A União Internacional para o Controle do Câncer (UICC), com o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS), estabeleceu o dia 04 de fevereiro como Dia Mundial de Combate ao Câncer, data emblemática para ressaltar a conscientização e estímulo a práticas que possibilitem atitudes preventivas. O câncer é uma pauta extremamente importante referente a saúde populacional mundial, sendo a segunda maior causa de mortes, totalizando mais de 10 milhões de óbitos por ano. Estima-se que 40% destas estão ligadas a fatores de riscos modificáveis como tabagismo, sedentarismo, alimentação inadequada, abuso de álcool. Além disso, cerca de 1/3 dos casos em que o desfecho é a morte poderiam ser precocemente rastreados por exames preventivos e tratamento mais efetivo com elevação de chance de sobrevida.
Financeiramente também há impactos relevantes com um custo anual no mundo estimado em 1.16 trilhões de dólares. Para ter ideia isso equivalente a mais que 50% da soma de todos os bens e serviços finais produzidos (PIB) no Brasil em 2021. Quanto mais tardiamente for identificado a doença a tendência é que o tratamento seja menos efetivo (menor chance de sobrevida) e com custo mais expressivo. Seja do ponto de vista do sofrimento humano dos doentes, recursos utilizados em insumo de cuidados a saúde ou custos financeiros envolvidos sobram motivos para estimular hábitos saudáveis e exames para rastreamento precoce. Em empresas que disponibilizam aos colaboradores planos de saúde, a sinistralidade frente a neoplasias figura entre as causas mais dispendiosas e consiste em custos financeiros relevantes para as companhias.
Em relação a incidência de canceres no Brasil, de acordo com o INCA, em 2022 as localizações mais frequentes em homens foram: próstata (30%), cólon e reto (9,2%), traqueia, brônquios e pulmão (7,5%), estômago (5,6%). E em mulheres: mama (30,1%), cólon e reto (9,7%), colo de útero (7%) e traqueia, brônquios e pulmão (7,5%). Por outro lado, a maior mortalidade em homens foi o de Traqueia, Brônquios e Pulmões (13,6%) seguido por próstata (13,5%), cólon e reto (8,4%) e estomago (7,5%) e em mulheres mama (16,5%), traqueia, brônquios e pulmão (11,6%), cólon e reto (9,6%), colo de útero (6,1%).
A origem de muitas destas patologias está ligada a presença de fatores de risco. De forma geral, evitar hábitos que aumentem risco de câncer (como fumar, ingerir regularmente bebidas alcoólicas, consumir alimentos ultraprocessados, obesidade) e adotar um modo de vida saudável (alimentos de origem vegetal, atividades físicas, evitar exposição solar entre as 10 e 16 horas) fazem parte de estratégias de prevenção primária, impedindo o aparecimento da neoplasia. Para reduzir a chance do desenvolvimento de câncer de colo de útero há disponível ainda, inclusive pelo SUS, a vacinação contra o vírus HPV, indicada para meninas dos 9 aos 14 anos e meninos de 11 a 14 anos (para redução de contágio). Um fator protetivo especificamente contra o câncer de mama é o aleitamento materno que deve ser estimulado de maneira exclusiva até os 6 meses do bebê, sendo benéfico simultaneamente para a criança e a mãe.
Em relação ao rastreamento para diagnóstico precoce em população sem sintomas (screening), existem disponíveis exames para rastreamento dos canceres de maior incidência como: câncer de colo de útero com o exame preventivo (Papanicolau); câncer de mama com a mamografia; câncer de cólon e reto com o sangue oculto nas fezes ou colonoscopia. Quando screening tem alguma alteração ou caso o quadro clínico justifique outros exames podem ser solicitados a critério médico, para diagnóstico individualizado, como uma biópsia quando há uma lesão em colo de útero. Cabe ressaltar que após o resultado do exame é indispensável uma avaliação médica para indicar a conduta mais apropriada para cada situação.
O ambiente de trabalho também é um local em que há oportunidade para prevenção de câncer, já que alguns agentes de risco que podem estar presentes nos processos produtivos são classificados como cancerígenos. No entanto, estima-se que apenas 2 a 4% dos casos de câncer podem guardar correlação ocupacional. Estão descritos alguns produtos na Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos (LINACH) especialmente os classificados como grupo 1(confirmados como cancerígenos para humanos como amianto) e 2A (provavelmente cancerígenos para humanos como chumbo inorgânico) que preferencialmente devem ser eliminados ou substituídos e se não for possível, busca-se impedir o contato nocivo com os trabalhadores e monitoramento sobre a exposição com forma de buscar proteger a saúde.
Os fatores que influenciam na possibilidade de desenvolvimento de câncer ocupacional frente a exposição a agente cancerígeno são diversos como: a dose diária absorvida, tempo de exposição e fatores individuais (como suscetibilidade, fatores de risco e proteção). Para identificação destes aspectos é altamente recomendável que profissionais de engenharia de segurança e medicina do trabalho competentes sejam envolvidos na elaboração dos programas legais obrigatórios como o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO). Nestes, há identificação de agentes de risco pela equipe da engenharia de segurança bem com a indicação de planos de ação para medidas mitigatórias (PGR) e indicação de monitoramento da saúde dos trabalhadores pelo médico do trabalho (PCMSO).
Assim, o Dia Mundial do Câncer é uma oportunidade de enfatizar a relevância sobre este tema que guarda profundas repercussões no bem-estar individual, na saúde populacional e em sustentabilidade financeira de sistemas de saúde. A prevenção do câncer está ligada a aspectos individuais quanto ao estilo de vida (fatores de risco e proteção) mas também abrange estratégias de saúde coletiva para o acesso adequado aos serviços de saúde (exames, consultas) assim como ações em higiene ocupacional para avaliação de riscos e monitoramento de saúde do trabalhador. São diversos atores e sistemas de interface que serão mais efetivos ao atuarem sinergicamente em busca de evitar o câncer e se houver a doença atuar no diagnóstico precoce para tratamento com objetivo curativo. É preciso união de esforços, juntos contra o câncer!
Publicação original aqui (Sesi)
* Guilherme Murta é especialista em Medicina do Trabalho pela AMB/CFM. Mestre em Ensino nas Ciências da Saúde. Membro do Grupo de Diretrizes da ANAMT, Ex-Presidente da APAMT. Autor de capítulos de livros e artigos de saúde e segurança do trabalho. Professor convidado no MBA Executivo na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e na Especialização de Medicina do Trabalho UFPR.
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