Mulheres Descontextualizadas

Uma mulher pode ser mais suscetível à violência doméstica por estar afastada do apoio familiar?

 

Uma pesquisa arqueológica da Universidade de Sevilha (Espanha) em parceria com o plano de pesquisa Marie Sklodowska Curie, da Comissão Europeia, foi a fundo para verificar a desigualdade entre homens e mulheres e afirma que houve um processo social e cultural construído ao longo dos séculos, pelo qual a mulher ao se casar deixava sua família e passava ao convívio da família do marido, longe de suas referências, de sua família, de sua identidade.[1]

 

Considerando que em tempos remotos, o casamento significava uma verdadeira separação da família original para adentrar em outra realidade, a total precariedade em relação à comunicação e locomoção só contribuíam para que houvesse essa separação e o contato com os seus.

 

Nesse novo contexto, a mulher se via desprotegida e mais suscetível a violência e ao desrespeito. Esse processo evoluiu e se instalou, se estabeleceu e consolidou um sistema injusto de desigualdade que tem consequências ainda hoje.

É claro que hoje a possibilidade de isolamento da mulher de sua família é um processo diferente, a comunicação é intensa, por vários meios, mas esse isolamento pode ocorrer de uma forma mais abstrata, ou seja, a mulher é emocionalmente e psicologicamente isolada de quem é e dos seus, retirada de seu contexto e do seu ambiente de proteção de uma forma que vai além da ação física.

 

Não raro, mulheres perdem sua identidade e são levadas a adotar costumes e comportamentos que não são os seus, de uma forma impositiva e, ainda, são levadas a deixar atividades, costumes e até o trabalho, em razão da nova realidade de esposa e mãe, em contextos de total falta de apoio e de divisão de responsabilidades e tarefas domésticas.

 

O homem, por sua vez, sente-se à vontade para criar esse ambiente de isolamento, criando uma atmosfera de medo e de controle sobre a mulher, e mesmo em situações de alguma normalidade, a imposição cultural e social de papéis definidos a mulheres e homens, mais especificamente, mulheres que ocupam mais o espaço privado e homens que ocupam os espaços públicos, no sentido de que mulheres cuidam (casa e filhos) enquanto homens provêm (trabalho e acúmulo de patrimônio), mulheres se perdem nessa entrega e deixam de exercer outros papéis que as satisfazem, que trazem contentamento, independência e segurança, papéis que as contextualizam, que trazem ao seu centro e essência.

 

Então, muito mais que o afastamento físico de sua família e rede de apoio, a mulher é afastada de si mesma e levada, muitas vezes, para caminhos que não escolheu. Não que isso seja uma regra, há muitas mulheres que escolhem estar em um novo contexto e mudam radicalmente suas vidas e costumes por escolha própria. O que se trata aqui é da descontextualização física e, o mais importante, da descontextualização pessoal, moral, emocional que vivem muitas mulheres por imposição de um sistema.

 

Por isso, é muito importante não se afastar de si e de todas as suas referências. Não se afaste do seu marco familiar, dos seus amigos, do seu meio. Mesmo se inserindo em um novo núcleo familiar ao se casar, mantenha seus laços, mesmo passando por mudanças, não abandone a sua história, continue a ser quem você é. Caso perceba que se perdeu ou está em perigo, saberá o caminho de volta.

* Em caso de necessidade própria ou de outra mulher que esteja passando por qualquer tipo de violência, entre em contato com a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180.

Este é um canal de atendimento telefônico, com foco no acolhimento, na orientação e no encaminhamento para os diversos serviços da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres em todo o Brasil. As ligações para o número 180 podem ser feitas de qualquer aparelho telefônico, móvel (celular) ou fixo, particular ou público. O serviço funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, aos finais de semana e feriados inclusive.

 

 

REFERÊNCIAS: 

Limón, Raúl. Pesquisa mergulha até o Neolítico para encontrar origens da desigualdade entre homens e mulheres. Disponível em: https://brasil.elpais.com/ciencia/2021-04-13/pesquisa-mergulha-ate-o-neolitico-para-encontrar-origens-da-desigualdade-entre-homens-e-mulheres.html.  Acesso em: 15/05/2021

[1]Leonardo García Sanjuán, catedrático de Pré-História e Arqueologia da Universidade de Sevilha e coautor do estudo, pendente de publicação e que faz parte do projeto descrito no site Projectwomam.com, explica que “a patrilocalidade é a regra residencial pela qual as mulheres, quando se casam, vão morar na aldeia ou povoado do marido, uma ação típica de sociedades patriarcais”. “Esta prática”, explica, “é muito relevante no estudo da origem primordial do patriarcado porque, ao sair de suas famílias e de suas próprias aldeias e partir para a dos seus maridos, as mulheres ficam descontextualizadas de seu marco familiar e do apoio de seus parentes e amigos, o que as torna muito mais vulneráveis à opressão por parte do marido e da sua família”.

Para confirmar esta prática e fugir de interpretações enviesadas por paralelismos etnográficos (atribuir papéis passados em função de comportamentos culturais atuais), Cintas-Peña analisou a totalidade dos dados de isótopos de estrôncio disponíveis atualmente para este período na Península Ibérica. Esse conjunto de dados fornece informações sobre 476 indivíduos procedentes de 26 sítios arqueológicos diferentes. Conforme explica a arqueóloga, este sistema, através da comparação da marca isotópica da região e da marca isotópica dos restos ósseos, permite determinar se um indivíduo foi enterrado no mesmo lugar onde viveu, abordando assim sua mobilidade.”(https://brasil.elpais.com/ciencia/2021-04-13/pesquisa-mergulha-ate-o-neolitico-para-encontrar-origens-da-desigualdade-entre-homens-e-mulheres.html)

* Viviane Teles de Magalhães Araújo é advogada com atuação no mercado corporativo nas áreas cível e trabalhista; Mestra em Direito (Direitos Fundamentais Coletivos e Difusos), Especialista em Direitos Humanos e Questão Social, MBA em Direito Empresarial, Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Autora do livro “Mulheres – Iguais na Diferença” e do artigo “A igualdade de direitos entre os gêneros e os limites impostos pelo mercado de trabalho à ascensão profissional das mulheres”, além de colunista do Saúde Debate

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