Cringe

Cringe é um verbo da língua inglesa e que, aparentemente, se transformou em gíria. Usa-se o verbo quando se quer expressar dor, medo, aflição. Pode ser traduzido para o português como “vergonhoso”.

Nos últimos tempos tenho ouvido e visto posts, comentários, citações etc. sobre o termo no Instagram, no Tik Tok, no Google e, com certeza, nos demais ambientes e plataformas. Tudo não passando de verdadeiro tsunami de dados desconexos, que não servem para compor uma única informação que manifeste algum sentido. Um verbo da língua inglesa, que nós, os tupiniquins usamos e abusamos para massacrar outros tabajaras e guaranis da Terra Brasilis. Além de outros peles vermelhas de lá e acolá. Lembremo-nos que adoramos copiar os modismos de Tio Sam desde tempos imemoriais …

Pelo que pude perceber até aqui, a gíria geralmente é utilizada pelos mais jovens, nascidos pelos anos 1990 em diante, conhecidos como “Geração Z”, contra os “Millenials”, aqueles nascidos antes de 1990. Cringe, por exemplo, é vestir calças skinny, adorar filmes e livros do Harry Potter, amar café, gostar da série Friends, dentre outros sentimentos e atitudes. Bacana isso, só de lermos um Harry Potter já estamos ali no campo minado dos “vergonhosos” – somos cringe, daí, como diria a Bosena de Pato Branco!

No início de julho estive em João Pessoa, capital da Paraíba. Hospedei-me em um hotel na orla da praia de Tambaú. Meu único esforço era atravessar a avenida e o calçadão para estatelar-me nas areias quentes da praia. Por alguns dias fiz sempre o mesmo programa: café da manhã no hotel, carregar a mochila com protetores solares e sair em busca de um guarda-sol e cadeira dos “barraqueiros” instalados naquelas areias. Descobri um paraibano cabra da peste, batalhador e honesto, que alugava sua cadeira e guarda-sol pelo dia todo. Bigode, esse é o cognome da figura, gosta de uma conversa arretada. Se gostou do cliente, oferece a “mardita”, cachaças da região de deixar qualquer gringo que as prove avesso aos vinhos europeus de gostos delicados e aromas sofisticados. Dá-lhe cachaças da Paraíba.

Bigode atua no ramo barraquístico-cachaceiro-praiero faz mais de 20 anos. Além das “marditas”, serve espetinhos de frango, de alcatra, de salsichão, de queijo e uma diversidade de cervejas e cachaças para um trago acompanhado de uma esfuziante e prolongada conversa, além de água mineral e de coco, que ninguém é de ferro para aguentar aquele calor abençoado por Deus destes tristes trópicos!

A barraca de Bigode fica quase ao lado do antigo Hotel Tambaú, cartão postal de João Pessoa nos bons tempos em que a Varig dominava o espaço aéreo brasileiro com mordomias aos passageiros – nada de barrinhas de cereal e copinhos de água (que saudades!) e era dona da Rede Tropical de Hotéis, sendo o Tambaú um dos ícones em hotelaria no Brasil – imagino que a geração Z não sabe o que foi a Varig!

Bom, o que Bigode, homem correto e trabalhador de João Pessoa tem a ver com cringe, “millenials” e “geração Z”? Lá em algum versículo bíblico lembro estar escrito que pais ficariam contra os filhos e os filhos contra os pais quando o fim dos tempos estivesse chegando. Minha míope visão do apocalipse deparou-se com a consumação do versículo bíblico! Misericórdia!

Vou explicar: estava eu refesteladamente assentado sobre a cadeira fornecida por Bigode, observando o movimento das ondas, o baloiçar dos barcos aguardando a maré baixar para se dirigirem às piscinas naturais, quando, repentinamente, percebi que as pessoas à minha frente estavam num clima, vamos dizer, “briguento”.  Duas adolescentes e uma avó (soube disso depois de ouvir as conversas), sentadas frente a frente, aguardavam ansiosamente seus espetinhos de frango. Bigode prontamente preparou um, dois e, mais tarde, o terceiro espetinho para a família maravilhosa sentada bem na minha frente. Quando os primeiros dois espetinhos ficaram prontos, Bigode entregou-os – um a avó e outro a uma das adolescentes.

A avozinha colocava em sua boca as asas de frango assadas por Bigode, quando, de repente, uma das adolescentes pergunta em voz alta: Eu não pedi um espetinho de frango? Porque a avó recebeu um antes de mim, se pedi antes???? (milhões de interrogações em seu olhar pérfido). De imediato, a adolescente (acho eu que entre 15 e 17 anos) levantou-se num ímpeto de sua cadeira, deu dois passos em direção a sua avó sentada à frente já com o espetinho enfiado na boca, e arrancou, sem dó nem piedade da boca murcha daquela mulher, no mínimo sexagenária, o bendito espeto de asa de frango! E arrancou não é eufemismo, pois puxou da boca da mulher com muita raiva e força.

Para mim foi prova contumaz de adolescente malcriada, desrespeitosa e sem noção nenhuma de bons modos e educação. A pobre avó ficou muda, atônita, mas não abriu a boca para balbuciar uma palavra, uma reprimenda sequer. Quem sabe até porque tenha uma parcela de culpa na educação daquela garota “geração Z”?

Educação, respeito, boas maneiras, civilidade, vergonha na cara não fazem parte do cotidiano daquela adolescente e, espero que não seja o padrão comportamental na geração que chama de “cringe” ou “vergonhoso”. Tomara ter sido apenas um mero fato isolado.

Entorno do hotel Tambaú – João Pessoa/PB | Acervo Gilmar Rosa.

*Gilmar Rosa é graduado em Administração de Empresas pela Universidade Positivo e História – Memória e Imagem pela Federal do Paraná. Participou na execução de um dos mais importantes projetos de implantação de APS no estado do Paraná em 2014. Atualmente, busca um lugar ao sol que tenha águas cálidas e agradáveis durante todo o ano. 

Clique aqui para conferir outras colunas de Gilmar Rosa

Conheça mais sobre as colunas do Saúde Debate