É possível ter 217 quilos e não se considerar obeso? Para o publicitário Jean Perez, que tem dois metros e sete centímetros de altura, sim. “Com essa altura não importa o seu peso. As pessoas te chamam de grande, guarda-roupa, armário, mas nunca de gordo ou obeso. Na cabeça de quem ouve, esse ‘grande’ pode soar sinônimo de ‘muito forte’ e até parecer elogioso. No mínimo, é uma boa desculpa para continuar comendo além da conta”, comenta Jean, que acreditava precisar de muito “combustível” para alimentar uma “máquina” daquele tamanho. Mas a perda de peso era necessária.
Tanto combustível o levou à obesidade mórbida. Em abril de 2019, ele foi ao hospital por causa de uma crise de pânico. Tinha certeza de que estava morrendo. Os primeiros exames deram resultados normais, mas os complementares apontaram um coração inchado, gordura no fígado e um rim em sofrimento para dar conta do recado. “Um a um, os médicos consultados não me deram opção: se eu quisesse ter alguma qualidade de vida deveria fazer uma cirurgia bariátrica, porque meu peso estava prejudicando órgãos vitais. Aceitei sem pensar muito”, relembra.
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Todos os anos 168 mil brasileiros perdem a vida por problemas de saúde relacionados ao peso, segundo estudo publicado na revista científica Preventing Chronic Disease, do Centro de Controle e Prevenção de Doenças de Atlanta. A pesquisa, conduzida por cientistas brasileiros da Escola Paulista de Medicina da Unifesp, estima que 25% das mortes por doenças crônicas e 15% do total de mortes poderiam ser evitados com a redução do IMC dos pacientes, o que indica a necessidade de orientação para a perda de peso.
Gatilhos e conforto
Como não queria virar estatística, o publicitário seguiu todo protocolo: fez um curso preparatório, consultas com psicólogos, nutricionistas e educador físico, mas diz que isso não foi suficiente para compreender como seria a vida dali em diante. “Todos ali são pessoas emocionalmente machucadas, sabe? Nessa terapia não se falou sobre os gatilhos que as levaram até aquela situação. Lembro que alguns perguntavam quando poderiam voltar a comer lasanha ou sorvete depois de operadas. Teoricamente, nunca mais, né? Dali para frente, meu estômago ficaria com 60 mililitros de capacidade. Eu estava perdendo um forte aliado para os dias tristes e solitários”, conta.
Empolgação
Os primeiros seis meses após a cirurgia são de lua de mel. “Lembro como achei maravilhoso chegar aos simbólicos 150 quilos, estágio em que eu já conseguiria me pesar em qualquer farmácia. Antes, meu circuito era limitado aos raros estabelecimentos com balanças para pesos maiores”.
Volta da depressão
Vinte e um meses depois, Jean atingiu o pico do emagrecimento: 110 quilos. Estava, então, com 107. “Tinha perdido mais da metade de mim. Só que, em algum momento, perdeu a graça. Emagrecer deixou de provocar entusiasmo. A recaída na depressão não podia mais ser compensada com comida. Eu não sentia mais fome”, lembra.
Perda de peso x Transtorno dismórfico
A mudança brusca da silhueta também trouxe o transtorno dismórfico à tona. Jean não se reconhece no corpo que tem. “Minha memória é a do Jean de 2006, que tinha barriga, mas ainda cabia na cadeira. É comum chegar em uma loja, pedir uma roupa bem maior que o meu tamanho atual e ser corrigido pelo vendedor”.
No transtorno dismórfico, a pessoa “cria defeitos” onde não existe, explica o nutricionista responsável pela Growth Supplements, Diogo Cirico. “Essa situação está diretamente ligada ao quadro emocional que o paciente possui antes de perder peso ou que possa ter criado durante a perda. Por isso, esse processo deve ser acompanhado por um psicólogo. É preciso tratar esses problemas e ficar atento a mudanças que eventualmente surjam durante o processo de emagrecimento. O quadro de obesidade é muito delicado e cada vez menos tem sido tratado só pelo nutricionista, o físico apenas reflete nossas emoções, tamanha é a relação entre a mente e o corpo”, aponta.
Reencontro
No caso do Jean, aos poucos, a compulsão pela comida foi sendo redirecionada para as atividades físicas. Mas isso, explica o nutricionista, está longe de ser uma troca saudável. “Quem usava a alimentação como fuga e passa a usar o exercício físico depois de uma cirurgia bariátrica, pode desenvolver deficiências nutricionais que impactam a saúde e disposição, gerando sintomas como queda de cabelo, unhas quebradiças, irritabilidade, queda nas ações do sistema imunológico, perda de massa muscular, flacidez. Sem falar nos aspectos sociais, como o isolamento”, enumera.
No caso de Jean, a terapia começou a ajudar e ele foi ressignificando a vida, após a perda de peso. Hoje, afirma que tenta viver o que não poderia ter antes da cirurgia, mas admite que a caminhada ainda está no meio. Nas redes sociais, Jean Perez fala sobre o processo e reflete, às vezes com seriedade, às vezes com a leveza de quem está experimentando tudo de novo. “A cirurgia não é um atalho. Duas pessoas da minha família fizeram antes de mim e engordaram tudo de novo. O preparo psicológico para o procedimento precisa ser adequado, porque, da noite para o dia, sua imagem no espelho vai mudando bruscamente, até que fica difícil se reconhecer. Entender esse processo e poder se preparar antes para enfrentá-lo é essencial”, aconselha.
* Informações assessoria de imprensa
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