoberta a meu respeito.
Das muitas lembranças que guardo de minha avó materna, recordo do jardim em que ela, por décadas, cultivou, sagradamente, toda sorte de flores e plantas. De fato, ela não se contentava em plantá-las; ela se dedicava a elas. Um jardim pequeno, mas muito bem cuidado, em frente à casa de alvenaria onde nos reuníamos aos finais de semana.
A saudosa dona Zezé nos deixou há poucos anos, quando perdeu a guerra para um câncer de tireoide, mas viveu bem e bastante – mais de oitenta anos!, sessenta dos quais na companhia de meu saudoso e bem humorado avô, seu Alfredo. Ambos nos ensinaram preciosas lições sobre a arte de viver e enfrentar as adversidades, que permanecem vívidas em minha memória.
Descendente de alemães, ela foi presenteada por Deus com um belo par de olhos verdes, braços aconchegantes, mãos habilidosas e lábios capazes de pronunciar as palavras mais ternas que ouvi, por muitos anos, sempre que nos encontrávamos: “Biquinha da vó!”. Era assim que ela carinhosamente me chamava! Talvez porque fosse difícil pronunciar o nome de todos os outros netos antes de “acertar” o meu.
Apreciadora de um bom café, foi agraciada com muitos filhos, netos e bisnetos e nunca cansava de dizer que nos amava. Reconheço que foi ela quem me ensinou a dizer eu te amo para as pessoas que me são importantes. Ela era abundante em amar.
Sinto muita falta da dona Zezé e lamento não ter passado mais tempo com ela, mas sou feliz por ter recebido sua influência e pela contribuição que deixou, ao plantar um jardim na terra, demonstrando que a verdadeira felicidade está nas coisas pequenas e nas coisas simples.
Atualmente, minha mãe e eu temos o privilégio de cultivar nosso próprio jardim, seguindo o exemplo da dona Zezé. Queremos manter nossas lembranças sempre perfumadas.
Concluo com um dos textos mais lindos já escritos pelo padre Fabio de Melo, que fala sobre o estilo de vida que devemos levar, valorizando as coisas simples:
“Tudo o que é belo tende a ser simples. A beleza anda de braços dados com a simplicidade. Basta observar a lógica silenciosa que prevalece nos jardins. Vida que se ocupa de ser só o que é. Não há conflito nas bromélias, não há angústia nas rosas, nem ansiedades nos jasmins. Cumprem o destino de florirem ao seu tempo e de se despedirem do viço quando é chegada a hora. São simples. Não querem outra coisa, senão a necessidade de cada instante. Não há desperdício de forças, não há dispersão de energias. Tudo concorre para a realização do instante. Acolhem a chuva que chega e dela extraem o essencial. Recebem o sol e o vento, e morrem ao seu tempo. Simplicidade é um conceito que nos remete ao estado mais puro da realidade.
A semente é simples porque não se perde na tentativa de ser outra coisa. É o que é. Não desperdiça seu tempo querendo ser flor antes da hora. Cumpre o ritual de existir, compreendendo-se em cada etapa. Já dizia o poeta: “Simplicidade é querer uma coisa só”. O muito querer nos deixa complexos demais. O simples anda leve. Carrega menos bagagem quando viaja, e por isso reserva suas energias para apreciar a paisagem. O que viaja pesado corre o risco de gastar suas energias no transporte das malas.
A simplicidade é uma forma de leveza. Nas relações humanas ela faz a diferença. O que cultiva a simplicidade tem a facilidade de tornar leve o ambiente em que vive. Não cria confusão por pouca coisa; não coloca sua atenção no que é acidental, mas prende os olhos naquilo que verdadeiramente vale a pena. Pessoas simples são aquelas que se encantam com as coisas menores. Sabem sorrir diante de presentes simbólicos e sem muito valor material. A simplicidade lhes capacita para perceber que nem tudo precisa ter utilidade. E por isso é fácil presentear o simples.
Dar presentes aos complicados é um desafio. Não sabemos o que eles gostam, porque só na simplicidade é possível conhecer alguém. Só depois que as máscaras caem pelo chão e que os papéis são abandonados a gente tem a possibilidade de descobrir o outro na sua verdade. Eu gostaria de me livrar de meus pesos. Queria ser mais leve, mais simples. Querer uma coisa só de cada vez. Abandonar os inúmeros projetos futuros que me cegam para a necessidade do momento. Projetos futuros valem a pena, desde que sejam simples, concretos e aplicáveis. Não gostaria que a morte me surpreendesse sem que antes eu tivesse alcançado a simplicidade.”
Que a vida nos dê sabedoria para viver com essa simplicidade e que não meçamos esforços para restaurar “nosso jardim”. Só temos um planeta. Vamos cuidar dele!!!
*Cris Pereira é graduada em Psicologia pela Universidade Tuiuti do Paraná e atua na área de regulação dos planos privados de saúde desde 2002. É praticante frequente de trekking de aventura há quase três décadas, além de amante de viagens, natureza e fotografia. Neste espaço, compartilha dicas, relatos e impressões de suas aventuras.
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